Abordagem

A abordagem ao paciente com hiponatremia envolve a combinação de avaliação clínica e de mensurações das osmolalidades sérica e urinária de sódio. A causa é frequentemente aparente a partir da anamnese e do exame físico, mas outras condições podem ser diagnosticadas apenas através de investigações específicas. As causas mais comuns de hiponatremia euvolêmica são medicamentos e a síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIHAD).[25][26]​​​ A SIHAD é um diagnóstico de exclusão, caracterizada por um quadro clínico euvolêmico com baixo débito urinário e osmolalidade urinária aumentada. Por outro lado, a síndrome cerebral perdedora de sal produz um quadro clínico hipovolêmico, com um alto débito urinário e uma osmolalidade urinária normal ou baixa. Entretanto, não existem limiares claramente definidos e há controvérsias sobre se a distinção entre essas 2 condições é possível ou significativa.

Uma queda rápida nos níveis séricos de sódio em 24-48 horas pode levar a edema cerebral grave e sintomas do sistema nervoso central, como cefaleias, câimbras musculares, ataxia reversível, psicose, letargia, apatia, anorexia e agitação. Essa é uma emergência clínica aguda. Se nenhuma intervenção aguda for iniciada para aumentar o nível de sódio, os pacientes podem desenvolver coma, hérnia do tronco encefálico e parada respiratória, levando à morte.

Um declínio mais lento dos níveis de sódio durante vários dias ou semanas é geralmente assintomático; quando sintomático, produz um edema cerebral leve que não causa hérnia do tronco encefálico.

Estabelecendo o tipo de hiponatremia

O primeiro passo é medir a osmolalidade sérica efetiva (tonicidade). [ Estimador de osmolalidade (sérica) Opens in new window ] ​ Se estiver normal (275-295 mOsm/kg H₂O [275-295 mmol/kg H₂O]), o paciente apresenta pseudo-hiponatremia (hiponatremia isotônica), a qual é um artefato produzido por altos níveis séricos de lipídios ou proteínas. Eletrodos mais novos mensuram o sódio diretamente e a concentração medida será normal se esses eletrodos forem usados. A causa mais comum de níveis elevados de proteína é o mieloma múltiplo; um diagnóstico que já será conhecido na maioria dos pacientes.

Se a osmolalidade sérica for >295 mmol/kg H₂O (>295 mOsm/kg H₂O), o paciente tem hiponatremia distributiva (hipertônica), que se deve à hiperglicemia ou absorção/administração de um fluido hipertônico (p. ex., manitol, glicina ou sorbitol).

  • A hiperglicemia é geralmente causada pelo diabetes mas também pode ser originada por medicamentos (betabloqueadores, diuréticos tiazídicos, corticosteroides, ácido nicotínico, pentamidina, inibidores da protease, alguns antipsicóticos) ou por estresse de um acidente vascular cerebral (AVC), infarto do miocárdio, trauma, infecção ou inflamação recentes. A mensuração da glicose sérica aleatória ou em jejum estabelece a hiperglicemia como causa. A HbA1c sérica é elevada em pessoas com diabetes mal controlada e também pode ser útil. A hiponatremia induzida por medicamentos e a hiperglicemia devem ser resolvidas uma vez que o agente causador é descontinuado.

  • A hiponatremia hipertônica causada por manitol, glicina ou sorbitol é, em geral, facilmente estabelecida por exame dos fluidos administrados por via intravenosa ou usados para irrigar o campo operatório durante a ressecção transuretral da próstata ou a histeroscopia. Entretanto, ela pode ser confirmada através do cálculo da diferença osmolar sérica. [ Calculadora do Gap Osmolar (unidade SI) Opens in new window ] Uma diferença >10 indica a presença de osmóis não sódio efetivos como manitol, glicina ou sorbitol.

Se a osmolalidade sérica for <275 mmol/kg H₂O (<275 mOsm/kg H₂O), o paciente tem hiponatremia hipotônica (hipovolêmica, euvolêmica ou hipervolêmica).

  • Os pacientes com hiponatremia hipovolêmica terão sinais de depleção de volume (turgor da pele diminuído, pressão venosa jugular e pressão arterial reduzidas).

  • Os pacientes com hiponatremia hipervolêmica terão pressão venosa jugular elevada e edema periférico.

  • A ausência de qualquer desses sinais indica que o paciente está euvolêmico.

Como a hiponatremia pode aparecer em estados hipervolêmicos, euvolêmicos e hipovolêmicos, a hiponatremia e a sua causa podem não estar claras inicialmente.[27] O exame mais importante para identificar a etiologia em pacientes com hiponatremia hipotônica hipovolêmica, hiponatremia hipotônica euvolêmica ou hiponatremia hipotônica hipervolêmica é a mensuração do sódio urinário. O exame “spot” de sódio da urina está disponível e permite que o sódio urinário seja rápida e convenientemente mensurado em uma amostra de urina aleatória.

  • Hiponatremia hipovolêmica: sódio urinário >20 mmol/L (>20 mEq/L) indica perda de sódio renal e sódio urinário ≤20 mmol/L (≤20 mEq/L) indica perda de sódio extrarrenal.

  • Hiponatremia hipervolêmica: sódio urinário >20 mmol/L (>20 mEq/L) sugere lesão renal aguda ou doença renal crônica, e um sódio urinário ≤20 mmol/L (20 mEq/L) sugere distúrbios edematosos, como insuficiência cardíaca, cirrose ou síndrome nefrótica.

  • Os pacientes com hiponatremia euvolêmica sempre apresentam sódio urinário >20 mmol/L (>20 mEq/L).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Algoritmo para o diagnóstico de hiponatremia hipotônica. SIHAD, síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiuréticoProduzido pelo BMJ Knowledge Centre [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@64284c12

Também é importante mensurar a osmolalidade urinária. A osmolalidade urinária é <100 mmol/kg H₂O (<100 mOsm/kg H₂O) nos casos de ingestão hídrica excessiva, mas >100 mmol/kg H₂O (>100 mOsm/kg H₂O) em todas as demais causas. Entretanto, em geral, a osmolalidade urinária é mensurada principalmente para avaliar a gravidade da doença, não sendo útil para elucidar a causa subjacente. É importante atentar que causas como endocrinopatias (deficiência de glicocorticoide), depleção de potássio e uso de diuréticos podem se apresentar com um estado euvolêmico ou hipovolêmico, dependendo da gravidade da doença.

Hiponatremia hipovolêmica com sódio urinário >20 mmol/L (>20 mEq/L)

Doença renal

  • A nefropatia perdedora de sal deve ser considerada como causa em todos os pacientes com hiponatremia hipovolêmica com sódio urinário >20 mmol/L (>20 mEq/L). Muitos pacientes terão um diagnóstico conhecido ou uma história familiar positiva de doença túbulo-intersticial (nefrite intersticial, doença cística medular renal, obstrução parcial do trato urinário e doença renal policística). A nefropatia perdedora de sal geralmente precede o início da insuficiência renal nessas condições. Uma massa abdominal está geralmente presente na doença renal policística. Os pacientes com doença cística medular renal apresentam os sinais precoces de anemia grave, como palidez.

  • A creatinina sérica pode estar normal ou elevada, com uma taxa de filtração glomerular normal ou reduzida. A urinálise revela hematúria e/ou proteinúria, dependendo da causa subjacente. A ultrassonografia renal irá detectar obstrução, hidronefrose, nefrolitíase ou cistos. A tomografia computadorizada (TC) abdominal com contraste é uma ferramenta de imagem mais definitiva para avaliar o número, o tamanho e a localização dos cistos na doença renal policística e na doença cística medular renal. Os testes genéticos são o método definitivo para distinguir essas doenças. A biópsia renal é necessária para o diagnóstico definitivo de nefrite intersticial e deve ser considerada na consulta com um especialista renal.

Causa no sistema nervoso central

  • Se houver uma história recente de traumatismo cranioencefálico, cirurgia intracraniana, hemorragia subaracnoide, acidente vascular cerebral (AVC) ou tumores cerebrais, a síndrome cerebral perdedora de sal deve ser considerada como causa. Essas condições também podem causar a síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético (SIHAD), mas a SIHAD causa hiponatremia euvolêmica e é um diagnóstico de exclusão. Uma história completa e um exame do sistema nervoso central devem identificar a causa.

  • Uma TC cranioencefálica identificará sinais de hemorragia ou fraturas do crânio. A ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica é a modalidade preferida para detectar tumores intracranianos e para avaliar o AVC isquêmico assim que a possibilidade de AVC hemorrágico tenha sido excluída pela TC.

Deficiência de mineralocorticoides

  • Também deve ser excluída como causa. Os sinais e sintomas são geralmente inespecíficos e incluem náusea, vômitos, mialgia, artralgia e sinais clínicos de depleção de volume.

  • O potássio sérico está geralmente elevado. Um cortisol sérico matinal reduzido é diagnóstico. Observa-se uma resposta reduzida do cortisol ao hormônio adrenocorticotrófico.

Hiponatremia hipovolêmica com sódio urinário ≤20 mmol/L (≤20 mEq/L)

Isso é produzido pela reposição inadequada de sódio extrarrenal e perdas de fluidos com fluidos hipotônicos. Isso pode ser causado pela reposição de suor excessivo (geralmente devido a exercícios prolongados em um ambiente quente) por ingestão de água da torneira ou por fluidoterapia hipotônica intravenosa. Essas causas ficam evidentes a partir da anamnese e do exame da administração de fluidos no prontuário.

Outras causas de perda de fluido que podem instar a reposição hídrica inadequada incluem vômito, diarreia, fístulas gastrintestinais ou tubos de drenagem e perda de fluidos para o terceiro espaço causado por peritonite, pancreatite, queimaduras ou obstrução do intestino delgado.

Hiponatremia hipervolêmica com sódio urinário ≤20 mmol/L (≤20 mEq/L)

Insuficiência cardíaca congestiva

  • Uma história de infarto do miocárdio deve levar em consideração a insuficiência cardíaca congestiva. Os sintomas incluem fadiga, diminuição da tolerância ao exercício, dispneia ao esforço, ortopneia e dispneia paroxística noturna. Os sintomas clínicos incluem edema, ápice cardíaco deslocado, refluxo hepatojugular, estase jugular, bulha cardíaca (B3) em galope, estertores pulmonares e hepatomegalia.

  • Um raio-X torácico pode mostrar cardiomegalia, edema pulmonar ou derrame pleural.

  • A medição dos níveis de biomarcador de peptídeo natriurético (do tipo B [PNB] e fragmento N-terminal do peptídeo natriurético tipo B [NT-proPNB]) é útil para incluir ou descartar insuficiência cardíaca em pacientes com suspeita de causa cardíaca de dispneia.[28]

  • Um eletrocardiograma (ECG) pode mostrar ondas Q anteriores (indicando um infarto do miocárdio prévio), bloqueio de ramo, arritmias atriais, arritmias ventriculares, desvio do eixo para a esquerda ou hipertrofia ventricular esquerda. Um ecocardiograma detecta disfunção sistólica e diastólica. Lesões valvares, sinais de lesão pericárdica ou cardiomiopatia também podem ser observados.

Cirrose hepática

  • Uma história de abuso de álcool, uso de drogas por via intravenosa, relação sexual sem proteção, obesidade, transfusão de sangue ou infecção por hepatite conhecida devem levar à suspeita de cirrose. A cirrose grave o suficiente para causar hiponatremia hipervolêmica é geralmente sintomática. Os sintomas incluem fadiga, fraqueza, ganho de peso e prurido. Os sinais incluem edema, icterícia, ascite, circulação colateral, hepatosplenomegalia, leuconiquia, eritema palmar, aranhas vasculares, telangiectasia, esclera ictérica, fetor hepaticus e estado mental alterado.

  • Os testes da função hepática estão anormais e o padrão depende da causa da cirrose.

  • Uma ultrassonografia abdominal pode ser usada para detectar sinais de cirrose avançada como nodularidade da superfície do fígado, fígado pequeno, possível hipertrofia do lobo esquerdo/caudado, ascite, esplenomegalia e diâmetro aumentado da veia porta (≥13 mm) ou vasos colaterais. A biópsia do fígado oferece um diagnóstico definitivo, mas é necessária apenas se o diagnóstico não puder ser estabelecido com base em características clínicas, investigações e exames de imagem.

Síndrome nefrótica

  • Deve haver suspeita de síndrome nefrótica se houver uma história de diabetes persistente, malignidade, lúpus eritematoso sistêmico, infecção por HIV, mieloma múltiplo, doenças do tecido conjuntivo ou amiloidose, além de uso de medicações reconhecidamente causadoras (pamidronato, lítio, ouro, penicilamina ou medicamentos anti-inflamatórios não esteroides e, muito raramente, interferon alfa, heroína, mercúrio ou formaldeído). Os pacientes apresentam edema nas pernas ou generalizado e urina espumosa. Os pacientes também podem apresentar linhas de Muehrcke (devido à hipoalbuminemia) ou xantelasmas (devido à hipertrigliceridemia).

  • Os níveis séricos de albumina são baixos. A creatinina plasmática pode estar normal ou elevada dependendo do estágio da doença. Uma coleta de urina de 24 horas para proteína mostra proteinúria na faixa nefrótica (>3 g/24 horas). A biópsia renal é requerida para o diagnóstico definitivo de muitas das causas subjacentes e deve ser considerada na consulta com um especialista renal.

Hiponatremia hipervolêmica com sódio urinário >20 mmol/L (>20 mEq/L)

Indica doença renal com comprometimento da excreção de sódio. Na maioria dos pacientes, o diagnóstico já é conhecido, mas uma avaliação adicional será requerida se um novo diagnóstico de doença renal for realizado. sinais e os sintomas de doença renal podem estar presentes e incluem icterícia, equimose, memória/concentração fracas ou mioclonia.

A creatinina sérica está é elevada, com uma taxa de filtração glomerular reduzida, e a urinálise revela hematúria e/ou proteinúria, dependendo da causa subjacente. A ultrassonografia renal pode ser útil na avaliação da causa e pode revelar rins pequenos, obstrução ou hidronefrose, e nefrolitíase. Uma biópsia renal é necessária para o diagnóstico definitivo das causas intrínsecas de doença renal, e deve ser considerada em consulta com um especialista renal.

Hiponatremia euvolêmica

Diuréticos tiazídicos

A hiponatremia pode aparecer dentro de alguns dias ou até mesmo anos após o início do medicamento, e será resolvida assim que os diuréticos tiazídicos tiverem sido descontinuados.[14]

Excesso de ingestão de líquidos

  • Se houver uma história de esquizofrenia ou de depressão psicótica, a polidipsia psicogênica deve ser considerada. Existe uma história de polidipsia e de poliúria. Os pacientes geralmente se queixam de uma sensação persistente de boca seca. Isso pode ocorrer, por vezes, devido a medicamentos com fenotiazina e, em outras ocasiões, devido à condição subjacente. O exame clínico é geralmente normal, mas o aumento de peso devido à ingestão excessiva de água pode estar presente em casos extremos. A ingestão de água é tão excessiva que ultrapassa a capacidade do rim para reabsorver a água e a osmolalidade da urina é <100 mmol/kg H₂O (<100 mOsm/kg H₂O).

  • Se uma história de abuso crônico de álcool estiver presente, a potomania deve ser considerada. O questionário CAGE pode ser útil na identificação de pacientes com problemas de abuso de álcool. CAGE alcohol questionnaire Opens in new window Um escore de CAGE >2 deve levantar suspeita. A potomania é desencadeada pela ingestão de >6 litros de cerveja por dia com um histórico de ingestão alimentar deficiente crônica. A osmolalidade da urina é <100 mmol/kg H₂O (<100 mOsm/kg H₂O). Os níveis séricos de bilirrubina normalmente estão elevados, e a aspartato aminotransferase e a alanina aminotransferase raramente são >200 unidades/L.

Período pós-operatório

  • Nesse período, ocorre um aumento transitório na secreção de hormônio antidiurético. A hiponatremia é autolimitada. Entretanto, a administração de fluidos hipotônicos durante esse período pode causar uma hiponatremia mais grave ou prolongada.

  • Grandes volumes de fluidos hipertônicos (glicina, manitol ou sorbitol) são usados para a irrigação do campo operatório durante a ressecção transuretral da próstata ou a histeroscopia. Se os fluidos forem absorvidos na ausência do soluto, isso poderá causar hiponatremia hipotônica euvolêmica.

  • Grandes volumes de fluidos hipotônicos são usados para a irrigação do campo operatório durante a ablação endometrial. Se forem absorvidos, podem desencadear uma hiponatremia aguda grave.

Síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIHAD)

  • Se todas as outras causas de hiponatremia euvolêmica tiverem sido excluídas, o paciente apresenta SIHAD.[29]

  • As causas medicamentosas conhecidas incluem vasopressina, medicamentos anti-inflamatórios não-esteroides, nicotina, clorpropamida, carbamazepina, antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos de recaptação de serotonina, vincristina, tioridazina, ciclofosfamida, clofibrato e uso de ecstasy (MDMA).

  • Casos de traumatismo cranioencefálico recente, cirurgia intracraniana, hemorragia subaracnoide, acidente vascular cerebral (AVC), tumores cerebrais, meningite ou abscesso cerebral podem provocar a SIHAD.

  • Uma história de tosse, dispneia ou dor torácica pleurítica deve levar à suspeita de causas respiratórias da SIHAD. Elas incluem pneumonia, abscesso pulmonar, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), fibrose cística e ventilação por pressão positiva.

  • A secreção ectópica de HAD por tumores é uma causa importante a ser excluída. A fonte mais comum é o câncer de pulmão de células pequenas; outros cânceres são causas raras. Eles incluem câncer cervical, linfoma, leucemia e câncer de pâncreas.

  • Investigações apropriadas dependem da causa identificada através das características clínicas. Se não houver causa identificável, o paciente será diagnosticado como sendo portador de síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIHAD) idiopática.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal