Abordagem
A hipernatremia é definida como uma concentração plasmática de sódio >145 mmol/L (145 mEq/L). Os sintomas da hipernatremia são consideravelmente inespecíficos. Os sintomas de doenças passadas ou concomitantes podem indicar a causa provável.
Deve-se realizar um exame físico meticuloso, incluindo avaliação da volemia e do estado mental e avaliação neurológica. Geralmente, os sinais de hipernatremia envolvem manifestações do sistema nervoso central (SNC) e incluem irritabilidade, inquietação, espasmos musculares, espasticidade e hiper-reflexia, que são todos devidos à redução do conteúdo de água no cérebro.[23]
A hipernatremia grave (concentração plasmática de sódio >158 mmol/L [158 mEq/L]) pode apresentar sinais e sintomas graves, como hipertermia, delirium, convulsões e coma. Uma vez estabelecida a presença de hipernatremia, a etiologia subjacente deve ser investigada.
História
Primeiro, considere a idade e a mobilidade do paciente. A falta de acesso à água deve ser considerada para lactentes, pessoas com deficiência, pessoas com comprometimento do estado mental, pacientes em pós-operatório e pacientes intubados. A anamnese deve incluir o seguinte:
Pergunte sobre sintomas de hipernatremia: irritabilidade, sono agitado, letargia, contrações musculares, delirium e convulsão.
Pergunte sobre os sintomas de doença concomitante que pode levar à perda de água. Os sintomas de gastroenterite viral incluem náusea, vômitos e dor abdominal em associação com diarreia. Esses pacientes também podem ter história de contato com pessoas, alimentos ou fluidos infectados. Independentemente da causa, esses pacientes podem perder mais água que sódio, levando à depleção de volume e à hipernatremia. Aumento da temperatura corporal e exposição aos elementos também devem ser considerados. Exposição prolongada ao calor, febre, sudorese excessiva, exercício e queimaduras cutâneas graves resultam em perda de água insensível por evaporação pela pele, podendo causar hipernatremia.
Obtenha a história médica pregressa para identificar comorbidades que possam causar hipernatremia, particularmente diabetes mellitus grave não controlado (pode causar hiperglicemia que por sua vez resulta em glicosúria, hipernatremia e estado hiperosmolar hiperglicêmico), síndrome de Cushing, aldosteronismo primário, doença renal subjacente (por exemplo, doença falciforme, uropatia obstrutiva e nefropatia de refluxo) ou doença de Crohn (pode haver fístulas entéricas subjacentes). Descarte doenças que possam causar má absorção de carboidratos (espru tropical, pancreatite, intolerância à lactose e história de cirurgia intestinal). Uma história de lesão cerebral traumática ou outro irritante cerebral (síndromes vasculares, tumores, infecções ou neurocirurgia agressiva para craniofaringioma, cisto da fenda de Rathke ou outro tumor hipotalâmico) pode ser sugestiva de diabetes insípido central. Em ocasiões raras, a presença de um tumor cerebral ou oclusão vascular no cérebro pode causar hipodipsia primária, que se apresenta com depleção de volume hipernatrêmica.
É importante colher a história medicamentosa completa. Medicamentos como colchicina, gentamicina, lítio, rifampicina e propoxifeno podem induzir ao diabetes insípido nefrogênico. Diuréticos de alça (por exemplo, furosemida e torasemida) e manitol intravenoso podem causar diurese osmótica que resulta em hipernatremia.[15] Caso haja história de evacuação diarreica ou fezes soltas, o paciente deve ser questionado sobre o uso de laxantes ou agentes de limpeza intestinal (por exemplo, lactulose ou sorbitol).
Causas iatrogênicas podem ser uma possibilidade em pacientes sendo tratados no hospital. Elas incluem a administração inadvertida de cloreto de sódio hipertônico ou de bicarbonato de sódio, ou mesmo o uso de solução salina isotônica em pacientes com diurese osmótica.
Faça uma história alimentar. A amamentação inadequada sem suplementação pode causar hipernatremia grave com potencial risco de vida ao lactente.[16] A substituição do açúcar por sal na fórmula infantil (acidental ou intencional) também pode resultar em hipernatremia.[17] Dietas com alto teor proteico, incluindo a alimentação por sonda, ocasionam aumento da produção de ureia e, consequentemente, diurese osmótica, aumentando o risco de hipernatremia. Além disso, considere a ingestão de gargarejos ou agentes eméticos altamente concentrados (por exemplo, sais de Epsom).
Exame físico
A etiologia é mais facilmente identificada tendo em consideração a volemia do paciente. No entanto, é importante observar que a volemia extracelular é mais bem preservada com a hipernatremia, à custa de uma maior depleção intracelular de água, e o exame físico pode, portanto, subestimar o deficit total de fluido.
Hipernatremia hipovolêmica
Inclui perdas renais e não renais. Em pacientes com sinais de depleção de volume (membranas mucosas ressecadas, turgor cutâneo diminuído, olhos encovados, irritabilidade, taquicardia, hipotensão ou hipotensão postural, débito urinário reduzido e perda de peso), diarreia grave, vômitos e queimaduras graves devem ser descartados. A medição da temperatura é essencial, pois a causa pode ser febre. A possibilidade de uma fístula entérica também deve ser levada em conta. Pacientes com estado hiperosmolar hiperglicêmico (EHH) tipicamente apresentem sinais de depleção de volume grave e podem ter estupor ou coma.[12] Em muitos casos, as características clínicas do EHH e a hipernatremia se sobrepõem, sendo observadas simultaneamente.
Hipernatremia hipervolêmica
Esses pacientes podem apresentar sinais de sobrecarga de volume, incluindo ganho de peso, edema periférico, hipertensão, tosse irritativa, dispneia, distensão da veia jugular e crepitações na ausculta. A hipernatremia hipervolêmica deve-se, em geral, à ingestão de sódio e ao excesso de mineralocorticoides.[6] Portanto, devem-se procurar sinais de síndrome de Cushing, bem como de aldosteronismo primário.
Síndrome de Cushing: fácies de lua cheia, pletora facial, adiposidades supraclaviculares e/ou dorsocervicais, coxim gorduroso, obesidade troncular, estrias roxas, fraqueza muscular proximal, hirsutismo, retardo de crescimento (crianças), hipertensão.
Aldosteronismo primário: hipertensão, fraqueza muscular proximal.
Hipernatremia euvolêmica
Sinais de depleção de volume e ausência de sobrecarga. Diabetes insípido nefrogênico ou diabetes insípido central costumam ser a causa subjacente. Um paciente com diabetes insípido central pode ter sinais de trauma recente, cirurgia da hipófise ou encefalopatia hipóxica ou isquêmica.
Os sinais de hipernatremia incluem contrações musculares, espasticidade, hiper-reflexia, hipertermia, delirium, convulsão e coma.
Investigações laboratoriais iniciais
Uma concentração plasmática de sódio >145 mmol/L (145 mEq/L) confirma a presença de hipernatremia.
A osmolalidade da urina pode ajudar a determinar a etiologia subjacente. Uma resposta renal normal à hipernatremia é a excreção de uma quantidade mínima de urina em concentração máxima (osmolalidade >800 mmol/kg [800 mOsm/kg]). Geralmente, observa-se urina hipertônica com perdas extrarrenais de fluidos, como nos casos de vômitos, diarreia, queimaduras e sudorese excessiva. A urina isotônica pode ser observada no uso de diuréticos, na diurese osmótica e na perda de sal. A urina hipotônica associada à poliúria é observada no diabetes insípido (nefrogênico ou central).
Um perfil metabólico, incluindo glicose sérica, potássio, cloreto, ureia e creatinina, também deve ser parte da investigação inicial para descartar anormalidades eletrolíticas associadas e insuficiência renal. Além disso, um hemograma completo deve ser considerado como investigação inicial em casos de queimaduras cutâneas graves, a fim de descartar sepse, e uma gasometria arterial pode ser necessária em pacientes com vômitos prolongados ou hipernatremia por amamentação para descartar algum distúrbio ácido-básico associado.
Investigações laboratoriais específicas
Para pacientes com diarreia grave, estudos de fezes (leucócitos fecais, pH fecal, substâncias redutoras/açúcar nas fezes) podem ser úteis na determinação da origem da etiologia, que pode ser de origem infecciosa ou ser consequência da má absorção de carboidratos. O gap iônico nas fezes ajuda a distinguir entre a presença de diarreia osmótica ou secretora; tipicamente, a diarreia secretora não produz hipernatremia.
O diabetes insípido geralmente pode ser confirmado com base na hipernatremia hipertônica e no aumento do débito urinário hipotônico (>3 L/24 horas), com aumento de ingestão de líquidos proporcional à sede. Casos mais sutis ou parciais podem precisar de confirmação por investigação eletiva em uma unidade especialista através de teste de privação de água. Os níveis de arginina-vasopressina (AVP) plasmática podem não distinguir prontamente o diabetes insípido central do diabetes insípido nefrogênico; antecedentes médicos irão indicar tipicamente qual dos dois, o diabetes insípido central ou o diabetes insípido nefrogênico, é o mais provável, sendo que a confirmação surge com a resposta (ou falta dela) a um teste de estimulação da AVP (desmopressina).
Se a história ou os achados do exame físico sugerirem aldosteronismo primário, um nível anormalmente baixo de atividade de renina plasmática (ARP) e um nível anormalmente alto de concentração plasmática de aldosterona (CPA), resultando em razão CPA:ARP elevada, embasarão esse diagnóstico. A especificidade diagnóstica pode ser melhorada garantindo reposição dos níveis de potássio do paciente e, quando possível, suspendendo temporariamente medicamentos como diuréticos, betabloqueadores, inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e antagonistas do receptor de angiotensina-II com algumas semanas de antecedência. A confirmação do diagnóstico pode requerer um exame de supressão de aldosterona. Pode-se considerar uma medição de potássio na urina de 24 horas caso a atividade de renina plasmática e a concentração plasmática de aldosterona estejam normais ou se houver suspeita clínica de vômitos sub-reptícios ou de abuso de laxantes.
Osmolalidade sérica >320 mmol/kg (320 mOsm/kg), junto com glicose plasmática >33.3 mmol/L (600 mg/dL) em um paciente com estado mental alterado, é altamente sugestiva de estado hiperosmolar hiperglicêmico (EHH). Também se observa uma osmolalidade sérica muito elevada em casos de hipodipsia primária.
Em caso de suspeita de síndrome de Cushing, o diagnóstico pode ser confirmado por uma medição do cortisol livre na urina de 24 horas, pelo teste de supressão com dexametasona em baixa dose (ou noturna) e pelos níveis à meia-noite de cortisol salivar ou sérico.[24][25]
Exames de imagem
Uma tomografia computadorizada (TC) ou uma ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálicas podem revelar uma causa central da hipernatremia, sendo realizados em todos os pacientes com hipernatremia grave e sem etiologias ocultas.[21] Se um diagnóstico de diabetes insipidus central for feito em testes laboratoriais, uma ressonância magnética do cérebro precisa ser realizada para procurar lesões estruturais.[14] Além disso, imagens cerebrais ajudam a descartar hemorragia intracraniana causada por tração das veias emissárias durais e dos seios durais resultante de encolhimento cerebral. A trombose dos seios durais pode ocorrer pela hemoconcentração da perda de água corporal total e também pode ser detectada com uma TC ou uma RNM cranioencefálica.[26] TCs ou RNMs das glândulas adrenais podem revelar uma lesão por massa adrenal subjacente em pacientes com suspeita de aldosteronismo primário.
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