Etiologia

Distúrbios do sono

  • Insônia: este é o distúrbio do sono mais comum, com uma prevalência de cerca de 19% na população em geral.[24] O DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição) define o distúrbio de insônia como uma insatisfação com a quantidade e/ou qualidade de sono que causa sofrimento ou prejuízo significativo e que está associada à dificuldade de iniciar, manter e/ou voltar ao sono (ou seja, acordar muito cedo) em ao menos 3 noites por semana, por ao menos 3 meses e apesar de haver oportunidade adequada para dormir.[25] A maioria dos pacientes com insônia não necessariamente relata distúrbios do sono, mas sim sintomas secundários, como fadiga. O distúrbio de insônia pode estar associado a uma causa subjacente como:

    • Uso de estimulantes, como a cafeína, nicotina, álcool, quinina e tabaco

    • Distúrbios respiratórios do sono

    • Distúrbio dos movimentos periódicos dos membros/síndrome das pernas inquietas

    • Ataques de pânico ou pesadelos recorrentes durante o sono

    • Transtorno do estresse pós-traumático

    • Transtornos psiquiátricos

    • Distúrbios da fase do sono: trabalho em turnos, descompensação horária (jet lag)

    • Condições médicas concomitantes ou seu tratamento, incluindo qualquer tipo de dor, e de intoxicação por medicamentos ou interrupção de medicamentos

    • Prescrição de medicamentos: betabloqueadores, teofilina, estimulantes, descongestionantes, corticosteroides, hormônios tireoidianos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina, inibidores da monoaminoxidase, ticagrelor e fenitoína.

  • Síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS): os pacientes com SAHOS têm um sono não restaurador, o que leva a fadiga física e mental.[26]

  • Síndrome da hipoventilação na obesidade (SHO): os pacientes com SHO têm um IMC ≥classe 1 (≥30 kg/m²) e características de SAHOS (incluindo fadiga) ou características de hipoventilação noturna, como cefaleias ao acordar, edema periférico, hipoxemia (saturação de oxigênio no sangue arterial inferior a 94% no ar) e policitemia inexplicada.[26]

  • Síndrome das pernas inquietas (SPI): está associada a sintomas de fadiga. O comprometimento da qualidade subjetiva do sono depende da gravidade da SPI.[27] Entre os idosos, a gravidade dos sintomas da SPI afeta tanto a qualidade do sono quanto a qualidade de vida, incluindo o funcionamento diário, o funcionamento social, o bem-estar geral e a experiência emocional.[28]

Transtornos psiquiátricos e psicossociais

  • Depressão: estudos realizados na comunidade e em ambientes de atenção primária de saúde têm mostrado uma forte associação da fadiga crônica inexplicada com transtornos psiquiátricos em geral, principalmente a depressão.[4][9][12][29] No entanto, essa relação não é clara, uma vez que a fadiga pode ser causa ou resultado da depressão. Em uma tentativa de esclarecer isso, um estudo analisou as variáveis ​​psicossociais e a fadiga crônica inexplicável através de estudos na comunidade, no Reino Unido.[5] Observou-se uma maior prevalência da fadiga crônica inexplicável em pessoas com morbidade psiquiátrica. Esta prevalência pareceu aumentar com o aumento da gravidade da doença psiquiátrica.

  • Além de transtornos de depressão, ansiedade e somatização, os fatores de estressores psicossociais também podem estar associados à fadiga.

Distúrbios hematológicos

  • A fadiga é um sintoma básico de anemia independentemente da causa. Verificou-se que, mesmo na ausência de anemia, os níveis de ferritina em mulheres menstruadas é relevante para identificar pacientes propensos a responder à suplementação com ferro. Mulheres sem anemia, mas com um nível de ferritina <112 picomoles/L (<50 nanogramas/mL), relatam redução da fadiga quando são administrados suplementos de ferro.[16][17][30][31]

  • Leucemia mieloide crônica, síndrome mielodisplásica e linfoma apresentam-se com fadiga, além de outros sintomas.

  • A intoxicação por metais pesados pode causar fadiga, embora só muito raramente. É necessário conhecer a história ocupacional. Entre os fatores de risco para intoxicação por chumbo estão produção de baterias, produção artesanal de vidro e uso de tintas domésticas muito velhas ou medicamentos ayurvédicos. Entre os fatores de risco para intoxicação por mercúrio estão a ingestão de peixe e o uso de obturações de amálgama. Em um estudo, a fadiga foi um dos sintomas mais comuns em pacientes com níveis elevados de cobalto e cromo após artroplastia de quadril metal-metal.

Doenças cardiovasculares

  • Os principais sintomas que limitam o exercício em pacientes com insuficiência cardíaca são fadiga e/ou dispneia. A fadiga demonstrou ser o principal sintoma de apresentação em 10% a 20% dos novos casos de insuficiência cardíaca.[32][33]

  • Estudos mostraram que, em mulheres com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, 71% experimentaram fadiga incomum como um sintoma prodrômico, e 43% experimentaram fadiga como um sintoma agudo, ao passo que apenas 57% sofreram dor torácica.[34][35]

  • Em geral, as mulheres são mais propensas que os homens a ter apresentação tardia e a desenvolver angina instável com maior frequência sem supradesnivelamento do segmento ST nem dor torácica.[36][37]

  • Além de insuficiência cardíaca e isquemia miocárdica aguda, a fibrilação atrial também pode apresentar fadiga, juntamente com outros sintomas.

Endocrinopatias

  • Hipotireoidismo: em um grande estudo transversal, observou-se que a associação entre fadiga e hipotireoidismo foi apenas marginalmente significante. Além disso, o sintoma de fadiga possui uma sensibilidade muito baixa (16%) para o diagnóstico de hipotireoidismo. Portanto, não relatar um sintoma específico, como a fadiga, não descarta a doença tireoidiana.[38] Estudos randomizados adicionais são necessários para avaliar o efeito da terapia de reposição da tireoide sobre os sintomas de fadiga em pessoas com hipotireoidismo subclínico (hormônio estimulante da tireoide [TSH] discretamente elevado com níveis normais dos hormônios tireoidianos livres), que afeta até 10% da população adulta.[39]

  • Diabetes mellitus: a fadiga é vista como uma apresentação comum de diabetes mellitus tipo 1, bem como do tipo 2. No entanto, dados sobre a frequência de fadiga em pacientes com diabetes são muito escassos. Em um dos poucos estudos realizados, a fadiga em crianças com diabetes foi avaliada. A fadiga foi observada em 52% das crianças com diabetes do tipo 1 com menos de 15 anos de idade e foi o primeiro sintoma observado em 7% dos casos.[40]

  • A fadiga pode ser um sintoma significativo (embora nem sempre um sintoma de apresentação) de outras endocrinopatias mais raras, como doença de Addison, deficiência de vitamina D (osteomalacia), hipopituitarismo, acromegalia, deficiência do hormônio do crescimento, hipertireoidismo, síndrome de Cushing e diabetes insípido.[41][42][43]

Doença infecciosa

  • Vírus Epstein-Barr (EBV): a fadiga foi tipicamente associada com a mononucleose infecciosa associada ao vírus EBV. A acurácia diagnóstica dos sintomas foi avaliada em um estudo de pacientes com idade ≥16 anos apresentando faringite. A presença de fadiga tinha uma sensibilidade de 93%, especificidade de 23% e uma razão de probabilidade negativa de 0.30, o que conduziu à conclusão de que, como um sintoma de mononucleose infecciosa, a ausência de fadiga é útil para excluir o diagnóstico.[44]

  • Infecção por HIV: a fadiga é a queixa mais frequente e debilitante que afeta as pessoas com HIV.[45] Pacientes HIV-positivos com idade >35 anos de idade relataram níveis de fadiga significativamente mais elevados que os pacientes HIV-positivos mais jovens.[45] As causas da fadiga no HIV são múltiplas. A anemia é a anormalidade hematológica mais comum. Além disso, o hipotireoidismo, a deficiência de cortisol e a depressão são causas frequentes de fadiga que devem ser excluídas.

  • COVID longa: descreve os sinais e sintomas que continuam ou se desenvolvem após a infecção aguda pelo coronavírus 2 (SARS-CoV-2). A fadiga é uma manifestação importante da COVID longa.[46][47]

  • Doença de Lyme: um estudo prospectivo mostrou que a fadiga estava presente em mais da metade dos pacientes com doença de Lyme precoce confirmada, e que a queixa de fadiga foi mais frequente que artralgia, mialgia ou cefaleia.[48] A doença de Lyme também pode causar a síndrome pós-tratamento da doença de Lyme (dor musculoesquelética, fadiga e dificuldades cognitivas), que pode durar anos apesar do tratamento com antibióticos.[49] A antibioticoterapia prolongada não é útil.[50]

  • Citomegalovírus, toxoplasmose, febre Q, brucelose e tuberculose podem apresentar fadiga. Embora as infecções por vírus Coxsackie B, Chlamydia, e Mycoplasma também possam causar fadiga, geralmente não são a principal queixa.

  • Vírus da gripe (influenza), que afeta o trato respiratório superior e inferior. Febre, cefaleia, mialgia e fadiga estão frequentemente associadas aos sintomas respiratórios superiores, como faringite e sintomas do trato respiratório inferior de tosse.[51]

Drogas, medicamentos e toxinas

  • Drogas, tanto recreacionais como medicinais, são causas comuns de fadiga. Assim, quando um paciente apresenta história de fadiga, deve ser realizada uma avaliação cuidadosa dos medicamentos, tanto prescritos quanto de venda livre, e o uso de drogas recreativas deve ser investigado.

  • Os medicamentos mais frequentemente associados à fadiga incluem anti-histamínicos, anti-hipertensivos, antiarrítmicos, antidepressivos, antieméticos, antiepilépticos, corticosteroides, diuréticos e agentes neurolépticos. O ticagrelor, que, sabidamente, causa dispneia, também foi associado a relatos de apneia central do sono (causando fadiga).[52]

  • O abuso de álcool crônico também pode resultar em fadiga, e não deve ser menosprezado.

  • A intoxicação por metais pesados pode causar fadiga, embora só muito raramente. É necessário conhecer a história ocupacional. Entre os fatores de risco para intoxicação por chumbo estão produção de baterias, produção artesanal de vidro e uso de tintas domésticas muito velhas ou medicamentos ayurvédicos. Entre os fatores de risco para intoxicação por mercúrio estão a ingestão de peixe e o uso de obturações de amálgama.[53] Em um estudo, a fadiga foi um dos sintomas mais comuns em pacientes com níveis elevados de cobalto e cromo após uma artroplastia de quadril metal-metal.[54]

Doença pulmonar

  • A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) está frequentemente associada a sintomas de fadiga.[55] Além de dispneia, a fadiga contribui para uma redução da qualidade de vida e diminuição da tolerância ao exercício.[56][57] Assim, a fadiga é um sintoma a ser investigado e manejado em todos os pacientes com DPOC.[55]

  • As outras doenças pulmonares que podem estar associadas a fadiga incluem a sarcoidose, a asma, a hipertensão pulmonar, doenças pleurais e pneumonite.[58][59][60]​​ No entanto, a presença de sintomas mais específicos geralmente aponta para o diagnóstico.

Distúrbios gastrointestinais

  • Doença celíaca: a doença celíaca, geralmente na infância, apresenta-se com esteatorreia, perda de peso e retardo do crescimento pôndero-estatural. No entanto, apenas um terço dos adultos com a doença relatam essas queixas. O sintoma de apresentação mais frequente em adultos com doença celíaca é a fadiga, enfatizando o fato de que sua apresentação nesse grupo é muitas vezes atípica.[61][62]

  • Doença hepática crônica: a fadiga tem sido reconhecida como uma queixa de pacientes com doença hepática crônica, incluindo doença hepática viral e colestática. Um estudo mostrou que a intensidade da fadiga foi maior nos pacientes que sofriam de cirrose biliar primária (CBP) em comparação com pacientes saudáveis pareados por idade e gênero.[63] A pontuação de impacto da fadiga foi significativamente maior (pior) no grupo de pacientes com CBP, em comparação com os controles. Não foi observada uma diferença entre a pontuação de fadiga nos pacientes com CBP com 5 na pontuação de Child-Pugh e aqueles com pontuação de Child-Pugh >5.[63] Em pacientes com infecções crônicas por vírus das hepatites B e C, a pontuação do Short Form-36 (SF-36), um questionário que permite a avaliação da qualidade de vida do paciente, foi substancialmente reduzida nos itens relativos à energia e fadiga, em comparação com o resultado de uma população-controle.[64][65]

  • Doença inflamatória intestinal (DII): a patogênese da fadiga é entendida apenas parcialmente.[66] Ela pode ser causada por desnutrição, perda de peso e inflamação.

  • Síndrome do intestino irritável (SII): a fadiga é uma queixa frequente na SII e está relacionada ao sexo feminino e idade mais jovem.[67]

Doenças renais

  • A fadiga e a falta de energia são os problemas mais importantes que reduzem a qualidade de vida de pacientes em hemodiálise.[68] Os pacientes com insuficiência renal são propensos a anemia, desnutrição causada pela uremia e perda de apetite. Além disso, esses pacientes geralmente estão sujeitos a restrições alimentares. Todos esses fatores contribuem para o desenvolvimento da fadiga.[69]

Distúrbios neurológicos

  • Doença de Parkinson: cerca de 40% dos pacientes com doença de Parkinson relatam fadiga entre os seus principais sintomas, permanecendo mesmo depois de ajustada à presença de depressão, demência e perturbações do sono.[70][71][72]

  • AVC: investigações demonstraram que dois terços dos pacientes relataram fadiga após sofrer um AVC e 40% consideraram a fadiga uma das piores sequelas, com duração de pelo menos 3 anos em alguns pacientes. Um estudo piloto sugere que a fadiga está correlacionada com a localização das lesões cerebrais, com uma frequência maior em lesões do tronco encefálico.[73] Uma metanálise de 24 estudos (n=2102) mostrou que os fatores associados à fadiga pós-AVC incluem sexo feminino, sintomas de depressão, tempo maior desde o AVC e maior incapacidade.[74]

  • Esclerose múltipla: a fadiga foi considerada o sintoma mais incapacitante em pacientes que sofrem de esclerose múltipla. Um estudo demonstrou uma correlação entre a presença e a gravidade da fadiga e a localização de lesões no cérebro. A gravidade da fadiga foi significativamente maior em pacientes com lesões do lobo parietal, da cápsula interna ou do trígono ventricular.[70][75][76][77]

  • A fadiga também é considerada uma característica comum e muitas vezes debilitante da esclerose lateral amiotrófica, miastenia gravis, distonia, e miopatia.[70] No entanto, essas condições geralmente apresentam sintomas mais específicos que a fadiga.

Doenças reumáticas

  • Metade dos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico relatam a fadiga como seu sintoma mais incapacitante.[78] Variáveis ​​psicossociais parecem estar fortemente relacionadas à fadiga nesses pacientes.[79]

  • Outras etiologias reumatológicas incluem fibromialgia e artrite reumatoide (embora a artrite reumatoide geralmente não apresente fadiga).[80]

Câncer

  • A fadiga é o sintoma não aliviável mais comum do câncer.[81][82] Um diagnóstico específico tem sido proposto para a fadiga relacionada ao câncer, a qual é definida como a diminuição da energia e da capacidade mental, bem como o aumento da necessidade de repouso, que é desproporcional a qualquer alteração recente no nível de atividade e é evidente em quase todos os dias, durante um período de 2 semanas, no mês anterior.[83] As causas da fadiga relacionada ao câncer são múltiplas e incluem caquexia, perda de peso, anemia, aumento de citocinas e fatores psicológicos, especialmente a depressão.[84]

Causas idiopáticas

  • A síndrome da fadiga crônica (também conhecida como encefalomielite miálgica [ME]) foi definida pelos critérios de 1994 dos Centros de Controle de Doenças dos EUA (os critérios de "Fukuda") como fadiga clinicamente avaliada, inexplicada, persistente e recidivante com duração de, pelo menos, 6 meses, acrescida de 4 ou mais sintomas associados e especificamente definidos, entre os quais estão incluídos comprometimento da memória, mialgia, artralgia, cefaleias, sono não reparador e mal-estar pós-esforço (com duração de >24 horas).[18] Mais recentemente, o Institute of Medicine dos EUA propôs o termo "doença sistêmica de intolerância ao esforço" (DSIE) como uma alternativa para a síndrome da fadiga crônica.[23] A DSIE é classificada como fadiga profunda de início recente ou definido que reduz ou afeta a capacidade de participar de atividades pré-enfermidade; dura >6 meses; não é resultado de esforço físico excessivo contínuo; não é aliviada com repouso; é acompanhada de mal-estar pós-esforço e sono não reparador; e ocorre com comprometimento cognitivo ou intolerância ortostática.[23]​ O National Institutes of Health and Care Excellence do Reino Unido afirma que não existem exames diagnósticos ou definição universalmente aceita para a EM/SFC.[85]

  • A etiologia da síndrome da fadiga crônica (encefalomielite miálgica) permanece desconhecida. Causas neuroendócrinas, neuroinflamatórias, genéticas, imunológicas, psicológicas, metabólicas e infecciosas foram investigadas como fatores desencadeantes iniciais.[86][87][88]​ Nenhuma infecção crônica ativa viral, por príon ou outra infecção foi encontrada na grande maioria dos pacientes com EM/SFC.[89]

  • A fadiga crônica idiopática é definida como fadiga crônica inexplicada clinicamente avaliada sem causa clínica óbvia que não atende aos critérios para a síndrome da fadiga crônica.[18]

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