Considerações de urgência

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O objetivo da avaliação dos pacientes com LCT é identificar rapidamente a lesão intracerebral e prevenir lesões cerebrais secundárias ao manter a oxigenação e a perfusão do cérebro.[45][46]

O manejo de pacientes com lesão cerebral traumática (LCT) exige uma avaliação rápida e minuciosa, sendo frequentemente necessário o início do tratamento antes do diagnóstico definitivo.

Os politraumatismos são comuns: aproximadamente 40% a 50% dos pacientes com LCT grave têm outras lesões traumáticas graves coexistentes e até 10% apresentam lesão coexistente na medula espinhal.[47][48]

A necessidade de intervenção neurocirúrgica (craniotomia, elevação de fratura craniana, monitoramento do aumento da pressão intracraniana ou ventriculostomia) dobra quando o escore da Escala de coma de Glasgow diminui de 15 para 14.[9]

Abordagem inicial: vias aéreas (Airway), respiração (Breathing), circulação (Circulation), incapacidade (Disability) (ABCD)

A abordagem inicial a um paciente com lesão cerebral traumática (LCT) inclui a avaliação rápida das vias aéreas, da respiração, da circulação e da incapacidade (ABCD), com intervenções adequadas conforme indicado.

Vias aéreas e a respiração

A avaliação inicial das vias aéreas e da respiração deve coincidir com a determinação da necessidade de imobilização da coluna cervical, em razão do maior risco de lesão à coluna cervical nos pacientes com LCT.[18]​​[45]

Os colares cervicais devem ser instituídos até que a lesão da coluna cervical seja descartada.

Sabe-se que tanto a hipóxia como a hipercapnia agravam os desfechos na LCT. Um único episódio de hipóxia está significativamente associado a um desfecho pior, e períodos de hipercapnia ou hipocapnia estão associados a desfechos mais desfavoráveis.[49]

No ambiente pré-hospitalar, o suporte para vias aéreas é indicado se o paciente não estiver respirando espontaneamente, se for incapaz de manter uma via aérea aberta ou de manter >90% de saturação de oxigênio com oxigênio suplementar.[50]

Na chegada ao pronto-socorro, as diretrizes dos EUA e do Reino Unido recomendam a inserção de um tubo traqueal no paciente com LCT e um escore na Escala de Coma de Glasgow de <9.[18]​​​[45]​​ Esses pacientes têm risco de aspiração e depressão respiratória. As outras indicações para intubação e ventilação incluem:​[18]

  • Perda dos reflexos protetores da laringe

  • Insuficiência ventilatória, avaliada por gasometria: hipoxemia (PaO₂ menor que 13 kPa com oxigênio) ou hipercapnia (PaCO₂ maior que 6 kPa)

  • Respirações irregulares.

A oxigenação deve ser monitorada rigorosamente por meio de oximetria de pulso.[51]​ A ventilação deve ser monitorada por meio de capnografia contínua, com um alvo para o CO₂ expirado de 35 a 40 mmHg.[50][52][53]

Para a maioria dos pacientes, o objetivo é manter a ventilação normal. A hiperventilação só é indicada como medida de contemporização quando um paciente com LCT apresenta evidências clínicas de herniação cerebral, como pupilas assimétricas, pupilas dilatadas e não reativas, postura motora de extensão, deterioração neurológica progressiva ou flacidez.[50]

Circulação

Até mesmo um único episódio de hipotensão pré-hospitalar ou hospitalar afeta negativamente o desfecho após uma lesão cerebral.[46][54][55][56][57]​​​​ Na maioria dos casos, a hipotensão é causada por sangramento extracraniano, embora a disfunção autonômica decorrente da LCT possa contribuir para hipotensão.

Uma revisão retrospectiva sugeriu que os desfechos do paciente melhoraram quando a pressão arterial (PA) sistólica foi mantida em ≥100 mmHg para os pacientes de 15 a 49 anos, ≥110 mmHg para os pacientes de 50 a 69 anos e ≥110 mmHg para os pacientes ≥70 anos de idade.[58] Essas metas de PA sistólica foram adotados pelas diretrizes da Brain Trauma Foundation para o manejo da LCT traumática grave (recomendação de nível III baseada em um corpo de evidências de baixa qualidade).[6] Em crianças com LCT grave, tanto a hipotensão como a hipertensão grave estão associadas ao aumento da mortalidade em 24 horas.[59]

A preocupação de que a ressuscitação fluídica possa agravar edema cerebral e/ou sangramento é teórica e os estudos têm repetidamente demonstrado que os pacientes que permanecem normotensos têm desfechos melhores.[60][61]​​ O fluido de ressuscitação ideal para os pacientes com LCT e hipotensão é o cloreto de sódio a 0.9%, sendo os hemoderivados utilizados nos pacientes com politraumatismo conforme apropriado. No paciente adulto, o cloreto de sódio a 0.9% deve ser administrado em bolus de 2 litros.[62][63]​​ No paciente pediátrico, o cloreto de sódio a 0.9% deve ser administrado em bolus de 20 ± 10 mL/kg para manter uma pressão arterial apropriada para a idade e o peso, considerando-se o uso de hemoderivados se forem indicados bolus repetidos.[64]​​[65][66]

Incapacidade: exame neurológico inicial

Realize um exame neurológico rápido e direcionado, com atenção à Escala de Coma de Glasgow, ao exame pupilar e à função motora.

A Escala de coma de Glasgow é amplamente usada para avaliar o nível de consciência em pacientes com LCT e fornece informações sobre o prognóstico que permitem que o médico se planeje para as exigências diagnósticas e de monitoramento esperadas.[45] [ Escala de coma de Glasgow Opens in new window ]

O escore a seguir é aplicado:[44]

  • Escores de 13-15 na Escala de coma de Glasgow são associados a uma lesão cerebral leve

  • Escores de 9-12 na Escala de coma de Glasgow são associados a uma lesão cerebral moderada

  • Um escore <9 na Escala de coma de Glasgow é associado a uma lesão cerebral grave.

Embora o escore de 13 na Escala de coma de Glasgow seja considerado leve, muitos especialistas acreditam que ele deva ser considerado dentro da categoria moderada.[10][11][12]​​​​​​ Diretrizes clínicas na Austrália reconheceram a morbidade elevada associada a um escore de 13 na Escala de coma de Glasgow, e limitam a classificação de LCT leve aos pacientes com escore de 14 ou 15 nessa escala.[13] ​O sistema de classificação Mayo classifica os pacientes com LCT em definidos, prováveis e possíveis, com base nos achados clínicos e da TC do paciente.[14]

A gravidade da Escala de coma de Glasgow está inversamente correlacionada com a magnitude numérica. A Escala de coma de Glasgow pode ser executada em série por diferentes membros da equipe de saúde para monitoramento do quadro neurológico; a confiabilidade entre avaliadores é geralmente considerada boa, embora isso tenha sido questionado.[67][68][69][70][71]

Um escore de 13 a 15 está associado a desfechos favoráveis, embora uma Escala de Coma de Glasgow de 15 não possa ser usada para descartar a lesão intracraniana.

Um escore <9 está associado à deterioração clínica e a um desfecho desfavorável. O monitoramento seriado da escala de coma de Glasgow fornece alerta clínico para deterioração.

Se houver assimetria entre os lados direito e esquerdo ou os membros superiores e inferiores, use a melhor resposta motora para calcular a escala de coma de Glasgow: esse é o preditor de desfecho mais confiável.[45]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Escala de coma de Glasgow para paciente adulto e pediátricoUsada com permissão da Dra. Micelle J. Haydel [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@7d03f59a

O Simplified Motor Score (obedece a comandos = 2, localiza a dor = 1, e afasta-se da dor ou pior = 0) demonstrou ter um poder preditivo similar à Escala de coma de Glasgow.[72]

Do mesmo modo, o uso de uma avaliação binária do escore motor da Escala de Coma de Glasgow (GCS-m) para determinar se os pacientes obedecem a comandos ou não (ou seja, escore <6 na GCS-m se o paciente não obedecer a comandos); escore=6 na GCS-m se o paciente obedecer a comandos) foi proposto como ferramenta de triagem para assistência fora do hospital. Uma análise retrospectiva revelou que um escore <6 na GCS-m é semelhantemente preditivo de lesão grave, bem como o escore total da Escala de coma da Glasgow.[73]

A escala FOUR, que adiciona reflexos do tronco encefálico e padrões respiratórios a achados motores e oculares, demonstrou ter poder preditivo semelhante ao da GCS.[74][75]

Os reflexos pupilares funcionam como um indicador da patologia subjacente e da gravidade da lesão e devem ser monitorados em série.[76]​ O exame pupilar pode ser avaliado em um paciente inconsciente ou que esteja recebendo agentes de bloqueio neuromuscular ou sedação.[16][76]

As pupilas devem ser examinadas quanto a tamanho, simetria, reflexos diretos/consensuais à luz e duração da dilatação/fixação. Reflexos pupilares anormais podem sugerir hérnia ou lesão do tronco encefálico. Trauma orbital, agentes farmacológicos ou trauma direto do nervo craniano III podem acarretar alterações pupilares na ausência de aumento da pressão intracraniana (PIC), de patologia do tronco encefálico ou hérnia.

  • Tamanho da pupila:

    • O tamanho normal da pupila é entre 2 e 5 mm e, embora ambas as pupilas devam ter o mesmo tamanho, uma diferença de 1 mm é considerada uma variante normal.

    • O tamanho anormal é observado por uma diferença >1 mm entre as pupilas.

  • Simetria das pupilas:

    • Pupilas normais são redondas, mas podem ser irregulares em decorrência de cirurgias oftalmológicas.

    • A simetria anormal pode ser resultante de compressão do III nervo craniano, que faz com que a pupila inicialmente se torne oval antes de se tornar dilatada e fixa.

  • Reflexo direto à luz:

    • As pupilas normais se contraem rapidamente em resposta à luz, mas podem ter uma resposta inadequada devido a medicamentos oftalmológicos.

    • O reflexo anormal à luz pode ser observado em respostas pupilares lentas que estejam associadas à PIC elevada. Uma pupila fixa não reativa tem uma resposta <1 mm à luz brilhante e está associada à PIC gravemente elevada.

Ácido tranexâmico

O ácido tranexâmico é um medicamento antifibrinolítico que demonstrou reduzir a mortalidade em pacientes com trauma grave.[77][78][79][80]​​​​​​

Metanálises de ensaios clínicos controlados por placebo falharam em demonstrar que o ácido tranexâmico reduz de maneira consistente a mortalidade em pacientes com LCT.[81][82][83][84]​​​​​​​ Embora não haja evidências convincentes para o uso rotineiro do ácido tranexâmico em pacientes com LCT (a menos que haja trauma extracraniano associado), ele parece ser seguro nesses pacientes e a orientação local quanto ao seu uso pode variar.

Sedação e analgesia

Os pacientes com LCT geralmente apresentam agitação considerável, e podem ter outras lesões dolorosas. Além do aumento da demanda metabólica, a dor e a agitação podem causar dificuldades na obtenção de: estudos de imagem; monitoramento do estado mental; e avaliação das respostas fisiológicas às medidas de ressuscitação.

Medicamentos analgésicos e ansiolíticos devem ser administrados depois da realização de um exame neurológico completo e então, em consideração ao estado hemodinâmico geral do paciente. Agentes de curta ação são preferíveis até que o paciente tenha sido estabilizado e tenha um diagnóstico definitivo.[45]

As desvantagens do uso de analgésicos ou sedativos incluem o potencial de depressão na função cardiorrespiratória e o comprometimento na avaliação da condição neurológica.

Abordagem para pressão intracraniana (PIC) elevada

Os pacientes com PIC elevada podem apresentar vômitos, estado mental alterado, deficits oculomotores e deficits pupilares. Os sinais tardios de PIC elevada e de hérnia incluem pupilas bilaterais fixas e dilatadas, respirações de Kussmaul e a Tríade de Cushing (pressão de pulso ampliada, bradicardia e respiração irregular).

O tratamento do aumento da PIC deve se concentrar na redução de volume de um ou mais dos seguintes fatores: parênquima cerebral, líquido cefalorraquidiano, volume sanguíneo intravascular ou lesão de massa intracraniana.

Intervenções primárias

  • Elevação da cabeceira do leito a 30°. Acredita-se que essa medida melhore o fluxo de saída venoso e a pressão de perfusão cerebral, embora uma revisão Cochrane não tenha descoberto evidências suficientes para embasar ou refutar essa prática.[85][86]

  • Acredita-se que os analgésicos e a sedação para aliviar a dor e a agitação reduzam as demandas metabólicas.

  • A indução da hipocapnia por hiperventilação reduz a pCO₂, o que provoca vasoconstrição cerebral, e reduz a PIC. A hiperventilação deve ser limitada a períodos breves de até 30 minutos para tratar a herniação cerebral aguda, devendo ser monitorada rigorosamente por meio de monitoramento do oxigênio tecidual cerebral.[85] A hiperventilação não deve ser usada para profilaxia de longa duração e, se possível, deve ser evitada durante as primeiras 24 horas após a lesão.[6]

Intervenções secundárias

  • Osmose: o manitol e a solução salina hipertônica causam um forte gradiente osmótico, reduzindo assim o volume intracerebral. Eles podem ser usados para diminuir rapidamente a PIC elevada. Embora existam numerosos estudos, não há evidências clínicas suficientes para recomendar um agente osmótico em detrimento de outro.[6][87][88]​ O manitol causa diurese significativa e hipovolemia, a qual se não tratada pode resultar em hipotensão sistêmica e diminuição da pressão de perfusão cerebral.[6]​ A solução salina hipertônica não causa diurese; ela pode aumentar a pressão arterial sistêmica, melhorando assim a pressão de perfusão cerebral. Os pacientes devem ser monitorados quanto à hipernatremia.

  • Administração de altas doses de barbitúricos: recomendada para controlar a PIC elevada refratária ao tratamento padrão máximo.[6] A terapia com barbitúrico em altas doses geralmente diminui a pressão arterial sistêmica e pode requerer reposição de volume ou agentes vasoativos para evitar ou melhorar a hipotensão sistêmica.[89]

  • Monitoramento da PIC: indicado nos pacientes com LCT com um escore <9 na escala de coma de Glasgow e evidências de lesão à TC. O monitoramento da PIC também é recomendado nos pacientes com LCT grave que apresentem TC normal e pelo menos dois dos seguintes fatores: postura motora, mais de 40 anos de idade ou PA sistólica abaixo de 90 mmHg.[90] A melhora na mortalidade foi demonstrada em centros onde o monitoramento da PIC é implementado rotineiramente em pacientes com LCT grave.[91]

  • Hemicraniectomia descompressiva: as indicações variam, e o tratamento clínico deve ser otimizado antes.[92][93]

  • Hipotermia e corticosteroides não desempenham nenhuma função no tratamento de LCT.[28][94][95] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Coagulopatia: pre-existente

Pacientes com coagulopatia preexistente apresentam um desfecho mais desfavorável que a população geral. Os agentes reversos são protrombóticos e muitos pacientes apresentam um desfecho desfavorável apesar da rápida reversão.[96]

  • Todos os agentes antiplaquetários ou anticoagulantes devem ser suspensos e/ou revertidos no contexto de hemorragia intracraniana traumática.

  • O tempo de protrombina (TP) em série, o tempo de protrombina parcial, a razão normalizada internacional (INR) e os níveis de plaquetas e fibrinogênio devem ser acompanhados em pacientes com LCT grave.

A correção da coagulopatia pode ser obtida por meio de vitamina K (útil em pacientes com prolongamento da INR relacionado à varfarina), plasma fresco congelado (PFC), plaquetas (meta de contagem plaquetária >100,000/microlitro), crioprecipitado (usado em pacientes com baixos níveis de fibrinogênio), protamina (usada em pacientes que estejam usando heparina), fator VIIa ativado, concentrado de complexo protrombínico e concentrados de complexo protrombínico ativado (CPPA).[96][97]

Se o paciente que toma anticoagulante oral direto (AOD) apresentar sangramento traumático ou precisar de um procedimento invasivo urgente, a reversão do AOD pode ser justificada, dependendo da gravidade do sangramento ou da natureza do procedimento planejado. O inibidor direto da trombina dabigatrana pode ser revertido com idarucizumabe ou CPPA, e os inibidores do fator Xa apixabana e rivaroxabana podem ser revertidos com alfa-andexanete ou feocromocitoma. O uso rotineiro de agentes de reversão em pacientes que apresentam trauma cranioencefálico sustentado, mas sem sangramento, não é recomendado.[98]

Várias diretrizes recomendam ou sugerem a consideração de uma TC de crânio para os pacientes anticoagulados após um traumatismo cranioencefálico leve, independentemente dos sintomas.[18]​​​​[99][100]​​ As diretrizes do Reino Unido recomendam que uma TC de crânio até 8 horas após a lesão seja considerada para todos os pacientes em uso de anticoagulantes.[18]​ No entanto, a base de evidências de suporte é limitada.​​[99][100][101]

Coagulopatia: induzida por lesão cerebral traumática (LCT)

A lesão cerebral traumática (LCT) apresenta forte associação com anormalidades que afetam a totalidade da cascata de coagulação, e o prolongamento do tempo de protrombina (TP) mostrou ser um fator de risco independente para desfechos desfavoráveis após LCT.[102] Embora o plasma fresco congelado (PFC) tenha feito parte do tratamento convencional da coagulopatia induzida por trauma, o uso de concentrado de complexo protrombínico é também defendido por causa do seu volume mais concentrado.[103] O fator VIIa recombinante ativado reduz a necessidade de transfusão de concentrados de eritrócitos e de plasma nos pacientes com coagulopatia induzida por LCT, mas não se traduziu em desfechos consistentemente melhores.[97][104][105]

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