Etiologia

O diagnóstico diferencial é amplamente influenciado pelo tempo decorrido entre o procedimento cirúrgico e o início da febre. Até 80% dos pacientes com febre no primeiro dia pós-operatório terão uma etiologia autolimitada, e é de se esperar que haja uma resolução espontânea.[5]

Se a febre não remitir, se ela se manifestar após as primeiras 48 horas ou se estiver associada a sintomas e sinais característicos de uma condição subjacente, serão necessárias investigações adicionais.

Um estudo de coorte prospectivo de pacientes cirúrgicos eletivos revelou que a infecção do local cirúrgico é a complicação pós-operatória mais comum (durante o período pós-cirúrgico de 30 dias), seguida por infecção do trato urinário e pneumonia.[6] As infecções do sítio cirúrgico ocorrem em aproximadamente 1% a 3% dos pacientes submetidos a cirurgias com hospitalização, a depender do tipo de procedimento cirúrgico realizado.[7][8][9]

Qualquer febre que se manifeste em um receptor de transplante de órgão ou em um paciente imunossuprimido, exige uma investigação urgente.

Período pós-operatório: 0 a 48 horas

Geralmente, a febre nas primeiras 48 horas é decorrente de uma resposta inflamatória da própria cirurgia. Um trauma direto no tecido causa a liberação das citocinas interleucina (IL)-1, fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interferon-gama e IL-6.[10][11] As suturas também induzem a reação inflamatória de um corpo estranho. Quanto maior o dano tecidual, maior será o aumento subsequente da temperatura.[5][12] A febre é autolimitada e a remissão ocorre de 2 a 4 dias.[5][13]

Outras causas de febre durante as primeiras 48 horas após a cirurgia incluem:

  • Vascular: o infarto do miocárdio é a complicação mais comum ocorrendo nas primeiras 24 horas de pós-operatório.[6]Um acidente vascular cerebral (AVC) pós-operatório geralmente ocorre nas primeiras 48 horas. Um infarto do tecido operado ocorre no período imediatamente pós-operatório.

  • Infecção: infecções adquiridas na comunidade, pneumonia hospitalar por aspiração durante o período perioperatório e síndrome do choque tóxico (uma complicação rara da infecção bacteriana da ferida) podem se manifestar nas primeiras 48 horas após a cirurgia.​[14][15]

  • Febre induzida por medicamento: os medicamentos causam a febre através de reações de hipersensibilidade, alterações na termorregulação ou por uma ação farmacológica direta. Esse efeito pode ser observado a qualquer momento nos 7 primeiros dias da administração do medicamento.[16] Os medicamentos mais comuns que causam febre são a hidroxiureia (hidroxicarbamida), propiltiouracila, iodatos, heparina, alopurinol, imunoglobulinas, salicilatos, fenitoína, hidralazina, procainamida, furosemida e diuréticos tiazídicos. Vários antibióticos também podem causar febre, incluindo antibióticos betalactâmicos, cefalosporinas, sulfonamidas, vancomicina, rifampicina e fluoroquinolonas.[11][17]

  • Hipertermia maligna: uma reação rara, mas que pode apresentar risco de vida, à anestésicos inalatórios que geralmente ocorre de forma intraoperatória ou no período imediatamente pós-operatório. É produzida por uma aceleração do metabolismo muscular e se apresenta com febre alta, hipercapnia, rigidez muscular e taquicardia e taquipneia.[18] Essa condição pode ser desencadeada por qualquer anestésico inalatório ou succinilcolina (suxametônio)

  • Reação à transfusão de sangue: embora o início das reações à transfusão de sangue possa variar, dependendo do mecanismo, a maioria ocorre durante ou imediatamente após a administração de sangue ou hemoderivados. A reação e a febre subsequente são mediadas imunologicamente.[19]

  • Trauma: as complicações produzidas por um trauma durante uma cirurgia geralmente se manifestam nas primeiras 48 horas. Os traumas que causam febre são os hematomas, os seromas e a hemorragia subaracnoide. Os hematomas produzem edemas locais, dor ou, raramente, síndromes compartimentais do compartimento operado. É mais provável que a síndrome compartimental dos membros, decorrente de um hematoma, ocorra após uma cirurgia ortopédica de trauma. A síndrome compartimental da órbita é muito rara, e é mais provável que seja observada após uma cirurgia dos olhos ou uma cirurgia para reparar um trauma facial.

  • Condições preexistentes: o estresse de uma cirurgia pode exacerbar o hipertireoidismo e até mesmo precipitar uma crise tireoidotóxica. A pressão física em um feocromocitoma durante uma cirurgia, mesmo que transmitida indiretamente, pode aumentar a liberação de catecolaminas do tumor. Ambos os efeitos podem produzir febre.

  • Rejeição de transplante: se o paciente se submeteu a um transplante de órgão, poderá ocorrer uma rejeição hiperaguda em poucos minutos até horas após o transplante.

Período pós-operatório: >48 horas a 7 dias

Se o início da febre ocorrer após 48 horas, é provável que ocorra uma etiologia infecciosa, a qual se tornará mais provável a cada dia. Noventa por cento dos casos de febre pós-operatória que se manifestam após 5 dias ou mais têm uma infecção identificável.

Os fatores de risco para infecção do sítio cirúrgico incluem: internação prolongada, anemia, medicação imunossupressora, história de abuso de álcool, obesidade, depressão, história de insuficiência cardíaca congestiva, HIV/AIDS, desnutrição e tabagismo.[7][20]

Infecções introduzidas por cirurgia

Pneumonia, infecção do trato urinário (ITU) e infecções superficiais no sítio cirúrgico são as infecções mais comuns que se apresentam nesse período.[6]

Os pacientes que se submeteram a uma neurocirurgia podem desenvolver meningite. A meningite asséptica (uma reação inflamatória do tecido à cirurgia) é mais comum, mas todos os pacientes são tratados como se tivessem meningite bacteriana até que a infecção seja excluída. Os pacientes que se submeteram a uma cirurgia cérvico-facial podem desenvolver otite média.

Infecções introduzidas através de acessos invasivos

ITU associada a cateter urinário, pneumonia (devida à intubação endotraqueal) e infecções intravasculares relacionadas a cateteres (devidas a acessos intravasculares) são as mais comuns. A tromboflebite superficial (no sítio da colocação do cateter) e a colecistite acalculosa (devida à disseminação hematogênica da bactéria) também são relativamente comuns.

Outras causas de infecção

As infecções introduzidas por transfusão de sangue e hemoderivados são muito raras. As infecções bacterianas agudas causadas por transfusão incluem as espécies Yersinia, Pseudomonas, Staphylococcus, Salmonella, enterococos e Clostridium. As infecções parasitárias e pelo vírus do Nilo Ocidental também podem ser raramente transmitidas. O citomegalovírus é comum, mas assintomático, exceto em pacientes imunocomprometidos.[21]

A insuficiência adrenal deve ser considerada em pacientes com febre pós-operatória, pois ela aumenta o risco de infecção. A crise adrenal em si também pode causar febre.

Causas não infecciosas

As possibilidades durante este período incluem:

  • Infarto do miocárdio

  • Febre induzida por medicamento

  • Gota e pseudogota: os pacientes com uma gota subjacente ou pseudogota podem ter uma exacerbação aguda após uma cirurgia[22]

  • Pode ocorrer uma pancreatite como resultado de qualquer intervenção cirúrgica. A fisiopatologia é pouco compreendida

  • A abstinência alcoólica geralmente começa durante esse período e os pacientes com uma história de abuso de álcool devem ser rigorosamente observados

  • Causas vasculares: a embolia gordurosa se apresenta de 48 a 72 horas, enquanto o tromboembolismo se manifesta em um momento posterior, geralmente durante ou após a segunda semana pós-operatória. A trombose do seio cavernoso é uma rara complicação que pode ocorrer em pacientes que se submeteram a uma cirurgia cérvico-facial recente.

A atelectasia tem uma prevalência elevada no período pós-operatório e, portanto, sua coexistência com a febre não é uma surpresa. No entanto, a atelectasia se correlaciona mal com a febre pós-operatória, e a relação é mais coincidente do que causal.[23][24][25]

Período pós-operatório: >7 dias a 28 dias

As infecções são a principal causa da febre que se apresenta nesse período de tempo:

  • As infecções do trato urinário, a pneumonia e as infecções intravasculares relacionadas a cateteres (devido ao acesso intravascular) permanecem comuns[6]

  • A infecção por Clostridium difficile geralmente ocorre na segunda semana, e tipicamente há história de uso de antibiótico anteriormente[26]

  • A celulite da ferida pode se manifestar a qualquer momento após as primeiras 48 horas, porém infecções profundas da ferida e abscessos ocorrem, tipicamente, após a primeira semana.[6] A fasciite necrosante é uma infecção rara em feridas profundas que é indistinguível da celulite nos estágios iniciais. Os sintomas incluem pele quente, sensível à palpação e eritematosa. À medida que a infecção evolui, os pacientes apresentam sinais de sepse e desenvolvem dor intensa além das margens da celulite. Os pacientes também podem apresentar uma secreção fina na ferida, crepitação na pele, flutuação, induração, formação de bolhas e necrose da pele.[27]

  • As infecções causadas por um corpo estranho começam a se manifestar após a primeira semana. Dentre eles, estão as infecções causadas por componentes ortopédicos, dispositivos endovasculares, valvas protéticas, enxertos e stents

  • A osteomielite que ocorre como uma complicação da cirurgia ortopédica pode aparecer já na segunda semana pós-operatória (embora alguns casos ocorram meses após a cirurgia)

  • Geralmente, a sialadenite se manifesta após a primeira semana pós-operatória, e é mais comum em pacientes de mais idade, debilitados ou desnutridos e com uma higiene bucal precária

  • Geralmente, a sinusite se manifesta após a primeira semana pós-operatória, e é mais comumente associada à inserção prolongada de sondas nasogástricas

Causas não infecciosas da febre que se apresenta nesse período de tempo:

  • Tipicamente, uma rejeição aguda do transplante se manifesta na segunda semana pós-operatória, ou posteriormente.

  • Os pacientes com uma neoplasia subjacente apresentam risco elevado de evoluir para uma febre pós-operatória, a qual se manifesta, tipicamente, na segunda semana pós-operatória, ou posteriormente.

  • A trombose venosa profunda (TVP) e a embolia pulmonar produzidas por imobilidade prolongada manifestam-se, tipicamente, após a primeira semana.[6] Uma trombose do seio cavernoso pode se manifestar nesse período. Tipicamente, uma rejeição aguda de transplante se manifesta na segunda semana pós-operatória, ou posteriormente.

Período pós-operatório: >4 semanas

A causa predominante de febre nesse período é infecciosa. As infecções observadas mais comumente são aquelas causadas por corpos estranhos.

  • A osteomielite, em decorrência de infecção por implante após uma cirurgia ortopédica, pode se manifestar semanas ou até mesmo meses após a cirurgia.

  • Uma endocardite infecciosa pode se manifestar em até 5 semanas após a cirurgia, mas qualquer paciente com uma substituição de válvula apresenta risco elevado de desenvolver essa infecção durante a vida toda.

A manifestação de outras infecções cirúrgicas locais pode demorar até 4 semanas após a cirurgia, se causadas por cepas bacterianas menos virulentas, mas isso é incomum.

Uma rejeição aguda do transplante ainda pode se manifestar nesse período de tempo.

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