Etiologia

As causas obstétricas podem ser divididas pela presença no início ou no final da gestação. As condições que duram por toda a gestação foram categorizadas de acordo com o sistema anatômico. Para simplificar, foram incluídas somente as condições que ocorrem mais comumente antes do parto (antes de o trabalho de parto começar), em vez das presentes durante ou pós-parto.

Início da gestação

Gravidez ectópica

  • Geralmente diagnosticada no primeiro trimestre, a maioria afeta as tubas uterinas[4]

  • Fortemente associada a condições que danificam as tubas uterinas, como doença inflamatória pélvica (DIP), gravidez ectópica prévia e cirurgia tubária prévia

  • Também associada às usuárias de dispositivo intrauterino (DIU) e a mulheres que engravidaram por meio de tecnologias reprodutivas assistidas.

Aborto espontâneo

  • Geralmente ocorre antes da 12ª semana, com aproximadamente 50% de todos os casos de perda gestacional precoce em decorrência de anormalidades cromossômicas fetais.[5][6][7][8]​​​

  • Outras causas incluem a gestação múltipla, a patologia uterina (por exemplo, miomas) os medicamentos citotóxicos, a radiação e as condições sistêmicas (por exemplo, síndrome antifosfolípide).

Síndrome da hiperestimulação ovariana (SHEO)

  • Pelo menos 2% das gestações em países industrializados são consequências de técnicas avançadas para tratamento de infertilidade, como a fertilização in vitro

  • É a complicação iatrogênica com maior risco de vida, ocorrendo em 2% das mulheres que se submetem à estimulação por gonadotrofina

  • O risco é maior em mulheres jovens com síndrome do ovário policístico ou índice de massa corporal (IMC) baixo

  • Forma grave (0.2%) caracterizada pelos ovários aumentados, ascite, aumento da viscosidade sanguínea e disfunção renal ou hepática.[9]

Final da gestação

Trabalho de parto prematuro

  • Pode ser desencadeado por nefrolitíase, infecções do trato urinário (ITUs, especialmente a pielonefrite), síndrome de hemólise, enzimas hepáticas elevadas e plaquetopenia (HELLP), descolamento da placenta (envolvida em 10% dos partos prematuros), corioamnionite e apendicite[10]

  • A cistite aguda pode irritar o segmento uterino e desencadear as contrações uterinas

  • Ocorre mais provavelmente pelo manejo não cirúrgico da colecistite, em comparação com às que se submetem à colecistectomia.[11]

Corioamnionite

  • Complica de 1% a 5% das gestações a termo e é observada em cerca de 25% dos partos prematuros[12]

  • Os micro-organismos associados incluem Ureaplasma urealyticum, Mycoplasma hominis, Gardnerella vaginalis, Peptostreptococcus e espécies de Bacteroides

  • Risco aumentado após a biópsia da vilosidade coriônica (BVC) e a amniocentese.

Ruptura uterina

  • Alto risco em pacientes que apresentaram cirurgia uterina prévia (por exemplo, miomectomia).[13]

Descolamento da placenta

  • Os fatores de risco incluem a idade materna ≥35 anos, gestação gemelar, tabagismo, cocaína e uso de outras drogas, várias gestações, hipertensão crônica, pré-eclâmpsia grave a leve, ruptura prematura de membranas, oligoidrâmnios e corioamnionite.[14]

Síndrome de hemólise, enzimas hepáticas elevadas e plaquetopenia (HELLP)

  • Caracterizada por anemia hemolítica, enzimas hepáticas elevadas e trombocitopenia

  • Em decorrência da sua natureza progressiva, ela pode ser considerada uma variação da pré-eclâmpsia.[15]

Esteatose hepática aguda da gravidez

  • Condição rara, mas com risco de vida, caracterizada pela infiltração gordurosa microvesicular do fígado

  • Isso ocorre com maior frequência no terceiro trimestre.

Ginecológica

Massas anexiais

  • Encontradas em 8.8% das gestantes e a maioria desaparece no segundo trimestre[16][17]

  • As massas pélvicas devem ser consideradas cancerosas, até que se prove o contrário

  • As massas persistentes (que não desapareceram até o segundo trimestre) apresentam um risco de malignidade e têm uma ocorrência de 2% a 3%, durante a gestação[18]

  • As massas anexiais que provocam dor abdominal (torção, hemorragia e ruptura) se manifestam mais no primeiro trimestre

  • Cerca de 20% das torções anexiais ocorrem durante a gestação e, são comuns no anexo direito, afetando principalmente as adolescentes e as mulheres jovens. As torções são frequentemente associadas a um aumento de peso no anexo, em virtude da presença de massas geralmente >5 cm

  • A ruptura de cisto ovariano é rara e pode ocorrer juntamente com a torção

  • A hemorragia maciça em um cisto ovariano (especialmente um cisto maligno) ocorre raramente e provoca dor similar à da torção

  • A hemorragia também pode ocorrer em um cisto de corpo lúteo. No momento da formação do corpo lúteo, há sempre um pequeno sangramento no folículo que liberou o óvulo. Se o sangramento for excessivo, o corpo lúteo se distende com sangue. O tamanho dos cistos varia de 2.5 a 10 cm.

Miomas

  • Estão presentes em 20% a 30% das mulheres em idade fértil

  • A maior parte do crescimento acontece no início da gestação

  • Provoca dor na gestação, principalmente em decorrência da degeneração vermelha (necrobiose), que ocorre em 5% a 10% das gestações entre 12 e 20 semanas[19]

  • A dor também pode ser resultante da torção de um mioma pediculado ou da impactação do mioma.

Urológica

As condições urológicas na gestação constituem um importante desafio diagnóstico, pois o trato urinário passa por alterações anatômicas e fisiológicas profundas que predispõem as gestantes a um risco elevado para infecções do trato urinário (ITUs) sintomáticas e formação de nefrolitíase. Os ureteres se dilatam já no primeiro trimestre e permanecem distendidos até após o parto. Isso é provocado principalmente em decorrência da compressão exercida pelo útero em crescimento sobre o sistema coletor, acima da linha terminal. Isso leva à congestão vascular do trato urinário superior, com consequente estase urinária. Essas alterações podem facilitar a agregação de cristais na urina e aumentar o risco de infecção ascendente. As condições a seguir podem ocorrer, como consequência:

Infecções do trato urinário (ITUs)

  • Mais frequentemente por Escherichia coli (80% a 90% das ITUs durante a gestação)

  • Outros bastonetes Gram-negativos isolados: Proteus mirabilis, Klebsiella pneumoniae

  • A incidência aumenta de acordo com o status sócio-econômico, o aumento da idade, a atividade sexual e o diabetes mellitus.

Pielonefrite aguda

  • Mais comum durante a segunda metade da gestação, como resultado da maior obstrução ureteral e estase urinária[20]

  • Geralmente, é unilateral e mais comum no rim direito

  • E coli é o organismo predominante.

Nefrolitíase

  • Geralmente ocorre durante o segundo e terceiro trimestres

  • É três vezes mais provável em mulheres multíparas

  • Os cálculos ureterais são mais comuns que as nefrolitíases.[21]

Hidronefrose

  • É uma condição fisiológica comum na gestação e desaparece rapidamente após o parto.[22]

  • Ocorre mais comumente (90%) após a 20ª semana de gestação, sendo mais evidente em primípara

  • A dilatação é observada apenas acima da linha terminal e é mais frequentemente no lado direito

  • A compressão dos ureteres pelo útero (provocando hidronefrose) pode resultar em ataques agudos de dor desencadeados pela obstrução ureteral.

Gastrointestinal

Várias condições gastrointestinais comuns podem complicar a gestação e se manifestar com dor abdominal. Por sua vez, a gestação pode dificultar o diagnóstico dessas condições em virtude das alterações fisiológicas que ocorrem no corpo durante esse período.

Apendicite

  • A apendicite aguda ocorre aproximadamente a uma taxa de 1:1250 a 1:1500[23]

  • Não tem um sintoma, sinal ou achado laboratorial único como diagnóstico para apendicite aguda[24]

  • O diagnóstico é complicado pelas alterações anatômicas na localização do apêndice, à medida que a gestação evolui[25]

  • A avaliação clínica é vital na tomada de decisão quanto à necessidade ou não de manejo cirúrgico.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: O local do apêndice muda à medida que a gestação evoluiChamberlain G. ABC of antenatal care: abdominal pain in pregnancy. BMJ. 1991;302:390-1394. Usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@4ac05d75

Colecistite

  • Causada pela colelitíase em >90% dos casos na gestação[26]

  • O risco de colelitíase é aumentado pelo relaxamento do músculo liso da vesícula biliar induzido pela progesterona (promovendo a estase da bile) e pelos níveis elevados de estrógenos (aumentando a litogenicidade da bile).

Pancreatite

  • A colelitíase e a hipertrigliceridemia podem ser causas comuns na gestação.[27][28][29]

  • Costuma ocorrer no final do terceiro trimestre, possivelmente em decorrência do aumento da pressão intra-abdominal nos dutos biliares.[30]

Obstrução intestinal

  • Incidência aumentando com a maior frequência de cirurgia intra-abdominal, cirurgia pélvica e DIP

  • Mais comumente causada por uma obstrução simples, principalmente como resultado de aderências (60% a 70% dos casos) ou volvo (25%)[2]

  • Raramente provocada por intussuscepção, hérnias e neoplasias.

Traumático

As causas traumáticas de dor abdominal não devem ser descartadas em gestantes. A dor abdominal causada por traumatismo contuso afeta de 6% a 7% das gestações, 0.3% das quais requer admissão.[31] As causas mais comuns são acidentes em estradas, quedas acidentais e abuso físico. A ruptura esplênica pode ser provocada por violência doméstica.[32]

Musculoesquelético

Apesar de incomum, o hematoma da bainha do reto pode ser causa de dor abdominal na gestação. Trauma, obesidade, esforço, tosse, cirurgia abdominal prévia, patologias vasculares, distúrbios de coagulação, endometriose da bainha do reto, síndrome de Cushing e terapia de anticoagulação podem contribuir para a ocorrência dessa condição.[33]

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