Abordagem

As etapas iniciais ao avaliar um paciente com suspeita de síncope são diferenciar a síncope de quadros clínicos que não são síncopes, como convulsões, quedas, pseudossíncopes psicogênicas, crises de queda súbita e ataques isquêmicos transitórios, e tentar identificar a causa (mecanismo) para que o tratamento adequado possa ser oferecido.[11] Dados de vários estudos mostraram que a anamnese e o exame físico podem identificar uma possível causa da síncope em muitos pacientes cujo distúrbio primário pode ser identificado.[11][22]

O próximo passo é avaliar o risco específico para o paciente.[9][11] Por exemplo, a presença de cardiopatia estrutural ou de achados eletrocardiográficos anormais indica que o indivíduo pode estar em maior risco de óbito.[16]

História

As afecções sincopais e não sincopais, com perda da consciência real ou aparente, podem ser diferenciadas na maioria dos casos com uma história clínica detalhada mas, em alguns casos, isso pode ser extremamente difícil.[23][24]

Quando um paciente chega ao pronto-socorro (PS), é importante diferenciar corretamente as causas da síncope que são benignas das causas que apresentam potencial risco de vida. Os sintomas de alerta que indicam isso incluem: dor torácica, palpitações, dorsalgia, hematêmese, melena antes do episódio de síncope e síncope com exercícios.[10][25] Palpitações antes da perda de consciência são um preditor importante de causa cardíaca da síncope.[26]

Uma descrição detalhada do evento é obtida do paciente ou da testemunha. Os fatores precipitantes, o pródromo dos sintomas, a posição do paciente no momento do evento, a duração da síncope, o tempo de recuperação e a história familiar são pontos importantes a serem considerados. A história ajuda a apurar o diagnóstico diferencial e visa a identificar o risco de afecções relacionadas a um mau prognóstico.[9]

Fatores desencadeantes específicos

A síncope situacional com atividades que incluem tosse, deglutição, micção e defecação sugere que a causa seja neuromediada ou vasovagal. A síncope neuromediada é frequentemente recorrente e precipitada por fadiga, ambiente quente, dor intensa, jejum, consumo de álcool, situações emotivas ou estressantes e posição ortostática por tempo prolongado. O paciente está geralmente em posição ortostática, queixa-se de sintomas prodrômicos como fraqueza e pode ter náuseas, diaforese, palpitações, visão embaçada e tornar-se visivelmente pálido. A fadiga é comum após a recuperação da consciência.

A síncope ao fazer a barba ou virar a cabeça para um lado pode estar relacionada à hipersensibilidade do seio carotídeo, que afeta principalmente homens com ≥50 anos de idade.

Distinção entre síncope e crise epiléptica

A distinção entre síncope e crise epiléptica pode, às vezes, ser desafiadora. As informações obtidas pelas testemunhas podem ajudar a definir o diagnóstico. As convulsões costumam estar associadas à maior duração da perda da consciência, perda de controle intestinal e vesical, movimentos clônicos rítmicos e desorientação após o episódio. Embora morder a língua possa ocorrer nos pacientes com síncope, isso aumenta muito as chances de que o paciente tenha tido uma crise epiléptica.[27]

Contorções e espasmos são frequentemente observados na síncope vasovagal ou cardíaca, mas eles podem ser diferenciados do espasmo rítmico de todos os membros nas convulsões tônico-clônicas. Testes adicionais são necessários quando o diagnóstico permanecer incerto.[12]

História médica pregressa

Obter a história médica pregressa é importante, particularmente a anotação de qualquer afecção cardiovascular conhecida.[9]

Os pacientes com insuficiência cardíaca congestiva avançada com fração de ejeção média baixa (<20%) e síncope têm aumento do risco de arritmia ventricular e 45% de mortalidade a 1 ano.[28] Alguns pacientes com hipertensão arterial pulmonar têm uma história de síncope no momento da apresentação, o que consiste em um preditor independente de prognóstico desfavorável.[29]

Os pacientes sintomáticos com síndrome de Brugada têm maior risco de morte súbita que os pacientes assintomáticos.[30][31] Os pacientes com cardiomiopatia hipertrófica que tiveram um episódio de síncope também têm alto risco de morte súbita.[32]

As pessoas com pseudossíncope psicogênica muitas vezes têm uma história de episódios frequentes e recorrentes. A duração da perda da consciência aparente costuma ser longa. Ela é mais comum nas mulheres jovens, e há maior prevalência nas pessoas com história de abuso físico ou sexual.[9][33]

História familiar

Uma história familiar de síncope é importante. Os pacientes com síncope ao esforço e história familiar positiva de síncope ou morte súbita cardíaca têm aumento do risco de morte súbita e precisam de avaliações adicionais para descartar causas cardíacas da síncope, como a síndrome do QT prolongado.

História medicamentosa

Uma história medicamentosa detalhada deve ser obtida e pode fornecer informações úteis que sugiram uma possível causa do episódio de síncope. As classes de medicamentos que foram implicadas em episódios de síncope incluem: diuréticos, vasodilatadores, venodilatadores, cronotrópicos negativos e sedativos.[9]

Os medicamentos vasoativos, incluindo os agentes anti-hipertensivos, medicamentos antianginosos e medicamentos usados para tratar disfunção erétil podem causar síncope devido a seus efeitos vasodilatadores.

Interações medicamentosas podem prolongar o intervalo QT e causar disritmias com potencial risco de vida.

Os pacientes idosos, em particular, estão mais suscetíveis a efeitos de medicamentos que podem causar síncope, e deve-se dar atenção mais rigorosa a potenciais interações medicamentosas nesses indivíduos.

Exame físico e ECG

As anormalidades nos sinais vitais, incluindo taquicardia ou hipotensão persistentes, são preocupantes e devem ensejar uma busca da causa subjacente.

A pressão arterial deve ser verificada em ambos os braços, nas posições supina e ortostática, imediatamente após se assumir a posição ortostática e 3 minutos após.[9] Por consenso, a hipotensão ortostática é definida como uma queda na pressão arterial sistólica de pelo menos 20 mmHg e/ou uma queda na pressão arterial diastólica de, pelo menos, 10 mmHg até 3 minutos em posição ortostática.[34] A European Cardiology Society acrescentou uma queda na pressão arterial sistólica para <90mmHg após 3 minutos em posição ortostática aos critérios diagnósticos da hipotensão ortostática.[11]

A hipotensão ortostática pode identificar alguns pacientes com síncope relacionada a depleção de volume, insuficiência autonômica ou medicamentos.[34] No entanto, ela é um achado comum em pacientes assintomáticos. O diagnóstico de hipotensão ortostática como única causa de síncope deve, provavelmente, representar um diagnóstico de exclusão nos pacientes de alto risco, pois muitos pacientes de alto risco também têm hipotensão ortostática.

A frequência cardíaca e o ritmo são úteis no diagnóstico de arritmias e embolia pulmonar. A ausculta cardíaca pode revelar sopros (por exemplo, de estenose aórtica, mixoma atrial e hipertensão arterial pulmonar).

É necessário um exame neurológico básico. A presença de deficits sensoriais, motores, de fala ou de visão sugere um problema neurológico subjacente, o que requer encaminhamentos ou investigações adicionais. Nos pacientes com suspeita de hipersensibilidade carotídea, a massagem do seio carotídeo pode reproduzir os sintomas. A massagem do seio carotídeo não deve ser realizada nos pacientes que tiverem apresentado ataque isquêmico transitório ou acidente vascular cerebral (AVC) nos 3 meses anteriores ou nos pacientes com sopros carotídeos (a menos que os exames da carótida com Doppler descartem uma estenose significativa da artéria carótida de modo convincente).[11]

Um ECG de 12 derivações deverá ser realizado em cada paciente que apresenta os sintomas de síncope.[9][35]

Avaliação de risco

As diretrizes de 2017 do American College of Cardiology/American Heart Association/Heart Rhythm Society (ACC/AHA/HRS) para a avaliação e tratamento de pacientes com síncope recomendam avaliar o risco de morbidade e mortalidade em curto prazo (até 30 dias após a síncope) e em longo prazo (até 12 meses de acompanhamento) em indivíduos que apresentam síncope no ambulatório ou pronto-socorro.[9]

Fatores de risco em curto prazo

  • Sexo masculino

  • Sem pródromo

  • Palpitações anteriores à perda da consciência

  • Síncope por esforço

  • Cardiopatia estrutural

  • Insuficiência cardíaca

  • Doença cerebrovascular

  • História familiar de morte súbita cardíaca

  • Trauma

  • Evidência de sangramento

  • Sinais vitais anormais persistentes

  • Troponina positiva.

Fatores de risco em longo prazo

  • Sexo masculino

  • Idade avançada

  • Ausência de náuseas/vômitos anteriores ao evento da síncope

  • Arritmia ventricular

  • Câncer

  • Cardiopatia estrutural

  • Insuficiência cardíaca

  • Doença cerebrovascular

  • Escore CHADS-2 elevado

  • Eletrocardiograma (ECG) anormal

  • Taxa de filtração glomerular anormal.

As diretrizes do ACC/AHA/HRS também consideram fatores associados ao risco intermediário, em que uma observação estruturada no pronto-socorro pode ser considerada:[9]

  • 50 anos de idade ou mais

  • História prévia de doença cardíaca

  • Dispositivo cardíaco sem evidência de disfunção

  • Achados eletrocardiográficos preocupantes

  • História familiar de morte súbita cardíaca precoce

  • Sintomas não consistentes com síncope mediada por reflexos.

Quando a causa da síncope não é clara e o paciente se enquadra no grupo de risco intermediário, o uso de um protocolo estruturado de observação do pronto-socorro pode ser eficaz como meio de reduzir a internação hospitalar.[9]

Preditores de desfechos adversos em curto prazo

Geralmente, apesar de uma anamnese e exame físico detalhados, nenhuma causa óbvia da síncope é identificada. Nesses casos, é importante identificar os pacientes com maior risco de desfechos graves em curto prazo.

Vários estudos tentaram identificar preditores de desfechos adversos em curto prazo em pacientes que procuram o PS, cuja investigação inicial não tenha revelado uma causa óbvia da síncope.[7][36][37]

Os pacientes considerados clinicamente com risco intermediário ou alto de disritmia ou morte súbita devem ser internados em uma unidade de internação, em uma unidade de observação ou em outra área monitorada. Embora a definição dos pacientes de alto e baixo risco não seja consistente entre os estudos, algumas características clínicas e diagnósticas conferem um risco mais baixo ou mais alto de desfechos adversos, incluindo disritmia.[36][37]

Os pacientes considerados de baixo risco são aqueles que apresentam síncope com idade mais jovem (<40 anos), síncope que ocorreu em posição ortostática, ou passando da posição supina/sentada para a posição ortostática, síncope desencadeada por uma situação dolorosa ou emocionalmente estressante, ou por tosse, micção ou defecação.[7][36]

Os pacientes com pré-síncope (pacientes que sentem que vão desmaiar, mas não desmaiam) apresentam riscos similares de desfechos adversos, quando comparados com pacientes com perda transitória da consciência, e devem ser tratados de maneira similar.[38]

Os pacientes que procuram o PS com síncope determinada como sendo de etiologia benigna (claramente vasovagal ou relacionada a desidratação) com investigação negativa no PS devem ser considerados para alta, independente da presença de outros fatores de risco.

Exames auxiliares

As investigações adicionais devem ser individualizadas, de modo que a investigação seja feita de maneira custo-efetiva e apropriada.[9]

O diagnóstico da síncope vasovagal baseia-se principalmente na história, no exame físico e na observação de testemunhas, se disponível, de modo que testes adicionais neste grupo podem não ser necessários em indivíduos saudáveis. No entanto, as características podem não ser típicas em idosos, o que torna o diagnóstico menos evidente.[9]

Exames de sangue podem ser úteis e precisam ser adaptados ao paciente em questão.[9] Na prática, é comum medir as enzimas cardíacas (por exemplo, troponina de alta sensibilidade) em todos os pacientes que chegam ao hospital com síncope, embora as diretrizes de 2017 do ACC/AHA/HRS recomendem fazer esse teste nas pessoas com sinais que sugiram infarto agudo do miocárdio, como dor torácica ou dispneia.[9]

O hemograma completo e o nível glicêmico são testes úteis como rotina. Em um grupo não selecionado de pacientes que chega ao pronto-socorro com síncope por qualquer motivo, o hematócrito <30% foi um preditor importante de eventos adversos.[39]

A uremia e anormalidades eletrolíticas podem causar convulsão, e os testes podem ajudar a fazer o diagnóstico nos pacientes cuja atividade convulsiva não possa ser descartada. Uma creatina quinase elevada também pode sugerir convulsões.

Nos pacientes com anemia, o exame de sangue oculto nas fezes deve ser considerado para avaliar o sangramento gastrointestinal oculto como uma possível causa da síncope. Para avaliar a presença de câncer colorretal, as diretrizes do Reino Unido e dos EUA relatam limiares de risco para a testagem dos pacientes sintomáticos.[40][41][42]​ O National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido recomenda certos testes imunoquímicos fecais quantitativos (FITs) para reconhecimento e encaminhamento dos pacientes com risco de câncer colorretal.[41][42]​​​​

Todas as mulheres sexualmente ativas e em idade fértil devem realizar um teste de gravidez. Exames toxicológicos da urina e do sangue são realizados em pacientes com alta suspeita clínica de abuso de álcool ou uso de substâncias ilícitas, bem como em pacientes sem causa óbvia de síncope na história e no exame físico.

A radiografia torácica pode ser útil como um parâmetro basal.[43]​ Ela é um exame inicial importante em algumas circunstâncias clínicas, como infarto do miocárdio, dissecção da aorta e úlcera péptica perfurada. Não há evidências que sugiram a indicação de exames de imagem avançados (como tomografia computadorizada [TC]), da ecocardiografia cardíaca funcional ou dos testes eletrofisiológicos na triagem dos pacientes de maneira rotineira.[44]

Em caso de suspeita de causa cardiovascular

Se houver suspeita de causa cardíaca ao ECG, a ecocardiografia transtorácica é realizada para se avaliar a presença de doença cardíaca orgânica.​[43]​ Um estudo retrospectivo realizado com adultos hospitalizados com síncope constatou que 44% dos pacientes com exame físico ou ECG anormais apresentaram um achado ecocardiográfico significativo, comparados com 10% dos pacientes com exame físico normal e um ECG normal.[45]

Pacientes com cardiopatia orgânica internados com, por exemplo, estudos eletrofisiológicos, monitores Holter e loop event recorder por 24 a 48 horas. Existem vários tipos de dispositivos de monitoramento cardíaco; a escolha é baseada na frequência e na natureza dos eventos sincopais.[9] Os estudos eletrofisiológicos podem ser considerados em pacientes selecionados nos quais houver suspeita de que a etiologia seja uma arritmia.

Em alguns pacientes, é necessário teste ergométrico ou cateterismo cardíaco para confirmar a presença de doença arterial coronariana. O teste ergométrico também pode ser usado em pacientes selecionados que relatarem síncope ou sintomas pré-sincopais associados a exercícios. No entanto, é necessária extrema cautela, e este teste só deve ser realizado em um ambiente adequado em que esteja disponível suporte avançado à vida.[9]

Nos pacientes com suspeita de mixoma atrial, a ecocardiografia transesofágica e a ressonância nuclear magnética (RNM) cardíaca são usadas para demonstrar o tumor. A TC de tórax com contraste é indicada para visualizar a parede da aorta anormal nos pacientes com dissecção da aorta. Uma ultrassonografia abdominal (juntamente com a bioquímica sérica) é realizada nas pessoas com suspeita de aneurisma de aorta abdominal roto. A ultrassonografia duplex é feita nas pessoas com suspeita de síndrome de roubo da subclávia.

A TC ou a RNM podem ser usadas se houver suspeita de uma causa cardíaca, mas a avaliação inicial não foi conclusiva. Se houver suspeita de cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito ou de sarcoidose cardíaca, a RNM pode ser considerada.[9] A angiografia do ventrículo direito também pode ser realizada se houver suspeita de cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito. A tomografia por emissão de pósitrons com 18F-fluordesoxiglucose pode ser considerada se houver suspeita de sarcoidose cardíaca.

Radiografia torácica, dímero D, angiografia pulmonar por TC, cintilografia ventilação/perfusão ou angiografia pulmonar são indicadas na suspeita de embolia pulmonar (EP). A escolha da investigação depende da probabilidade de EP e das comorbidades do paciente.

Se houver suspeita de uma causa neurológica (inclusive neuromediada)

O teste da mesa inclinável pode ser realizado em todos os pacientes jovens aparentemente saudáveis ou nos pacientes com síncope recorrente com suspeita de síncope neuromediada (vasovagal). Um teste da mesa inclinável positivo sugere uma tendência à síncope vasovagal, mas não fornece um diagnóstico definitivo.

O teste hemodinâmico e os testes de reflexo autonômico são realizados para avaliar a disautonomia.

A tomografia computadorizada (TC) de crânio é realizada em pacientes com deficits neurológicos ou trauma na cabeça após uma queda causada por síncope.[46]

Ressonância nuclear magnética (RNM), ultrassonografia da carótida por Doppler e angiografia por ressonância magnética são solicitadas para avaliar aterosclerose vertebrobasilar em pacientes com deficits neurológicos.

Se a convulsão não puder ser descartada, uma eletroencefalografia deve ser solicitada.

Se houver suspeita de uma causa obstétrica, gastrointestinal ou endócrina

A ultrassonografia transvaginal é realizada em gestantes para descartar gravidez ectópica. Um teste de gravidez urinário também pode ser acompanhado com gonadotrofina coriônica humana sérica.

Um hemograma completo e bioquímicas séricas são realizados em todos os pacientes com (suspeita de) hemorragia digestiva. Na hemorragia digestiva alta, a endoscopia digestiva alta pode demonstrar doença esofágica, gástrica ou duodenal subjacente, enquanto a colonoscopia é realizada nos casos de hemorragia digestiva baixa.

Testes laboratoriais adicionais para detectar os níveis de peptídeo C e de sulfonilureias são indicados nas suspeitas de hipoglicemia. Os pacientes com suspeita de doença de Addison requerem medição dos eletrólitos e do cortisol sérico matinal, do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH; teste de estimulação) e uma tomografia computadorizada abdominal.

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