Etiologia
As causas mais comuns de derrame pericárdico incluem malignidade (25% a 32%), infecção (7% a 24%) e iatrogenia (15% a 21%). Além disso, uma proporção substancial dos derrames pericárdicos é considerada idiopática (16% a 26%).[8][9][10]
A etiologia varia entre as populações e é afetada por fatores como características demográficas, contextos clínicos ou distribuição geográfica. Por exemplo, a tuberculose é uma das principais causas de derrame pericárdico em regiões endêmicas e, especialmente, em áreas onde é comum a coinfecção por HIV , mas é uma causa rara de derrame pericárdico em países desenvolvidos.[11]
Neoplasia maligna
Derrames malignos
O derrame pericárdico maligno é uma manifestação comum e grave do câncer.[12]
A maioria dos derrames pericárdicos malignos é causada por tumores sólidos, tais como o câncer pulmonar e o câncer de mama, ou neoplasias hematológicas tais como linfoma ou leucemia. O câncer pulmonar é a neoplasia maligna mais comum que envolve o pericárdio, tanto em homens como em mulheres.[13]
O derrame pode resultar de extensão direta do tumor local até a pericárdio, disseminação hematogênica ou linfática do tumor ou obstrução da drenagem linfática do mediastino.[13]
Em pacientes com neoplasia maligna, é bem provável que o derrame pericárdico seja maligno. Ocasionalmente, o derrame pericárdico é a primeira manifestação de neoplasia maligna. Portanto, deve-se descartar a neoplasia maligna em pacientes com derrame pericárdico com tamponamento cardíaco na apresentação, com derrame pericárdico de rápido acúmulo e/ou com curso persistente ou recorrente.[12]
O acúmulo de líquido pericárdico poderá ser gradual ou rápido se ocorrer erosão para dentro dos vasos sanguíneos pericárdicos.
Derrame associado a terapias antineoplásicas
Infecciosa
Viral
A pericardite viral raramente produz derrames suficientemente extensos para causar tamponamento, mas pode estar associada a fisiologia constritiva.
As causas da pericardite viral incluem o vírus Coxsackie, o ecovírus, o vírus Epstein-Barr (EBV), o citomegalovírus (CMV) e o parvovírus B19.[16]
Em 259 pacientes com derrame pericárdico moderado a grande, a reação em cadeia da polimerase detectou genomas virais (entre eles o parvovírus B19, EBV, vírus do herpes humano [HHV]-6, CMV, hepatite C e gripe (influenza)) em 51 (19.7%) dos pacientes.[17]
A evolução clínica do derrame pericárdico associado à pericardite viral é geralmente autolimitado e benigno.
Bacteriana
A pericardite bacteriana é uma condição com risco de vida que se apresenta como uma doença febril aguda e é comumente complicada pelo tamponamento cardíaco.
A pericardite purulenta é a manifestação mais grave da pericardite bacteriana, com fluido purulento, variando de uma camada fina a grandes quantidades de pus grosso, acumulando no espaço pericárdico.[18]
As causas mais prováveis de pericardite bacteriana incluem Staphylococcus aureus (tipicamente disseminação hematogênica) e Streptococcus pneumoniae (muitas vezes, extensão direta de uma pneumonia adjacente).[19]
Os pacientes com risco mais elevado de pericardite bacteriana incluem os que estão sendo submetidos à diálise, os imunossuprimidos, os alcoólatras e os pacientes recentemente submetidos a uma cirurgia cardíaca.
Tuberculosos
A pericardite tuberculosa é responsável por menos de 5% dos casos em países desenvolvidos, mas é uma das principais causas de pericardite em países em desenvolvimento, especialmente em áreas onde a infecção por HIV é comum.[20]
A tuberculose (TB) é a causa mais comum de doenças pericárdicas na África. Pacientes com pericardite tuberculosa apresentam pericardite efusiva (aproximadamente 80%) ou pericardite efusiva-constritiva (15%); até 20% dos pacientes com pericardite tuberculosa apresentam tamponamento cardíaco.[21]
Um aumento do nível de adenosina desaminase (ADA) >40 unidades/L no derrame pericárdico tem 93% de sensibilidade e de 90% a 97% de especificidade para TB.[22][23]
Fungos
A pericardite fúngica é rara, mas há relatos de casos de derrame pericárdico ou tamponamento associados a infecção fúngica.[24]
A pericardite fúngica em indivíduos imunocompetentes foi documentada em áreas endêmicas para Histoplasma capsulatum e Coccidioides immitis. Em pacientes com imunodeficiência, candidíase, aspergilose e infecções por blastomyces são os principais patógenos fúngicos.[25][26]
Parasitários
A doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi, endêmica na América Latina, é a infecção parasitária mais comum que envolve o coração.
A miocardite chagásica é rara, mas o derrame pericárdico (42%) é comum quando ela ocorre.[27]
Iatrogênica
Depois de cirurgia cardíaca
Há relatos de derrame pericárdico pós-operatório em até três quartos dos pacientes submetidos a cirurgia cardíaca.[28][29]
O derrame tende a atingir tamanho máximo em torno do dia 10 do pós-operatório, após o qual ele geralmente se resolve sem intervenção. No entanto, os derramas pós-cirurgia cardíaca também podem persistir ou progredir e, em última análise, causar tamponamento cardíaco (aproximadamente 4% dos pacientes).[30]
É mais provável que o derrame pericárdico pós-cirurgia cardíaca seja localizado (50% dos derrames posteriores) em comparação com o derrame pericárdico de outras etiologias e, portanto, menos acessível para pericardiocentese.[31]
O tamponamento cardíaco pós-operatório precoce é causado por sangramento, enquanto o tamponamento cardíaco tardio é comumente relacionado à síndrome pós-pericardiotomia (uma resposta inflamatória do pericárdio ao procedimento cirúrgico). No entanto, deve-se sempre considerar uma infecção pós-operatória.
A constrição pericárdica pós-cirurgia é bastante rara, e os mecanismos por trás dela não são bem compreendidos. Embora os dados relatados não sejam inteiramente consistentes, as evidências sugerem uma relação com a síndrome pós-pericardiotomia prévia.[32]
Depois de intervenção cardíaca
A incidência de derrames relacionados à intervenção cardíaca percutânea (ICP) tem aumentado significativamente nas últimas décadas, condizente com o aumento da frequência das intervenções coronarianas e com novas técnicas intervencionistas, como ablação por fibrilação atrial, fechamento do apêndice atrial esquerdo e substituição valvar transcateter.
Alguns desses procedimentos requerem anticoagulação intraprocedimental e/ou punção transeptal, o que aumenta o risco de derrame pericárdico e tamponamento cardíaco.
A incidência de complicações pericárdicas foi relatada como <0.5% após uma ICP, <1.5% após ablação por fibrilação atrial e 1% a 5% para inserção de marca-passo.[33]
Idiopática
O derrame pericárdico é considerado idiopático se a avaliação completa não resultar em um diagnóstico.
Supõe-se, geralmente, que a maioria dos casos seja decorrente de infecção viral, aguda ou crônica.
Como na pericardite viral, os pacientes geralmente apresentam características típicas de pericardite aguda e experimentam uma evolução benigna e autolimitada.
Entretanto, os derrames idiopáticos podem ser persistentes e recorrentes e, quando grandes, podem evoluir para tamponamento.[34]
Cardíaca
Insuficiência cardíaca congestiva
O derrame pericárdico transudativo não é incomum na insuficiência cardíaca congestiva; no entanto, o tamponamento cardíaco não é uma complicação reconhecida.[35]
Em um pequeno estudo sobre pacientes com insuficiência cardíaca com necessidade de diurese, 20% apresentaram derrame pericárdico pequeno ou moderado. Mais de 90% desses pacientes também apresentaram derrame pleural.[35]
Em pacientes com hipertensão arterial pulmonar, a presença de derrame pericárdico é um indicador de insuficiência cardíaca direita. Sua persistência, apesar da terapia vasoativa, está associada a um prognóstico desfavorável.[36]
Dissecção da aorta
O derrame pericárdico é uma complicação comum da dissecção aórtica aguda do tipo A.
A aorta dissecada pode romper-se diretamente no espaço pericárdico, resultando em tamponamento cardíaco.
O tamponamento cardíaco é diagnosticado em <20% dos pacientes com dissecção aguda da aorta do tipo A, e está associado a um aumento de aproximadamente duas a três vezes na mortalidade intra-hospitalar nessa população de pacientes.[37][38][39][40] A presença de tamponamento cardíaco exige reparo aórtico urgente.[38]
Síndrome pós-infarto do miocárdio
Também conhecida como fenômeno de Dressler, esta condição é causada pelo desenvolvimento de anticorpos contra antígenos cardíacos após um infarto do miocárdio (IM). Os pacientes desenvolvem febre e desconforto torácico nas semanas ou meses após o infarto.[41]
A ocorrência de derrame pericárdico após um IM vem diminuindo na era da intervenção coronária percutânea (ICP) primária.
Um estudo com 1732 pacientes com IM com supradesnivelamento do segmento ST tratados com ICP primária demonstrou uma taxa de ocorrência de derrame pericárdico de 14.2%, avaliada por ecocardiografia.[42]
O derrame pericárdico no contexto de infarto agudo do miocárdio pode representar uma ruptura contida da parede livre do ventrículo esquerdo que pode evoluir para tamponamento cardíaco e morte cardíaca súbita.[43]
Traumático
Lesões do coração penetrantes diretas geralmente são resultantes de ferimentos por arma de fogo ou por esfaqueamento e apresentam uma alta mortalidade pré-hospitalar.
Para os pacientes que chegam ao hospital, a ecocardiografia do pronto-socorro é 96% precisa no diagnóstico de derrame traumático.[44]
Renal
O derrame pericárdico na doença renal pode decorrer de pericardite urêmica ou pericardite associada à diálise. Esta última pode estar associada a diálise inadequada e/ou sobrecarga hídrica.
Em um estudo realizado com 44 pacientes com derrame pericárdico urêmico, a ecocardiografia mostrou derrames pequenos, moderados e grandes em 38%, 32% e 30% dos pacientes, respectivamente. Foram observados sinais de tamponamento em 16% dos pacientes.[45]
Relacionados à radiação
Durante a radioterapia para neoplasias malignas torácicas, como linfoma de Hodgkin, câncer de mama ou câncer pulmonar, o coração e o pericárdio podem ser expostos a altas doses de radiação.
Avanços na oncologia de radiação, tais como melhores estratégias de blindagem, resultaram na diminuição da ocorrência de pericardite associada à radiação e derrames pericárdicos.[46]
A pericardite relacionada à radiação pode ser aguda ou tardia. O derrame pericárdico crônico é uma das complicações tardias após a radioterapia.[47]
Em um estudo realizado em pacientes com câncer pulmonar de células não pequenas submetidos a radioterapia, as taxas de incidência cumulativa de derrame pericárdico foram de 31% em 1 ano e 45% em 2 anos, com um tempo mediano de 9 meses para derrame pericárdico.[48]
Acredita-se que os mecanismos subjacentes sejam comprometimento da capacidade do sistema venoso e linfático do coração de drenar fluido, resultando em derrame pericárdico de composição hemorrágica ou serosa com um exsudado rico em fibrina.[47]
Amiloidose
Constatou-se presença de derrame pericárdico em aproximadamente 50% dos pacientes com amiloidose cardíaca (inclusive cadeia leve monoclonal adquirida, transtirretina hereditária e amiloidose senil).[49]
Em quase todos os casos, o derrame é pequeno ou moderado, e o tamponamento cardíaco é raro.
Doenças inflamatórias sistêmicas
A doença pericárdica é comum em muitas doenças do tecido conjuntivo, mas, especialmente, no lúpus eritematoso sistêmico (LES).
O derrame pericárdico é o achado ecocardiográfico mais comum no LES. O derrame pericárdico ocorre em >50% dos pacientes e, geralmente, é assintomático.[50] Derrames grandes ou tamponamento cardíaco são raros.
Derrame pericárdico e pericardite foram relatados em pacientes com doença relacionada a IgG4.[51][52]
Endócrina
Hipotireoidismo
Os derrames pericárdicos são mais comuns em estados de hipotireoidismo grave. A maioria é assintomática, mesmo quando grande (até 30% dos casos).[53]
Normalmente, os derrames remitem em algumas semanas ou meses após a instituição de terapia de reposição hormonal.
Hiperestimulação ovariana
Num estudo multicêntrico realizado na Bélgica, a ocorrência de derrame pericárdico foi de 3% em pacientes com síndrome de hiperestimulação ovariana.[54]
O desenvolvimento de tamponamento cardíaco é uma complicação muito rara, mas que representa risco de vida, da síndrome da hiperestimulação ovariana.[55]
Induzida por medicamentos
Hidralazina, procainamida e isoniazida são os medicamentos mais comuns associados ao lúpus eritematoso induzido por medicamentos, causando pericardite e derrame pericárdico.[56]
Medicamentos antineoplásicos podem também estar associados ao derrame pericárdico.[14]
Normalmente, a doença e suas manifestações remitem depois da interrupção do agente desencadeante, sendo o tamponamento cardíaco extremamente raro.
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