Abordagem

Depois de descartar doenças com risco de vida associadas à urticária (ou seja, anafilaxia e obstrução das vias aéreas), a avaliação dos pacientes com urticária/angioedema em geral ocorre da seguinte maneira:

  • Determinar se urticária/angioedema é aguda (<6 semanas) ou crônica (≥6 semanas).

  • Realizar anamnese e exame físico abrangentes para determinar a etiologia mais provável. Existe maior probabilidade de se descobrir uma causa específica em pessoas com urticária aguda, enquanto a urticária crônica geralmente é idiopática em pessoas com história e exame físico normais.

  • Realizar testes diagnósticos, orientados por achados anormais/suspeitos na história e no exame físico.

História: aguda versus crônica

No caso de urticária aguda/angioedema, uma etiologia tem maior probabilidade de ser descoberta e tratada (ou de resolver-se sozinha no caso de infecções virais), permitindo a resolução da doença em até 6 semanas. Se a etiologia for equivocada, urticária/angioedema poderá persistir e se tornar crônica. Pacientes com urticária crônica/angioedema com história e exame físico normais têm probabilidade de apresentar doença idiopática, também conhecida como urticária espontânea crônica.[3]​​​​ Isso representa aproximadamente 80% a 90% dos indivíduos com urticária/angioedema.[1][16]

História: possível etiologia

Como quase todo estado patológico, de infecções a endocrinopatias, tem sido associado à patogênese da urticária/angioedema, a história e o exame físico iniciais devem buscar de forma abrangente a presença de alguma doença. Sinais e sintomas específicos ajudarão a apontar para a etiologia. Por exemplo, a etiologia da urticária em pacientes com rinorreia e tosse concomitantes provavelmente seria uma infecção viral.

A história deve levar em consideração as seguintes áreas.

  • Medicamentos e suplementos

    • Uma causa importante de urticária/angioedema.

    • Geralmente suscitada por meio de uma história médica abrangente; entretanto, os pacientes podem ter recuperação imediata insatisfatória e talvez sejam necessárias várias consultas. O uso de registros médicos eletrônicos pode ajudar.

    • Certifique-se de que as perguntas abordem suplementos de saúde, vitaminas e agentes alternativos, pois os pacientes muitas vezes acreditam que estes não são "medicamentos".

  • Alérgenos alimentares

    • Geralmente, alimentos causadores são temporariamente relatados, com erupções cutâneas ocorrendo minutos a horas depois da ingestão. Portanto, os médicos devem se concentrar nos alimentos consumidos próximo ao período de urticária/angioedema.

    • Alguns alimentos podem estar ocultos, como a soja usada como excipiente.

    • Os ingredientes dos alimentos devem ser estudados quanto a um agente comum presente no período das erupções, especialmente em refeições altamente processadas.

    • Um diário de alimentos e urticária pode ajudar.

  • Infecções

    • Infecções virais costumam ser identificadas com facilidade, especialmente em crianças.

    • Como há implicação de infecções ocultas nos casos de urticária/angioedema, deve-se obter uma história de rastreamento abrangente. Pergunte sobre infecções dentárias, de pele, gastrointestinais e geniturinárias, incluindo etiologias bacterianas e fúngicas.

    • Infecções assintomáticas, como hepatite, devem ser consideradas em pessoas de populações de alto risco (por exemplo, indivíduos de origem asiática).

  • Endocrinopatias

    • Qualquer sintoma/sinal de possíveis anormalidades endócrinas, especialmente doença tireoidiana, deve ser considerado.

  • Malignidades

    • Qualquer sinal/sintoma de possível malignidade deve ser considerado.

    • Se não houver sintomas nem sinais evidentes de transformação maligna, rastreamentos de malignidade adequados à idade deverão ser realizados (se já não tiverem sido realizados).

  • Doenças autoimunes

    • Quaisquer sintomas e sinais típicos de doença vascular do colágeno devem ser considerados.

    • Doenças autoimunes geralmente evoluem ao longo do tempo.

    • Quando há sintomas e sinais incompletos ou inespecíficos de síndromes específicas (por exemplo, fadiga ou artralgias), testes diagnósticos podem ser necessários, como velocidade de hemossedimentação, fatores antinucleares, fator reumatoide.

  • Urticárias físicas

    • Exposições a pressão, vibração, sol/calor/frio/água e exercícios podem provocar urticárias. A história deve ser direcionada para saber se esses fatores físicos parecem estar associados ao desenvolvimento de urticária/angioedema.

Essas etiologias são comuns para o desenvolvimento de urticária/angioedema, mas não são totalmente abrangentes. É necessária uma história clínica completa e abrangente, incluindo descrição detalhada da queixa inicial, da história médica pregressa, da história familiar, da história social, além de perguntas sistêmicas e perguntas relacionadas à qualidade de vida e ao impacto emocional da doença.[3]​​

Algumas doenças podem se manifestar com urticária/angioedema, mas não são classificadas como subtipos da urticária porque apresentam mecanismos fisiopatológicos um pouco diferentes.[3]​​ Da mesma maneira, diversas síndromes que podem apresentar pápulas não são consideradas um subtipo de urticária, mas relacionadas a ela. Essas doenças precisam ser consideradas no diagnóstico diferencial e incluem:[28][29][30]

  • Mastocitose cutânea (urticária pigmentosa)

  • Vasculite urticariforme

  • Síndromes autoinflamatórias (por exemplo, síndromes periódicas associadas à criopirina ou síndrome de Schnitzler)

  • Angioedema mediado por bradicinina (por exemplo, AEH)

  • reações transfusionais

  • Doença do soro.

Outras doenças de pele com erupções cutâneas que precisam ser diferenciadas da urticária incluem:

  • Erupções causadas por medicamento (observe que alergias a medicamentos podem resultar em urticária, mas erupções causadas por medicamento podem se apresentar em erupções cutâneas morbiliformes e mais persistentes)

  • Picadas de insetos (erupção cutânea papular)

  • Exantemas virais

  • Dermatite atópica

  • Dermatite de contato

  • Penfigoide bolhoso

  • Eritema multiforme[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Lesões em alvo palmaresDo acervo pessoal de Nanette Silverberg, MD [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@7aeb8767

  • Síndrome de Stevens-Johnson[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Síndrome de Stevens-Johnson: lesões-alvo e perda epidérmicaDo acervo pessoal do Dr. A. Kowal-Vern [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@5045afc3

  • Síndrome auriculotemporal.

Exame físico

Como uma grande variedade de estados patológicos está associada a urticária/angioedema, o exame físico deve ser completo e abrangente, para não deixar de considerar algum sinal de possível etiologia. Uma discussão extensiva de tais exames está além do escopo desta revisão, e as diretrizes atuais devem ser consultadas para se obter mais detalhes.​​[1]​​[3]​ As seguintes considerações são importantes ao realizar o exame físico em um paciente com urticária:

Exame da pele

  • As lesões cutâneas características se manifestam como vergões pruriginosos de início súbito da derme superficial, geralmente durando bem menos de 24 horas.[6] Normalmente, as lesões urticariformes embranquecem totalmente sob pressão ou diascopia. Não deveria ser observada nenhuma descamação ou sobreposição de camadas de pele, uma vez que se trata de um processo dérmico. É útil perguntar ao paciente se ele tem fotos das lesões caso não sejam visíveis no momento da avaliação. A urticária pode ser acompanhada por angioedema, um edema da derme e dos tecidos mais profundos. Isso pode resultar em induração sem cor e não depressível dos membros, lábios e genitais.[31]

Diferenciação de vasculite urticariforme/mastocitose cutânea

  • Em um paciente com urticária típica, os grupos individuais de lesões de urticária devem ser pruriginosos, esbranquiçados e remitir dentro de 24 horas. Eles podem reaparecer em outra localização em breve, mas a pele subjacente deve permanecer normal após a remissão. A vasculite urticariforme (uma forma de vasculite cutânea caracterizada por inflamação dos pequenos vasos sanguíneos) e a mastocitose cutânea (uma doença que envolve números anormalmente altos de mastócitos na pele) devem ser consideradas se as lesões apresentarem as seguintes características atípicas:

    • Persistirem por mais de 24 horas

    • Tiverem mais uma sensação de ardência ou dor

    • Não ficar esbranquiçado com pressão sobre a pele

    • Deixarem uma área pigmentada após a resolução.

  • Nesses casos, podem ser necessárias uma biópsia e uma investigação diagnóstica adicional para detectar uma possível doença sistêmica associada, como doenças reumatológicas e mastocitose, caracterizada pela infiltração de mastócitos em um ou mais órgãos extracutâneos (mastocitose sistêmica). Procure orientações de um especialista em relação às investigações adequadas para o diagnóstico da mastocitose sistêmica.[12]

  • É importante ressaltar que pode ser difícil distinguir os edemas urticariformes da mastocitose cutânea. A mastocitose de início precoce com áreas localizadas de agregados de mastócitos na pele pode se manifestar com lesões urticariformes únicas (mastocitomas), várias lesões com hiperpigmentação sobreposta (urticária pigmentosa) ou mastocitose difusa.[12][13] O sinal de Darier (urticação após pressão) é comum nas lesões da mastocitose.[11] A mastocitose da infância pode ser acompanhada da formação de vesículas. Em adultos, as lesões geralmente consistem em pápulas ou máculas pequenas de cor vermelha a marrom, podendo, porém, ser acompanhadas de telangiectasias.

Dermografismo

  • Ocorrência de vergões na pele minutos após um arranhão agudo superficial. O dermografismo ocorre em 2% a 5% da população geral normal sem nenhuma doença de pele.[32][33][34]​​[Figure caption and citation for the preceding image starts]: DermografismoWikipedia Commons; por JAguayo18 (CC BY-SA 4.0) [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@11bf1cca No entanto, ele está associado a:

    • Urticária física

    • Dermatite atópica

    • Urticária espontânea crônica.

Investigações: urticária aguda

Na maioria dos casos de urticária aguda/angioedema, história e exame físico cuidadosos suscitam o diagnóstico. Não é recomendável realizar testes diagnósticos de rotina.[3]​​ Por exemplo, se for consumido amendoim 10 minutos antes do início da erupção cutânea e do edema, ou uma criança desenvolver sinais e sintomas de infecção no trato respiratório superior seguida por uma erupção cutânea urticariforme, a história indicará a etiologia provável. Na maioria desses pacientes, a urticária/angioedema remite após a resolução da doença ou com a evitação do alérgeno.

Uma avaliação diagnóstica deve ser solicitada de forma direcionada, orientada por anormalidades encontradas na história e no exame físico. Por exemplo, pacientes com história suspeita de urticária/angioedema induzido por alimentos podem obter benefícios com a realização de exame de imunoglobulina E (IgE) específico in vitro ou teste cutâneo com os alimentos causadores suspeitos.

Em geral, o exame in vitro e o teste cutâneo para alergias alimentares têm excelente valor preditivo negativo, e testes negativos em geral descartam alergia alimentar. Testes positivos, a menos que apresentem valor extremamente alto, em geral têm valor preditivo positivo de aproximadamente 50%.[35]​ Eles sugerem meramente a possibilidade de alergia alimentar, a qual deve ser confirmada com a eliminação do alimento seguida por teste de desafio, com resolução e reaparecimento da urticária, respectivamente.

Não existem testes validados para alergias a medicamentos, exceto para penicilina. Muitas vezes, é necessária a eliminação do medicamento suspeito para diagnóstico da alergia a medicamentos.

O teste rápido de detecção do antígeno estreptocócico pode ajudar na avaliação da urticária associada a sintomas de faringite.

Encaminhamento a um especialista

A testagem diagnóstica é importante nos pacientes com sinais e sintomas sugestivos de doença sistêmica grave, como endocrinopatias, neoplasias e doença autoimune. Nesses casos, deve-se encaminhar o paciente aos especialistas apropriados. Por exemplo, pacientes com urticária e artrite, feridas bucais e alopecia devem ser examinados quanto a lúpus eritematoso sistêmico (fator antinuclear [FAN], velocidade de hemossedimentação [VHS], dsDNA etc.) e encaminhados a um reumatologista. Testes de rotina para essas patologias entre os pacientes com urticária com história e exame físico normais geralmente têm precisão muito baixa.

É recomendável encaminhar a um dermatologista para realizar biópsia de pele os pacientes cujas lesões apresentam características anormais (por exemplo, aquelas que persistem por mais de 24 horas, com sensação de ardência e que deixam áreas pigmentadas) para descartar vasculite urticariforme ou mastocitose.

Investigações: urticária crônica

Semelhante à urticária aguda, qualquer estudo diagnóstico deve ser direcionado para ajudar a confirmar a etiologia, dependendo de achados na história e no exame físico. Uma biópsia deverá ser considerada se as lesões da urticária forem atípicas.

Aproximadamente 80% a 90% dos pacientes com urticária crônica acompanhada por história e exame físico abrangentes normais apresentam urticária espontânea crônica (antes conhecida como urticária idiopática crônica).[1][16]​​​ Desses casos, até metade pode ter um anticorpo antirreceptor de imunoglobulina E (IgE) resultando na liberação crônica de mediadores mastocitários.[4][17][18]​​​[19]​​​​ Portanto, uma história detalhada e um exame físico podem ser suficientes para descartar etiologias exógenas.

Somente medidas diagnósticas de rotina muito limitadas são recomendadas nos casos de urticária espontânea crônica.[3]​​ Essas medidas podem não ser necessárias em alguns pacientes, mas podem ser usadas para descartar causas subjacentes.[1]

Esses testes iniciais de rotina podem incluir:

  • Hemograma completo com diferencial

  • Bioquímica sérica, incluindo testes da função hepática

  • Velocidade de hemossedimentação (VHS)

  • Urinálise

  • Estudos da tireoide.

A escolha da investigação pode variar de acordo com a instituição. Embora esses exames não descartem completamente todas as doenças graves, eles são um rastreamento para infecção crônica, parasitas, endocrinopatias, doença autoimune e algumas neoplasias, especialmente quando usados em conjunto com uma história e um exame físico detalhados. Os resultados normais também fornecem tranquilização ao paciente que possa requerer quantidades significativas de medicação para suprimir a doença cutânea.

As ferramentas de avaliação para urticária espontânea crônica incluem o Urticaria Activity Score (UAS7), que analisa o grau de prurido e comichão ao longo de 7 dias. Ele é um questionário simples, com escores possíveis entre 0 e 6 por dia e entre 0 e 42 por semana. O escore semanal resultante pode ser usado para se acompanhar a atividade da doença e a eficácia da terapia em andamento para a urticária espontânea crônica.[36][37]

Urticária física (induzível)

Testes diagnósticos não costumam ser necessários para pacientes com urticária nos quais estímulos físicos seguramente provocam doença cutânea. Às vezes, quando o diagnóstico não é aparente ou a resposta ao tratamento é inadequada, testes de desafio físico podem ser realizados.[4] Eles são conduzidos melhor por médicos ou centros especializados.

  • Urticária por pressão: provocar urticária em resposta a pressão após aplicação de peso.

  • Urticária solar: provocar urticária após exposição a luz de vários comprimentos de onda e à luz solar natural.

  • Urticária por vibração: provocar urticária após exposição laboratorial a um agitador em vórtice.

  • Urticária aquagênica: provocar urticária após aplicação de compressa úmida.

  • Urticária induzida pelo frio: provocar urticária após aplicação de cubo de gelo.

  • Urticária colinérgica: provocar urticária após aumento da temperatura central e/ou após injeção intradérmica de metacolina (taxa elevada de falso-negativos).

  • Dermografismo: provocar urticária após arranhar a pele.

Consideração especial de pacientes com angioedema sem urticária

Os pacientes com angioedema sem urticária precisam ser rastreados para angioedema hereditário (AEH).[1] A medição dos níveis de complemento 4 (C4) é custo-efetiva.

Os pacientes com formas hereditárias e adquiridas de angioedema, incluindo o consumo de inibidor de C1 por neoplasias malignas e doenças autoimunes, apresentam universalmente níveis baixos de C4. É possível obter quantificação adicional e a função do inibidor C1 se o C4 estiver baixo. O AEH pode ser classificado, de maneira ampla, em dois tipos: AEH por deficiência de C1INH (AEH C1INH) ou AEH com C1INH normal (AEH-nl-C1INH).[26]​ O angioedema adquirido decorrente de um processo paraneoplásico resulta em níveis anormais de C1q.

Existem outras formas de angioedema sem urticária com qualidade/função normal do inibidor C1 e C4 normal causado por superexpressão da bradicinina. Não há testes específicos para esses pacientes, e o diagnóstico geralmente é confirmado com um ensaio clínico do inibidor da bradicinina. Em geral, esses pacientes, especialmente aqueles nos quais o edema é grave ou envolve as vias aéreas, devem ser tratados por médicos com experiência nesta área.

Abordagem da diretriz europeia quanto à avaliação da urticária e do angioedema

Orientações da European Academy of Allergy and Clinical Immunology (EAACI), a rede de excelência financiada pela UE, da Global Allergy and Asthma European Network (GA2 LEN), do European Dermatology Forum (EDF) e da World Allergy Organization (WAO) foram usadas para criar um algoritmo diagnóstico para pacientes que apresentam pápulas, angioedema ou ambos.[3]

Os profissionais de saúde devem obter a história completa, realizar um exame físico, e testes de provocação (inclusive para medicamentos, alimentos) conforme indicados pela história.​[3]

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