Abordagem

A primeira etapa essencial na abordagem de uma gestante com dor abdominal é obter uma história detalhada. Também é vital estabelecer a idade gestacional no início da avaliação da paciente, pois a apresentação dos sintomas e sinais pode variar com a idade gestacional, e planejar o parto prematuro, se necessário.

História

O tempo de início, a duração e as outras características da dor devem ser pesquisadas:

  • Local: a dor de início súbito no flanco pode indicar nefrolitíase ou pielonefrite

  • Intensidade e características: leve, moderada ou grave; intermitente, aguda, total ou intensa

  • Radiação: por exemplo, dor abdominal que irradia para as costas pode sugerir colecistite ou pancreatite

  • Localização: por exemplo, dor no quadrante inferior direito pode indicar apendicite, torção ovariana ou gravidez ectópica

  • Aguda ou crônica: devem ser solicitados os relatórios de ultrassonografia prévios.

Exame abdominal

Após os sinais vitais, o exame abdominal inclui a avaliação da altura do fundo uterino, consistência e sensibilidade do útero, posição e encaixe da apresentação e frequência cardíaca fetal.

Para diferenciar entre sensibilidade extra e intrauterina, é útil examinar a paciente na posição de decúbito esquerdo ou direito, deslocando o útero gravídico lateralmente. A localização de alguns órgãos pode variar de acordo com o estágio da gestação, à medida que o útero gravídico cresce. Além disso, a frouxidão da parede abdominal anterior gera sinais como dor à descompressão brusca e rigidez inespecífica. Isso é particularmente evidente em multíparas, em virtude da diminuição no tônus da parede abdominal.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: O local do apêndice muda à medida que a gestação evoluiChamberlain G. ABC of antenatal care: abdominal pain in pregnancy. BMJ. 1991;302:390-1394. Usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@4e749b9d

Exame pélvico

Ao avaliar condições de gestação precoces, como a gravidez ectópica e o aborto espontâneo, é essencial determinar se a dor se origina do útero.

O exame pélvico deve ser precedido pela inserção do espéculo para visualização do cérvix e obtenção de swabs vaginal e cervical, se necessário. A avaliação digital deve focar na presença de dor à mobilização do colo e em uma avaliação cuidadosa dos anexos.

Cardiotocografia (CTG)

Para avaliar o bem-estar fetal, a CTG avalia a presença de contrações e as compara à frequência cardíaca fetal. É importante fazer a diferenciação entre o batimento materno e fetal. Para uma avaliação mais precisa, a velocidade da CTG deve ser apropriada. A sua interpretação deve levar em consideração a frequência de contrações uterinas, a taxa inicial, as acelerações, as desacelerações e a variabilidade. A CTG é essencial em casos de descolamento da placenta e de ruptura uterina. Em pacientes afetadas por traumatismo contuso, o monitoramento fetal deve sempre ser instituído rapidamente, em vez de aguardar que a paciente chegue à área pré-natal.

Exames por imagem

Ultrassonografia

A ultrassonografia abdominal/pélvica é a modalidade de exame de imagem inicial e mais frequentemente usada para a avaliação da dor abdominal na gestação, em grande parte em decorrência da sua segurança.[5][41]​​​ Ela permite a avaliação da vesícula biliar materna, do pâncreas e dos rins, e pode excluir a pancreatite, a pielonefrite, a nefrolitíase e a colelitíase. Geralmente a ultrassonografia abdominal é adequada para o exame de imagem inicial de gestantes com dor no quadrante inferior direito com febre, leucocitose e suspeita de apendicite.[42]

A ultrassonografia do trato urinário superior é indicada em casos de dor abdominal ou dorsalgia durante a gestação. A presença de fluido na ultrassonografia abdominal/pélvica pode ser sugestiva de hemorragia intraperitoneal (por exemplo, ruptura esplênica). Em pacientes potencialmente instáveis hemodinamicamente, o exame deve ser realizado imediatamente. A ultrassonografia ainda é o método principal de avaliação da idade gestacional, da atividade cardíaca fetal, da atividade fetal e do volume do líquido amniótico.

A ultrassonografia transvaginal é considerada o método de imagem de escolha para pacientes com dor abdominal no início da gestação, incluindo os diagnósticos de aborto espontâneo ou gravidez ectópica.[43] Ela permite uma visualização nítida do embrião com desenvolvimento normal ou com outras anormalidades e é útil para avaliar o útero e as estruturas extrauterinas. Muitas causas de dor abdominal podem ser descartadas com a ultrassonografia transvaginal, como torção ovariana, cistos ovarianos e miomas degenerativos.

Radiografia abdominal

Pode ser uma ferramenta diagnóstica necessária em alguns casos raros (por exemplo, na obstrução intestinal e na nefrolitíase). As preocupações sobre a exposição do feto à radiação devem ser consideradas em relação à morbidade e mortalidade possivelmente resultantes de um diagnóstico demorado ou errado.

Tomografia computadorizada (TC) do abdome

Pode ser indicada em casos de pancreatite necrótica grave ou se o diagnóstico de apendicite ou ruptura esplênica não estiver claro.[42]​ Assim como na radiografia simples, essas técnicas de imagem devem ser consideradas somente se o risco de morbidade e mortalidade materna superar o risco da exposição fetal à radiação. Essa abordagem cuidadosa levou ao desenvolvimento de diretrizes para dar suporte aos médicos na avaliação dos riscos e benefícios, os quais devem sempre ser considerados e discutidos com as pacientes antes da implementação.​[44]

Ressonância nuclear magnética (RNM)

A RNM é preferível à TC na gestação.[45]​ A RNM é cara e demorada, podendo ser desconfortável para as gestantes. Ela pode ser útil na definição das características específicas de uma massa anexial, ou no auxílio de um diagnóstico de nefrolitíase. A RNM do abdome e da pelve sem contraste é uma alternativa adequada à ultrassonografia abdominal para o exame de imagem inicial de gestantes com dor no quadrante inferior direito com febre, leucocitose e suspeita de apendicite.[42] A RNM tem sensibilidade de 91.8% e especificidade de 97.9% para o diagnóstico de apendicite aguda nas gestantes com suspeita clínica de apendicite.[23]

Os possíveis riscos e benefícios devem ser avaliados antes de realizar um estudo de RNM durante a gestação.[46] Considere consultar um radiologista antes de realizar a RNM no primeiro trimestre. O agente de contraste à base de gadolínio deve ser evitado durante a gestação e administrado apenas se for essencial, quando o possível benefício para a paciente ou o feto superar claramente o possível risco de exposição fetal.[44][47]​​[48]

Investigações laboratoriais

Início da gestação

  • O beta-hCG sérico deve ser o exame inicial solicitado a todas as pacientes que sentem dor abdominal com gestação <20 semanas. Isso, juntamente com o uso da ultrassonografia transvaginal, confirma ou descarta a presença de gestação intrauterina. O hemograma completo deve ser incluído na investigação inicial, especialmente a estimativa de hemoglobina (Hb), plaquetas e hematócrito (se houver sangramento vaginal). A tipagem e o rastreamento são necessários na presença de sangramento vaginal (pois pode ocorrer com gravidez ectópica, aborto espontâneo, ruptura uterina ou descolamento da placenta) ou se houver preocupação relacionada à possibilidade de sangramento intra-abdominal/intraperitoneal (por exemplo, ruptura esplênica). Se houver suspeita de síndrome da hiperestimulação ovariana (SHEO), os exames adicionais indicados incluem painel de eletrólitos, testes de função hepática (TFHs) e coagulograma completo.

Final da gestação

  • O hemograma completo (especialmente a estimativa de Hb, plaquetas e hematócrito) é a investigação inicial para todas as pacientes que se apresentam com dor abdominal com mais de 20 semanas de gestação. A tipagem e o rastreamento também são recomendados para todos os pacientes que se apresentam neste estágio, bem como um painel de eletrólitos séricos e testes da função hepática (anormalidades encontradas na esteatose hepática aguda da gestação; e hemólise, enzimas hepáticas elevadas e plaquetopenia [síndrome HELLP]). Um coagulograma completo é indicado, já que podem ocorrer anormalidades de coagulação no descolamento da placenta, ruptura uterina e síndrome HELLP.

A urinálise (macroscópica e microscópica) deve ser incluída nas investigações iniciais para todas as pacientes gestantes com dor abdominal durante a gestação. Além de ser útil para avaliar a presença de anormalidades do trato urinário, a detecção de proteína na urina alerta o médico sobre a possibilidade de uma doença subjacente grave, como a síndrome HELLP.

A interpretação de todos esses resultados deve considerar os efeitos das alterações fisiológicas na gestação. Portanto, vale a pena considerar a modificação de alguns parâmetros laboratoriais pela hemodiluição provocada por um aumento no volume do plasma. Os TFHs são afetados, sendo que o limite superior dos valores normais é reduzido na maioria dos casos; entretanto, essa alteração não se aplica à fosfatase alcalina sérica, que aumenta regularmente em toda a gestação.[49] Em relação ao hemograma completo e ao nível de hemoglobina, um ponto de corte de <110 g/L (<11 g/dL) é geralmente empregado para diagnosticar anemia pré-natal.[50] Além disso, uma definição de trombocitopenia gestacional pode ser usada pra descrever gestantes saudáveis com uma contagem de plaquetas >115 x 10⁹/L (>115,000/microlitro) no terceiro trimestre; esse limite pode ser considerado seguro e não necessita de investigação adicional.[51] Outra característica bem conhecida de uma gestação normal é a leucocitose, que tem um papel fundamental na proteção do feto contra infecções ascendentes.[52]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal