Abordagem
O manejo de sintomas relacionados à síndrome carcinoide baseia-se na redução da secreção hormonal. Tumores geralmente secretam aminas biogênicas na circulação. Entretanto, quando o local primário está dentro do intestino, as aminas secretadas são degradadas pelo fígado, e os sintomas geralmente não ocorrem. Quando há presença de metástases hepáticas, essas aminas drenam para a circulação antes de serem quebradas e, por isso, causam síndrome carcinoide.
Quase todos os pacientes com síndrome carcinoide têm metástases hepáticas e podem ter doença irressecável. Consequentemente, o tratamento clínico sintomático é o suporte inicial do tratamento.[22] Cirurgia, embolização de metástases, ablação por radiofrequência ou octreotida radiomarcada são indicadas para alguns pacientes.
Tratamento cirúrgico
A terapia cirúrgica curativa sempre deve ser considerada. Entretanto, a maioria dos pacientes apresenta doença avançada. A cirurgia é uma opção em pacientes com lesão primária ressecável (por exemplo, tumor carcinoide brônquico sem evidência de disseminação metastática). Cirurgia deve ser considerada quando as lesões primárias e secundárias podem ser removidas. Antes da cirurgia, os pacientes devem iniciar infusão de octreotida para prevenir crises carcinoides. Ela é iniciada no mínimo 2 horas antes da cirurgia e administrada até 48 horas após a cirurgia.[23]
Tumores carcinoides brônquicos: um número significativo desses casos apresenta-se com tumores localizados e, desse modo, a ressecção curativa do tumor primário é uma opção. Cirurgia deve ser considerada como terapia de primeira linha em pacientes com boas condições clínicas.[24] O tipo de cirurgia a ser realizada depende da localização, do tamanho e da extensão do tumor. Em lesões bem circunscritas, a ressecção em cunha pode ser feita; outros casos podem requerer lobectomias e, ocasionalmente, pneumonectomia. Existe uma baixa mortalidade operatória de <1% para uma série cirúrgica publicada, e o benefício é uma possível ressecção curativa.[24] Complicações da cirurgia após a ressecção inicial estão relacionadas ao tipo de procedimento realizado e ao estado clínico prévio. A excisão em cunha e a lobectomia deixam um bom volume pulmonar residual, mas a pneumonectomia pode prejudicar a qualidade de vida pós-operatória.
Tumores do intestino médio: ocasionalmente, os tumores carcinoides do intestino médio, com ou sem comprometimento limitado do fígado, são adequados para ressecção curativa. Os carcinoides do intestino médio que comprometem o intestino delgado devem ser removidos se o paciente estiver em condições clínicas para se submeter à cirurgia. Às vezes, esses pacientes apresentam-se com obstrução do intestino delgado e necessitam de cirurgia de emergência. A ressecção de metástases hepáticas pode normalizar marcadores hormonais e resolver sintomas. O tipo de cirurgia a ser realizada depende da localização, do tamanho e do número de lesões hepáticas. Além da ressecção, a ablação por radiofrequência também pode ser realizada e pode, às vezes, ser usada no momento da cirurgia.
Cirurgia de citorredução para doença hepática deve ser considerada como opção paliativa em pacientes com sintomas relacionados à síndrome carcinoide refratária à terapia medicamentosa ou nos quais há evidência de evolução clínica/radiológica da doença. Nesses casos, se a ressecção de >90% da carga do tumor for possível, a cirurgia poderá proporcionar melhor controle dos sintomas e possivelmente sobrevida mais longa.[25][26]
Tratamento clínico
Os sintomas (rubor, diarreia, sibilo) são geralmente controlados com análogos da somatostatina e alfainterferona.[27] Tratamento de segunda linha para o manejo dos sintomas envolve o uso de terapia direcionada com radionuclídeos ou a embolização transarterial hepática e, possivelmente, quimioterapia. Entretanto, a quimioterapia para carcinoides do intestino médio não tem eficácia, com taxas de resposta de <25%.[27]
Análogos da somatostatina
Os análogos da somatostatina são adequados para todos os pacientes com síndrome carcinoide. A octreotida foi o primeiro análogo da somatostatina desenvolvido.[28] Ele pode ser administrado como uma injeção subcutânea ou intravenosa. No entanto, por conta da meia-vida curta, um esquema terapêutico de 3 vezes ao dia era necessário anteriormente para manter níveis estáveis.[29] Como resultado, preparações de ação prolongada têm sido desenvolvidas para durar por 28 dias. Ambas as preparações de ação prolongada têm perfis de ligação comparáveis e semelhantes e unem-se com alta afinidade a receptores de somatostatina dos tipos 1 e 4.[30][31][32][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Imagem plana com octreotida mostrando captação no fígado oriunda de tumorDo acervo de Dr. R. Srirajaskanthan e Dr. M. Caplin; usado com permissão [Citation ends].
Um estudo prospectivo randomizado controlado com placebo demonstrou que análogos da somatostatina inibiram o crescimento do tumor e protelaram o tempo até progressão em pacientes com tumores metastáticos do intestino médio.[33] Um estudo adicional, que incluiu tumores neuroendócrinos (TNE) do intestino delgado, confirmou esses achados.[34]
Análogos da somatostatina também inibiram a liberação de hormônios do pâncreas. Esteatorreia pode ocorrer com o uso contínuo desses agentes e é mais bem tratada com um suplemento de enzimas pancreáticas.
Telotristat etílico
O telotristat etílico (formulado como telotristat etiprate, o sal de hipurato do telotristat etílico) é uma pequena molécula de administração oral que age inibindo a triptofano hidroxilase (TPH), enzima limitadora responsável pela produção de serotonina. O telotristat etílico foi desenvolvido especificamente para ser absorvido pela corrente sanguínea sem cruzar a barreira hematoencefálica, de modo a não afetar os níveis de serotonina do cérebro. Os resultados de um estudo de fase 2, controlado por placebo, em pacientes com síndrome carcinoide metastática refratários à terapia disponível atualmente indicaram que o telotristat etílico foi bem tolerado e apresentou resposta positiva nas principais medidas, inclusive redução do movimento intestinal e alívio adequado dos sintomas carcinoides relatados pelos pacientes.[35][36] Os resultados de um estudo que comparou o telotristat etílico com placebo em pacientes com frequência intestinal alta no histórico de síndrome carcinoide demonstraram redução na frequência intestinal de pacientes que receberam telotristat versus placebo.[37] A European Medicines Agency (EMA) recomendou a aprovação de telotristat etílico em pacientes com diarreia relacionada à síndrome carcinoide em combinação com um análogo da somatostatina. A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou o medicamento para uso em pacientes com diarreia relacionada à síndrome carcinoide que não tenham controle adequado com um análogo da somatostatina.
Embolização transarterial hepática
Metástases hepáticas geralmente são a causa da síndrome carcinoide e, portanto, se os sintomas evoluírem apesar do tratamento clínico ideal com terapia biológica, pode haver uma indicação para embolização hepática.[38] A técnica envolve a identificação do suprimento de sangue arterial para as metástases hepáticas. Se a doença bilobar está presente, geralmente apenas 1 lobo é embolizado por vez. Melhora sintomática ocorre em 40% a 80% e uma resposta bioquímica em 7% a 75% dos casos.[39][40] A duração da resposta pode ser de 6 a 8 meses, às vezes muito mais.[38] A embolização pode ser repetida, embora sua eficácia diminua com a repetição. Pacientes devem receber fluidoterapia intravenosa e alopurinol (para prevenir a síndrome da lise tumoral) antes do procedimento e ser hospitalizados por 24 a 72 horas pós-procedimento. Deve-se iniciar a administração de antibióticos intravenosos adequados antes do procedimento. Os pacientes também necessitam infusão de octreotida para prevenir crises carcinoides, a qual deve ser iniciada no mínimo 2 horas antes da cirurgia e administrada até 48 horas após a cirurgia.
O tratamento com radioterapia interna seletiva (SIRT) é um método combinado de embolização e terapia radionuclídea para metástases hepáticas. A radioterapia é administrada por microesfera de resina marcada com ítrio-90. As microesferas marcadas com ítrio-90 são enviadas seletivamente às metástases via infusão através de um cateter na artéria hepática.[41]
Terapias radionuclídeas
A expressão de alta intensidade de receptores da somatostatina em TNEs é demonstrada por um octreoscan positivo, que envolve o uso de índio 111-In-ácido dietileno triamino pentacético (DTPA)-octreotida ou modalidade de tomografia por emissão de pósitrons (PET) com Ga-68 DOTATATE ou DOTATNOC. Os receptores de somatostatina estão presentes na maioria dos tumores carcinoides. Isso facilita o uso de terapias radionuclídeas compostas de um ligante radiomarcado ligado ao análogo da somatostatina, produzindo atividade radionuclídea localizada. Os análogos da somatostatina radiomarcada podem ser administrados para TNEs inoperáveis ou com metástase. Pacientes a serem considerados para essa terapia precisam ter um octreoscan positivo ou PET Ga-68. Eles precisam ter condições de autocuidado, pois ficarão sozinhos por 24 horas em uma sala radioativa.
Critérios de inclusão:
Captação de tumor benigno em cintilografia com 111-In-DTPA-octreotida (captação de tumor > captação hepática)
Hemoglobina >80 g/L (8 g/dL)
Contagem leucocitária >3.5 x 10⁹/L
Contagem plaquetária >80 x 10⁹/L
Clearance da creatinina >40 mL/minuto
As terapias radionuclídeas comumente usadas são ítrio Y 90 DOTA-octreotato e lutécio Lu 177 DOTA-octreotato.[42][43] Foi relatada melhora sintomática em 60% a 80% dos casos. Resposta parcial do tumor de >50% da carga do tumor é observada em 9% a 33% dos pacientes, enquanto a estabilização da doença é relatada em aproximadamente dois terços dos casos. Ambos os agentes descritos têm eficácia semelhante. Os resultados do primeiro ensaio clínico randomizado e controlado de fase 3 que examinou a terapia Lu-177-DOTA-octreotato no tumor neuroendócrino (TNE) do intestino delgado com síndrome carcinoide demonstraram um melhor benefício da sobrevida livre de progressão e sobrevida global possível com o Lu-177-DOTA-octreotato em comparação com a octreotida (formulação de depósito).[44] O uso de terapias radionuclídeas deve ser limitado a centros especializados.
Outros tratamentos
De modo geral, a quimioterapia tem resultados desanimadores no manejo dos sintomas em pacientes com síndrome carcinoide. Os esquemas terapêuticos comumente usados dependem em parte da histologia e do local do tumor primário. Para tumores brônquicos, etoposídeo e cisplatina podem ser usados como quimioterapia de primeira linha, enquanto outros centros recomendam capecitabina e temozolomida.[38][45] A temozolomida é um agente alquilante oral usado para o tratamento de TNEs como monoterapia. Resultados de um estudo mostraram uma resposta radiológica de 14%, 53% tinham doença estável, e o tempo mediano geral para progressão era de 7 meses.[46] Para tumores carcinoides do intestino médio, a melhor taxa de resposta clínica identificada estava em um estudo usando doxorrubicina e estreptozocina, no qual uma taxa de resposta de 40% foi relatada.[47] Outros estudos relataram taxas de resposta de geralmente <25% após vários esquemas de quimioterapia diferentes para tumores neuroendócrinos (TNEs) do intestino médio bem diferenciados.[27] A taxa de resposta para TNEs pouco diferenciados com etoposídeo e cisplatina tem se mostrado entre 40% e 67%.[48] Essa taxa de resposta não está necessariamente correlacionada à melhora dos sintomas carcinoides e, muitas vezes, está relacionada a sintomas ligados ao tumor, como perda de peso e cansaço.[49] Protocolos, dosagem e combinação de agentes tendem a variar, e a quimioterapia deve ser usada somente em centros especializados.
Everolimo e sunitinibe são licenciados para uso em TNEs pancreáticos.[27][50] Cerca de 1% a 2% dos TNEs pancreáticos causam síndrome carcinoide. Entretanto, há uma evidência muito limitada de melhora da síndrome carcinoide especificamente com qualquer um desses agentes.[50] Contudo, existem ótimas evidências que demonstram atraso no tempo até progressão com estes agentes quando comparados com o placebo.[51] O everolimo é um inibidor da proteína quinase do mTOR (alvo da rapamicina em mamíferos) que demonstrou prolongada sobrevida livre de progressão no estudo RADIANT-3.[52] Resultados do estudo RADIANT-4 demonstraram um benefício de sobrevida livre de progressão em pacientes com TNEs gastrointestinal e brônquico.[53] O sunitinibe inibe a sinalização celular ao atingir múltiplos receptores da tirosina quinase, inclusive: receptor do fator de crescimento derivado de plaquetas (R-PDGF), receptor do fator de crescimento endotelial vascular (R-VEGF), KIT e RET.[54]
A alfainterferona foi utilizada previamente em pacientes com síndrome carcinoide intolerantes a análogos da somatostatina. Resposta sintomática é observada em aproximadamente 40% dos pacientes.[29][32][55] Os efeitos da alfainterferona são mediados via receptores de interferona tipo 1. Além dos efeitos no controle dos sintomas, ele tem ações antiproliferativa e antiangiogênica.[56] A interferona usada mais comumente é a alfainterferona 2a ou a alfainterferona 2b. A resposta bioquímica varia entre 15% e 45%. As preparações com interferona peguilada também estão disponíveis para uso como injeções semanais.[57]
Ciproeptadina tem sido usada somente em ocasiões raras em que os análogos da somatostatina e a alfainterferona não conseguem controlar a diarreia. Ela parece ser efetiva no manejo da diarreia associada à síndrome carcinoide maligna. Entretanto, seus efeitos bioquímicos e antitumorais são mínimos.[58]
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal