Abordagem
A eosinofilia pode ser um achado acidental em um paciente que não estiver particularmente debilitado. Se houver uma história de alergia (por exemplo, asma, febre do feno, rinite sazonal) e a contagem estiver apenas discretamente elevada (por exemplo, 0.6 x 10⁹/L a 1.5 x 10⁹/L [600 a 1500/microlitro]), investigações adicionais geralmente não são indicadas. Se o paciente tiver uma doença cutânea associada à eosinofilia (por exemplo, urticária, eczema, pênfigo, penfigoide bolhoso ou penfigoide gestacional), investigações adicionais para a eosinofilia não são indicadas (exceto as necessárias para o manejo efetivo da doença).
Se o paciente estiver debilitado ou se a contagem estiver significativamente elevada e a causa não for clara, a investigação é indicada. Algumas vezes, tal investigação é urgente (por exemplo, em caso de insuficiência cardíaca ou se a contagem de eosinófilos estiver extremamente alta).
História
A história médica de um paciente com eosinofilia deve primeiro envolver avaliação da queixa apresentada, seguida por uma revisão sistemática.
Alergia
Deve-se buscar uma história de febre do feno, asma ou urticária.
Fatores geográficos
Deve-se verificar se há residência em, ou viagem para, uma área onde infestações parasitárias ou coccidioidomicose sejam endêmicas.
Se o paciente morou em, ou viajou para, uma região tropical, ele deve ser questionado sobre a exposição ao solo ou à água doce e sobre quaisquer sintomas sugestivos de doença parasitária durante a visita.
Todas as experiências de viagem (não só as recentes) são importantes (por exemplo, a estrongiloidíase pode se manifestar muitas décadas após o contato com uma área endêmica, principalmente quando a imunidade estiver suprimida).
Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)
Os fatores de risco para infecção por HIV devem ser investigados, pois pacientes HIV-positivos têm maior probabilidade de ter infecções fúngicas ou parasitárias disseminadas que promovem a eosinofilia.
História de medicamentos
Uma história de medicamentos deve ser colhida (principalmente de medicamentos de venda livre (OTCs), medicamentos administrados recentemente [geralmente iniciados 2-6 semanas antes] e de medicamentos imunossupressores).
Uma história de administração recente de corticosteroides ou outros agentes imunossupressores é relevante, pois o tratamento imunossupressor pode levar à hiperinfestação por Strongyloides stercoralis.
Deve-se observar se o paciente está tomando frequentemente algum medicamento associado às reações adversas (por exemplo, sulfonamidas, cefalosporinas, penicilina, nitrofurantoína, carbamazepina, alopurinol, fenitoína ou ouro). Febre, erupção cutânea, linfadenopatia e testes da função hepática comprometida podem indicar uma reação adversa ao medicamento.
História de erupção cutânea ou linfadenopatia
Relevante, não apenas em relação a uma reação a medicamento, mas também a doenças cutâneas primárias que possam causar eosinofilia. Leucemias, linfomas ou mastocitose sistêmica podem causar tanto uma erupção cutânea quanto uma linfadenopatia.
História cardíaca
Sintomas cardíacos (por exemplo, dispneia, dor torácica, palpitações) em um paciente com eosinofilia prolongada ou acentuada pode indicar dano cardíaco por produtos de eosinófilos. Doença cardíaca eosinofílica é uma doença clinicamente urgente.
Sintomas relacionados a outros órgãos
Sintomas relacionados a sistemas de órgãos específicos podem indicar uma doença inflamatória específica, como disfagia na esofagite eosinofílica ou dor abdominal e diarreia na gastroenterite eosinofílica.[12][13][14][15]
Sintomas de linfoma
Febre, sudorese noturna, perda de peso, prurido e dor induzida por álcool, todos possíveis sintomas de linfoma, devem ser investigados de maneira específica.
Sintomas episódicos
Sintomas como ganho de peso episódico e angioedema episódico devem ser investigados, uma vez que ocorrem na condição rara da síndrome de Gleich (angioedema episódico com eosinofilia).
Exame físico
A temperatura do paciente deve ser registrada. Febre pode indicar infestação parasitária ou infecção fúngica, ou uma reação ao medicamento.
A pele deve ser examinada quanto a eritema, rash eczematoso, edema, urticária ou infiltração da pele. Isso pode indicar doença cutânea primária, uma reação a medicamentos, algumas infecções parasitárias, leucemia eosinofílica, urticária pigmentosa associada a mastocitose sistêmica, linfoma cutâneo de células T ou angioedema cíclico com eosinofilia.
Devem-se buscar sinais de vasculite ou isquemia periférica. Elas podem indicar um quadro clínico de vasculite primária como a granulomatose eosinofílica com poliangiite (anteriormente síndrome de Churg-Strauss) ou ser uma característica da própria hipereosinofilia, indicando, em qualquer desses casos, uma possível urgência clínica.
O broncoespasmo pode ser uma característica da asma, da aspergilose broncopulmonar alérgica ou de uma reação a medicamento grave. Outros sintomas respiratórios (como tosse, dispneia ou sibilo) podem indicar uma migração pulmonar relacionada ao ciclo de vida de parasitas, uma reação a medicamento ou uma leucemia eosinofílica. A esquistossomose pode causar hipertensão pulmonar, e a granulomatose eosinofílica com poliangiite pode causar infiltrados pulmonares.[16]
Todas as áreas com linfonodos devem ser examinadas para linfadenopatia. Se os gânglios estiverem aumentados, o tamanho e a textura dos gânglios devem ser avaliados, pois isso sugere uma possível neoplasia (por exemplo, linfoma, leucemia linfoide ou mieloide): gânglios indolores, rígidos e fixos têm maior probabilidade de serem malignos.
A hepatomegalia e a esplenomegalia podem ser características do linfoma ou da leucemia eosinofílica.
Cardiomegalia, arritmia ou insuficiência cardíaca podem indicar dano cardíaco por eosinófilos e uma situação clinicamente urgente.
Neuropatia pode indicar dano por proteínas dos eosinófilos.
Investigações
Um hemograma completo deve ser realizado para confirmar a eosinofilia e documentar a contagem de eosinófilos. O hemograma completo e o esfregaço de sangue também devem ser usados para procurar:[17]
Evidências de neoplasia hematológica subjacente (por exemplo, células blásticas, neutrofilia com desvio à esquerda, monocitose, basofilia, características displásicas e células de linfomas)
Trombocitose, que pode ocorrer secundariamente a infecção, inflamação, hemorragia ou malignidade, bem como em certos distúrbios hematológicos (como leucemia mieloide crônica, trombocitemia essencial e policitemia vera)
Evidências de infecção parasitária (por exemplo, presença de microfilárias).
Deve-se observar que anormalidades citológicas dos eosinófilos podem ser marcantes na eosinofilia reativa, bem como na leucemia eosinofílica, portanto elas geralmente não são úteis para indicar uma provável leucemia eosinofílica.[18]
Se houver suspeita de infecção parasitária:
Amostras de fezes deverão ser examinadas quanto a ovos, cistos e parasitas em três ocasiões separadas. Isso é extremamente útil ao se procurar por evidências de clonorquíase, opistorquíase, esquistossomose, infestação por ancilostomídeos, ascaríase e estrongiloidíase.[19]
A sorologia pode testar estrongiloidíase, esquistossomose (especialmente se houve viagem ou residência na África), filariose (particularmente na África Ocidental), toxocaríase, cisticercose, equinococose, angiostrongiloidíase e gnatostomíase.[20]
O exame de urina é o principal método para detectar Schistosoma haematobium.
O exame de escarro, lavagem broncoalveolar ou endoscopia pode ser necessário para identificar parasitas em alguns cenários clínicos.
A coccidioidomicose deve ser investigada depois de uma viagem à Califórnia ou ao Arizona. Ela pode ser identificada por sorologia, mas é recomendável mais de um teste diagnóstico, pois as evidências atuais não respaldam a realização de um único teste que seja considerado melhor.[21] A radiografia torácica pode mostrar uma pneumonia lobar, e a microscopia e a cultura de escarro podem identificar o organismo. A velocidade de hemossedimentação (VHS) pode estar elevada.[22]
Se houver suspeita de neoplasia maligna:
A realização de testes adicionais será ditada pelo quadro clínico. Leucemias são diagnosticadas com uma combinação de achados no esfregaço, análise da medula óssea e outros testes específicos para tipos e subtipos diferentes.
O diagnóstico de leucemia eosinofílica associada ao rearranjo gênico de PDGFRA ou PDGFRB é importante por causa de sua sensibilidade à terapia com inibidores de tirosina quinase.[23][24] Deve-se observar que em raros pacientes com PDGFRA rearranjado, e em uma proporção significativa de pacientes com PDGFRB rearranjado, não há hipereosinofilia, portanto, uma contagem normal de eosinófilos não pode ser usada para descartar essas doenças.[25]
Medicamentos específicos para o tratamento da leucemia eosinofílica associada ao rearranjo FGFR1 também estão se tornando disponíveis, então esse diagnóstico também pode ser importante.[26]
Um diagnóstico definitivo de linfoma é feito pela biópsia excisional dos linfonodos.
Se o diagnóstico diferencial incluir mastocitose sistêmica ou leucemia eosinofílica crônica, deve-se solicitar a triptase sérica.[17]
Doença cutânea
O pênfigo e o penfigoide bolhoso apresentam achados próprios característicos na biópsia de pele e podem ser identificados por estudos de anticorpos e imunofluorescência. Estudos de imunofluorescência da biópsia de pele ou do soro confirmarão um diagnóstico de penfigoide gestacional.
Doença alérgica/imunologicamente mediada
A aspergilose broncopulmonar alérgica está associada a níveis elevados de IgE. Um teste cutâneo para Aspergillus tipicamente revela uma hipersensibilidade cutânea imediata. A radiografia torácica pode mostrar infiltração pulmonar e uma tomografia computadorizada de alta resolução do tórax mostrará bronquiectasia central e, algumas vezes, broncoceles preenchidas por muco.[27]
Na granulomatose eosinofílica com poliangiite, a radiografia torácica pode mostrar infiltrado reticulonodular, derrame pleural e linfadenopatia. Em radiografias do seio nasal, são comuns achados típicos de sinusite (opacificação dos seios nasais envolvidos, espessamento da mucosa, níveis hidroaéreos ou anormalidades anatômicas). Geralmente, há uma anemia normocítica normocrômica em associação com a eosinofilia, e a VHS e a proteína C-reativa estão elevadas. Os outros achados inespecíficos podem incluir positividade para anticorpos anticitoplasma de neutrófilo, fator antinuclear, fator reumatoide e níveis elevados de imunoglobulinas, principalmente IgE. Uma vasculite necrosante com infiltração de eosinófilos e, algumas vezes, formação de granuloma é observada na biópsia do tecido afetado.[28][29]
A endoscopia digestiva com biópsia é necessária para o diagnóstico de esofagite e gastroenterite eosinofílica.
Eosinofilia acentuada (>1.5 x10⁹/L [>1500/microlitro])
Uma eosinofilia acentuada, particularmente uma eosinofilia >3.0 × 10⁹/L (>3000/microlitro), normalmente sugere:
Infecção parasitária
Hipersensibilidade medicamentosa
Granulomatose eosinofílica com poliangiite
Linfoma de Hodgkin
Leucemia linfoide aguda
Leucemia eosinofílica
Síndrome hipereosinofílica idiopática.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Esfregaço de um paciente com eosinofilia reativa que ocorre como uma resposta à leucemia linfoide aguda. Há 1 célula blástica. Os eosinófilos são citologicamente anormaisDo acervo pessoal de Barbara J. Bain, MBBS, FRACP, FRCPath; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Esfregaço de um paciente com leucemia eosinofílica crônica que resulta de um gene de fusão FIP1L1-PDGFRA. Os eosinófilos são parcialmente degranulados e deles um é hipolobuladoDo acervo pessoal de Barbara J. Bain, MBBS, FRACP, FRCPath; usado com permissão [Citation ends].
Um ponto de corte de 1.5 x 10⁹/L (1500/microlitro) tem sido tradicionalmente considerado como 1 critério para definir a síndrome hipereosinofílica idiopática. Os outros critérios incluem eosinofilia por >6 meses e evidência de danos a órgãos, sem nenhuma outra causa da eosinofilia ser encontrada.[2][24] O mesmo ponto de corte de 1.5 × 10⁹/L (1500/microlitro) foi usado como parte da definição da leucemia eosinofílica crônica.[30][31]
A síndrome hipereosinofílica idiopática não deve ser diagnosticada até que todas as causas identificáveis sejam excluídas. Se a eosinofilia acentuada (por exemplo, ≥1.5 × 10⁹/L [1500/microlitro]) der origem a dano tecidual e causas comuns de eosinofilia forem excluídas, a exclusão de todas as causas raras também será relevante, pois algumas delas oferecem risco de vida e requerem tratamento específico.
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