Considerações de urgência
Ver Diferenciais para obter mais detalhes
Algumas complicações da diarreia aguda exigem avaliação e tratamento urgentes.
Depleção de volume e distúrbios eletrolíticos
Essas são as complicações mais comuns da diarreia aguda. Crianças e idosos têm alto risco de desenvolvê-las. No caso das crianças, o cuidador pode não conseguir suprir a perda de líquidos rápido o suficiente. A depleção de volume manifesta-se por aumento na sede, menor volume urinário e urina escura, incapacidade de suar e sintomas ortostáticos. Em casos graves, ela pode levar a insuficiência renal aguda e a alterações psicológicas (confusão e torpor). A cólera gravis nas infecções por Vibrio cholerae pode causar depleção de volume grave, distúrbios eletrolíticos e arritmias. A hidratação imediata é necessária, utilizando-se solução de baixa osmolaridade para reidratação oral ou fluidoterapia intravenosa isotônica em caso de dificuldades de ingestão oral ou nasogástrica.[5] Nas crianças, recomenda-se um suplemento de zinco como adjuvante na reidratação oral.[49] O uso do agente antissecretor racecadotrila como adjuvante à solução de reidratação oral demonstrou diminuir o débito fecal de forma segura, quando estudado em crianças até a idade de 10 anos.[7]
Perfuração do cólon
Ocorre principalmente em lactentes ou em pacientes gravemente desnutridos e pode ser observada em infecções por Clostridioides difficile, Salmonella e Shigella.[50] A cirurgia de urgência é o tratamento de primeira escolha.
Megacólon tóxico
A patogênese dessa complicação não é clara; ela ocorre em situações de pancolite. O uso de antibióticos de amplo espectro pode levar a uma infecção causada por C difficile, com complicações associadas tais como megacólon tóxico, sepse, perfuração e morte. O megacólon tóxico também pode ser observado em infecções por Shigella, citomegalovírus (CMV) ou Yersinia, bem como colite ulcerativa e doença de Crohn.[51] Em pacientes com colite ulcerativa, o megacólon tóxico pode ser desencadeado por infecções sobrepostas. O tratamento consiste em terapia de suporte com fluidoterapia intravenosa, repouso intestinal e nutrição parenteral total. É feita uma terapia-alvo específica com foco na etiologia subjacente, como terapia com corticosteroides em caso de colite ulcerativa, agentes antivirais na colite por CMV e antibióticos ativos contra C difficile, ou colectomia em infecção por C difficile.
Obstrução intestinal e complicações
A obstrução intestinal pode ocorrer em infecções por Shigella e por helmintos ou em infecções oportunistas em pacientes com síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS). A doença de Crohn também pode apresentar obstrução aguda e perfuração intestinal, peritonite e formação de abscesso intra-abdominal. Os sintomas são dor em cólica, náusea, vômitos e distensão abdominal. O tratamento consiste em sucção nasogástrica, jejum e fluidoterapia intravenosa. Antiparasitários e antibióticos podem ser necessários, e cirurgia é considerada caso o paciente não responda aos tratamentos clínicos.
Complicações em outros órgãos, bacteremia e sepse
A bacteremia e a sepse podem ocorrer em infecções graves. A microbiota normal pode se deslocar do epitélio colônico inflamado para a corrente sanguínea. Endocardite e osteomielite podem complicar a infecção por Salmonella. Miocardite, glomerulonefrite, insuficiência hepática, peritonite e apendicite supurativa podem complicar a infecção por Yersinia. A Yersinia também pode ser confundida com apendicite aguda. A infecção por C difficile pode levar a necrose intestinal profunda, falência múltipla de órgãos e morte. O tratamento com antibióticos e cuidados de suporte são indicados em casos de diarreia infecciosa grave, sobretudo em caso de complicações adicionais. Especificamente, a ressecção do cólon é às vezes necessária em caso de necrose intestinal grave induzida por C difficile.
A sepse é um espectro de doença na qual existe uma resposta sistêmica e desregulada do hospedeiro a uma infecção.[52] A apresentação varia desde sintomas sutis e inespecíficos (por exemplo, indisposição com temperatura normal) a sintomas graves com evidências de disfunção de múltiplos órgãos e choque séptico. É importante considerar a possibilidade de sepse em qualquer paciente com sintomas ou sinais que indiquem uma possível infecção (por exemplo, diarreia aguda).[53] Os pacientes podem apresentar sinais de taquicardia, taquipneia, hipotensão, febre ou hipotermia, enchimento capilar lentificado, pele manchada ou pálida, cianose, estado mental recém-alterado, débito urinário reduzido.[53] A sepse e o choque séptico são emergências médicas.
Os fatores de risco para sepse incluem: idade abaixo de um ano, idade acima de 75 anos, fragilidade, imunidade prejudicada (devido a doença ou medicamentos), cirurgia ou outros procedimentos invasivos recentes, qualquer violação da integridade da pele (por exemplo, cortes, queimaduras), uso indevido de drogas intravenosas, acessos venosos ou cateteres, gravidez ou gravidez recente.[53]
O reconhecimento precoce da sepse é essencial porque o tratamento precoce melhora os desfechos.[53][54][Evidência C][Evidência C] Contudo, a detecção pode ser desafiadora porque o quadro clínico da sepse pode ser sutil e inespecífico. Portanto, é importante um limiar baixo para se suspeitar de sepse. A chave para o reconhecimento precoce é a identificação sistemática de qualquer paciente que tenha sinais ou sintomas sugestivos de infecção e esteja em risco de deterioração devida a disfunção orgânica. Várias abordagens de estratificação do risco foram propostas. Todas contam com uma avaliação clínica estruturada e o registro dos sinais vitais do paciente.[53][55][56][57][58]É importante consultar as orientações locais para obter informações sobre a abordagem recomendada pela sua instituição. A cronologia das investigações e tratamentos deve ser orientada por essa avaliação inicial.[57]
A Surviving Sepsis Campaign produziu diretrizes de tratamento que constituem ainda hoje o padrão mais amplamente aceito.[54][59] O tratamento recomendado para os pacientes com suspeita de sepse é:
Mensurar o nível de lactato e realizar novamente a medição caso o lactato inicial esteja elevado (>2 mmol/L)
Obtenha hemoculturas antes de administrar antibióticos
Administrar antibióticos de amplo espectro (com cobertura para Staphylococcus aureus resistente à meticilina [MRSA], se houver alto risco de MRSA) para os adultos com possível choque séptico ou alta probabilidade de sepse
Para os adultos com sepse ou choque séptico com alto risco de infecção fúngica deve-se administrar terapia antifúngica empírica
Comece uma administração rápida de cristaloides se houver hipotensão ou um nível de lactato ≥4 mmol / L. Consulte os protocolos locais
Administre vasopressores por via periférica se o paciente estiver hipotenso durante ou após a ressuscitação fluídica para manter uma pressão arterial média (PAM) ≥65 mmHg, em vez de protelar o início até que um acesso venoso central esteja assegurado. A noradrenalina é o vasopressor de primeira escolha
Para os adultos com insuficiência respiratória hipoxêmica induzida por sepse deve-se administrar oxigênio nasal de alto fluxo
Idealmente, essas intervenções devem começar na primeira hora após a identificação da sepse.[59]
Para pacientes com possível sepse sem choque, se a preocupação relativa à infecção persistir, deve-se administrar antibióticos até 3 horas após o reconhecimento inicial de sepse.[54] Para os adultos com baixa probabilidade de infecção e sem choque, os antibióticos podem ser postergados e pode-se continuar monitorando o paciente rigorosamente.[54]
Para obter mais informações sobre sepse, consulte Sepse em adultos e Sepse em crianças.
Problemas neurológicos
Convulsão é a complicação neurológica mais comum. É uma complicação bastante reconhecida da infecção por Shigella. Pode-se observar encefalopatia com letargia, confusão e cefaleia. Obnubilação mental ou coma e sinais neurológicos anormais, incluindo alterações na postura, são raros. Em casos de encefalopatia fatal, autópsias revelaram edema cerebral. Podem ocorrer delirium e coma nas infecções por Salmonella. A síndrome de Guillain-Barré pode ser observada como uma complicação tardia na enterite por Campylobacter. A infecção por Listeria pode causar meningite.
Artrite reativa
A artrite reativa pode ser observada sozinha ou associada a conjuntivite e uretrite, uma tríade anteriormente denominada doença de Reiter.[60] Ela pode ser observada em infecções por Shigella, Salmonella, Campylobacter e Yersinia. Essa artrite é uma artrite inflamatória estéril. Geralmente, o tratamento é de suporte, com medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais.
Síndrome hemolítico-urêmica (SHU) e púrpura trombocitopênica trombótica (PTT)
A SHU se apresenta com hemólise e insuficiência renal aguda, enquanto a PTT se apresenta com febre, anemia hemolítica, trombocitopenia, insuficiência renal e alterações neurológicas. Elas podem ocorrer em infecções entero-hemorrágicas por E coli e, com menor frequência, por Shigella, principalmente em crianças pequenas e adultos mais velhos expostos a antibióticos e agentes antidiarreicos. Também foram relatados casos raros de SHU por Campylobacter e Aeromonas. O tratamento é de suporte, mas a plasmaférese e os glicocorticoides podem ser considerados. Os antibióticos devem ser evitados em infecções decorrentes de E coli entero-hemorrágica, pois não é claro se eles aumentam o risco de SHU.[20]
Necrose hepática
Está raramente associada à infecção por Bacillus cereus.[61]
Enterite necrosante
O Clostridium perfringens pode causar enterite necrosante.[62]
Infecção por Listeria na gestação
Deve-se suspeitar de listeriose em gestantes com exposição presuntiva à Listeria com base na ingestão de alimentos de alto risco, como laticínios não pasteurizados, frutas não lavadas, salsichas ou embutidos aquecidos de forma inadequada e sintomas (incluindo mialgia, dor abdominal ou dorsalgia, náuseas, vômitos ou diarreia com ou sem febre ≥38.1 °C [100.6 °F]). A incidência de listeriose associada à gravidez é aproximadamente 10 a 20 vezes maior do que na população em geral e é diagnosticada mais comumente durante o terceiro trimestre.[63][64] Os desfechos da infecção por Listeria em gestantes geralmente são bons, mas podem levar à morte fetal, nascimento prematuro ou neonatos infectados. Foi demonstrado que o tratamento precoce melhora os desfechos fetais e neonatais; consulte os protocolos locais para obter orientação.[64]
Gangrena intestinal
A colite isquêmica pode resultar em gangrena intestinal. O paciente pode desenvolver depleção de volume grave e choque, exigindo intervenção cirúrgica.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal