Abordagem

A síndrome cardiopulmonar por hantavírus (SCPH) é uma doença notificável em alguns países. Uma história de exposição peridoméstica a roedores ou limpeza de áreas contaminadas por roedores são um indício epidemiológico para o diagnóstico de infecção por hantavírus.

A infecção por SCPH é melhor compreendida pela divisão em estágios.[44]

  1. Após a exposição ao vírus, há um período de incubação assintomática de 9 a 33 dias (mediana de 14 a 17 dias, e até 3 semanas após mordida de roedor).[28][29]

  2. Uma doença viral prodrômica inespecífica surge em seguida, com febre, cefaleia, mialgias e, geralmente, sintomas gastrointestinais (GI) proeminentes.

  3. Durante uma fase inicial da síndrome pulmonar, há dispneia e hipoxemia crescentes.

  4. Na fase cardiopulmonar, o paciente fica gravemente adoecido com edema pulmonar, trombocitopenia, hemoconcentração e choque cardiogênico.

  5. Nos sobreviventes da fase cardiopulmonar, segue uma fase de diurese, com remissão do edema pulmonar. A convalescença pode ser prolongada.

Doença prodrômica

O diagnóstico raramente é feito neste estágio da doença, devido aos sintomas inespecíficos. Sintomas de uma doença prodrômica viral, incluindo febre, cefaleia, mialgia e sintomas gastrointestinais (anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal), costumam estar presentes.[45] Sintomas do trato respiratório superior (como faringite, congestão nasal e espirros) raramente são relatados na infecção por hantavírus, e tendem a servir para a exclusão do diagnóstico.[45] História epidemiológica de infestação de roedores dentro ou nas cercanias da habitação e/ou a limpeza de áreas contaminadas por roedores sugerem infecção por hantavírus.

Clinicamente, o paciente pode apresentar taquipneia, mas as saturações de oxigênio estarão em níveis normais.

Geralmente, investigações não são realizadas neste estágio, mas se um hemograma completo for feito, ele pode oferecer indícios precoces da doença. Trombocitopenia com uma epidemiologia de suporte é sugestiva de infecção por hantavírus.[46] O grau de trombocitopenia pode ser prognóstico de um desfecho desfavorável.[5]

Sorologias de captura de IgG (imunoglobulina G) e IgM (imunoglobulina M) por ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA) e para o vírus Sin Nombre (SNV) serão necessárias se a epidemiologia e o quadro clínico forem sugestivos de infecção por hantavírus.[47] Quando os sintomas são evidentes, os pacientes invariavelmente apresentam anticorpos antivirais da classe IgM, e alguns apresentam anticorpos da classe IgG.

No Brasil, uma proteína nucleocapsídea recombinante do vírus Araraquara (ARQV) foi obtida em Escherichia coli e usada com sucesso como um antígeno em ELISA indireto para diagnóstico de doença por hantavírus e pesquisas sorológicas.[48]

Fase pulmonar inicial

A progressão da doença resulta no aumento de dispneia com baixa saturação de oxigênio.

Todos os pacientes com sintomas respiratórios devem ser submetidos a uma radiografia torácica e a exames de sangue básicos. A radiografia torácica pode ser normal ou sugestiva de edema intersticial inicial. O hemograma completo revela trombocitopenia com elevação de hemoglobina (Hb) e hematócrito (Hct) como evidência de hemoconcentração. Há uma leucocitose associada com formas jovens (imunoblastos).[45] Uma contagem de imunoblastos >10% do total da contagem de linfócitos com mielócitos, elevação de Hb e trombocitopenia (<150 x 10⁹/L [<150 x 10³/microlitro]) no hemograma completo são altamente sugestivos de infecção por hantavírus.[49]

Se a epidemiologia, o quadro clínico e as investigações iniciais derem suporte à possibilidade de infecção por hantavírus, a sorologia para hantavírus deve ser solicitada (se já não o foi). A detecção do ácido ribonucleico (RNA) do hantavírus por reação em cadeia da polimerase também está disponível, embora ainda seja considerada experimental.[50] Alto grau de viremia na apresentação pode ser preditiva de doença mais grave.[51]

Anticorpos neutralizantes são detectáveis nesta fase, embora esta modalidade de exame seja nova, não sendo realizada rotineiramente.[52]

O isolamento de hantavírus em culturas de células não é um procedimento de rotina para diagnóstico laboratorial; no entanto, vírus Andes (ANDV) tem sido isolado na cultura celular do sangue de pacientes e de órgãos de casos fatais.[4]

Fase cardiopulmonar

A progressão da doença resulta em hipotensão e edema pulmonar.

Investigações com hemograma completo, radiografia torácica e gasometria arterial são necessárias. O hemograma completo revela hemoconcentração, indicada pela elevação de Hb e Hct. Isso é típico de extravasamento capilar. A radiografia torácica mostra evidência de edema pulmonar não cardiogênico progressivo (o tamanho do coração permanece normal e infiltrados pulmonares ± derrame pleural podem estar presentes). [Figure caption and citation for the preceding image starts]: Infiltrados pulmonares bilaterais felpudos na síndrome pulmonar por hantavírusDa CDC Public Health Image Library (PHIL), Loren Ketai, MD [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@649c93e8 Gasometria arterial revela acidose metabólica. Lactato sérico deve ser dosado, uma vez que níveis elevados são sinal de desfecho desfavorável.

Quando a fase cardiopulmonar tem início, a doença pode progredir rapidamente para choque cardiogênico e óbito, e deve ser manejada em ambiente de unidade de terapia intensiva.[43] É necessária uma avaliação cardíaca. Um eletrocardiograma (ECG) pode revelar arritmias variadas, de bradicardia sinusal à fibrilação ventricular, e um ecocardiografia mostrará diminuição na fração de ejeção cardíaca. Uma medição hemodinâmica é recomendada. Durante a fase cardiopulmonar, um índice cardíaco reduzido e um aumento na resistência periférica são observados, distinguindo o choque de choque séptico, o qual apresenta baixa resistência sistêmica e alto débito cardíaco. A resistência periférica e o índice cardíaco são avaliados através do uso de um cateter arterial pulmonar na direção do fluxo (cateter Swan-Ganz). Um índice cardíaco de <2.5 L/minuto/m² é um dos critérios para uso de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).[44][53]

Pode ser realizada uma biópsia pulmonar por via transbrônquica usando broncoscopia ou por cirurgia toracoscópica videoassistida (CTVA) em pacientes com progressão inexplicavelmente rápida da doença pulmonar. Em casos de SCPH, ela revela edema intra-alveolar com um infiltrado intersticial de imunoblastos. Haverá poucas células polimorfonucleares. As células de revestimento endoteliais e alveolares estão intactas e parecem normais. A coloração imuno-histoquímica para RNA do hantavírus está disponível como um exame de pesquisa através dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), e mostra coloração difusa da célula endotelial.[53][54]

Na América do Sul, anticorpos específicos de IgM que detectam a sorologia do hantavírus são a opção mais usada para diagnosticar casos de infecção por hantavírus aguda. Além disso, reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa em tempo real (RT-PCR) é capaz de determinar o tipo específico de hantavírus que causa a infecção. A combinação de um teste sorológico, como ELISA-IgM, com RT-PCR é altamente sensível e representa uma abordagem desejada ao diagnóstico laboratorial de SCPH.[55]

Fase de diurese

Nos sobreviventes da fase cardiopulmonar, esta é seguida de uma fase de diurese com remissão do edema pulmonar. A convalescença pode ser prolongada.

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