Abordagem
O diagnóstico e o diagnóstico diferencial se baseiam consideravelmente na história do paciente. A maioria dos casos de diarreia aguda é autolimitada, não sendo necessárias avaliações adicionais. No entanto, o American College of Gastroenterologists (ACG) destaca que esta abordagem pode ser uma barreira para fornecer terapias direcionadas adequadas que podem resultar em mais rapidez na resolução dos sintomas e, possivelmente, prevenir complicações após a infecção.[2] Na prática, muitos centros não têm acesso a testes rápidos preconizados pelo ACG.
O exame diagnóstico é indicado em casos de diarreia grave (hipovolemia, diarreia volumosa/hemorrágica, febre), diarreia persistente e pacientes idosos ou imunocomprometidos.[2][5]
História
Na vasta maioria dos pacientes, o diagnóstico de diarreia aguda é feito exclusivamente com base na história e em exames físicos, pois é impraticável coletar e pesar as fezes expelidas ao longo de 24 horas. Uma definição clinicamente pertinente de diarreia é a passagem de três ou mais fezes soltas ou líquidas por 24 horas, ou mais frequentemente do que o normal para o indivíduo. O exame físico e uma avaliação adequada da história são muito úteis na identificação da causa específica da diarreia e na decisão quanto à necessidade de avaliações laboratoriais ou endoscópicas. As características da diarreia podem fornecer pistas para o diagnóstico. Pontos específicos da história incluem os seguintes:
Início da diarreia. Sintomas que se iniciam em até 6 horas após a ingestão de alimentos contaminados sugerem que a causa seja uma toxina pré-formada de Staphylococcus aureus ou de Bacillus cereus.
Aumento na frequência das fezes. A diarreia decorrente de causas infecciosas tende a ser mais frequente.
Quantidade de fezes. A diarreia induzida por toxinas tende a ser volumosa (por exemplo, cólera), e a diarreia osmótica costuma ter menor volume.
Consistência das fezes. A diarreia aquosa tende a estar associada a patógenos não invasivos e produtores de toxinas.
Sangue nas fezes. Sugestivo de patógenos invasivos ou inflamação grave (por exemplo, colite ulcerativa).
Muco ou pus nas fezes. Geralmente, são observados quando há envolvimento do cólon com processos inflamatórios ou patógenos infecciosos.
Febre. Quando presente, sugere infecção por bactérias invasivas (por exemplo, Salmonella, Shigella ou Campylobacter), vírus entéricos ou um organismo citotóxico, como Clostridioides difficile ou Entamoeba histolytica.
Viagem recente. Uma história de viagem a regiões endêmicas pode apontar para um patógeno específico. Infecções por Giardia, Cryptosporidium e Cyclospora podem ocorrer na Rússia, no Nepal, no leste europeu ou em regiões montanhosas.
Uma história alimentar com ingestão recente de certos tipos de alimento (carne, frutos do mar, ovos, laticínios) e água (água de poço artesiano), piqueniques recentes ou churrascos pode sugerir causas infecciosas (por exemplo, Campylobacter, Salmonella, Shigella, Escherichia coli ou C difficile).
Exposição a animais de estimação ou gado.
Sintomas associados. Dor abdominal (por exemplo, organismos invasivos), náusea (por exemplo, Cryptosporidium), vômitos (por exemplo, toxinas pré-formadas), distensão abdominal, flatulência (por exemplo, Giardia), febre, tenesmo (colite do lado esquerdo), coceira no ânus.
Medicamentos, mais especificamente o uso recente de antibióticos ou laxantes.
História médica ou cirúrgica.
História social. Práticas sexuais, uso de drogas e de bebidas alcoólicas.
História ocupacional. Funcionários de creches, hospitais, instituições psiquiátricas e asilos podem ser expostos a Giardia, Cryptosporidium e norovírus.
Exame físico
O exame físico é utilizado para avaliar a gravidade da diarreia, mas dificilmente ajuda a determinar sua causa. Na maioria dos pacientes, a diarreia é uma doença autolimitada, por isso, o exame físico pode ter resultados completamente normais.
Parâmetros importantes que podem auxiliar na avaliação do equilíbrio hídrico incluem:
Aparência geral do paciente (isto é, se mal ou bem de saúde e estado nutricional)
Pulso
Turgor cutâneo
Se as membranas mucosas parecem secas ou não
Tempo de enchimento capilar (geralmente <3 segundos, mas pode aumentar em caso de desidratação)
Pressão arterial
Alterações ortostáticas (por exemplo, hipotensão ortostática sintomática).
Um cuidadoso exame abdominal pode fornecer pistas para alguns diagnósticos. Os pacientes podem apresentar ruídos hidroaéreos frequentes, normais ou ausentes, desconforto abdominal localizado ou generalizado, dor à descompressão brusca, distensão abdominal, hepatomegalia (na infecção por Salmonella, no abscesso hepático amebiano) ou no achado de uma massa abdominal.
O exame retal pode ajudar a caracterizar as fezes e seu conteúdo, a detectar a presença de muco e sangue oculto nas fezes.
Indicações para o exame diagnóstico
É necessária uma relação de trabalho próxima entre o médico e o infectologista para determinar a melhor aplicação de exames laboratoriais em casos de diarreia aguda.[65] De acordo com o American College of Gastroenterology, a avaliação diagnóstica é indicada para pacientes com doença relativamente grave, sugerida pela presença de um ou mais dos seguintes fatores:[2]
Disenteria
Doença moderada a grave (grave = total incapacidade devida à diarreia; moderada = capaz de exercer atividades, mas com mudanças forçadas)
Duração dos sintomas >7 dias
Com alto risco de disseminar a doença para outras pessoas
De acordo com as diretrizes para o manejo da diarreia em crianças com ou sem vômitos, o exame diagnóstico é indicado em um ou mais dos seguintes casos:[66]
História de sangue nas fezes, com ou sem muco
Combinação de diarreia súbita com mais de 4 evacuações por dia e ausência de vômitos antes da diarreia
Temperatura >40 °C (104 °F)
Cinco ou mais evacuações nas 24 horas anteriores
Indisposição sistemática, diarreia intensa ou prolongada
História sugestiva de intoxicação alimentar
História de viagem recente ao exterior
Exames de fezes
A pesquisa de leucócitos fecais é um dos exames iniciais em caso de suspeita de diarreia inflamatória. A sensibilidade e a especificidade da pesquisa de leucócitos fecais para detecção de diarreia inflamatória são de 73% e 84%, respectivamente.[67] Resultados falso-negativos e falso-positivos são possíveis. A presença de leucócitos fecais e um exame positivo de sangue oculto confirmam o diagnóstico de diarreia invasiva ou inflamatória, como a doença inflamatória intestinal.[68] Embora a pesquisa de leucócitos fecais seja recomendada rotineiramente como um teste inicial para avaliação da diarreia aguda, ela é feita apenas raramente, em função de sua baixa especificidade.
Os testes de lactoferrina fecal foram desenvolvidos em resposta às limitações da pesquisa de leucócitos fecais. A sensibilidade e a especificidade desse teste variam de 90% a 100% na diferenciação entre diarreia inflamatória (colite bacteriana, doença inflamatória intestinal) e não inflamatória (síndrome do intestino irritável).[69] Calprotectina é outro marcador de inflamação e pode ajudar a distinguir doença inflamatória intestinal de transtornos funcionais.[69][70]
A coprocultura, que quase sempre testa a presença de E coli, Campylobacter, Shigella, Salmonella e Yersinia (se solicitado especificamente), geralmente é feita nas seguintes circunstâncias:[65]
Paciente imunocomprometidos, inclusive portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV)
Pacientes com múltiplas comorbidades
Pacientes com diarreia inflamatória grave (diarreia hemorrágica)
Pacientes com doença inflamatória intestinal subjacente, em quem a distinção entre exacerbação da doença e infecção sobreposta é crucial
A pesquisa de leucócitos fecais é positiva
Alguns trabalhadores, como os que manuseiam alimentos, que às vezes necessitam de coproculturas negativas para retornarem ao trabalho
Investigações de surtos
Exames para detecção de ovos e parasitas nas fezes raramente são úteis no início da avaliação da diarreia aguda, mas podem ser úteis em casos de diarreia persistente (com duração de 14 a 30 dias). Indicações específicas para a obtenção de amostras de fezes para a detecção de ovos e parasitas em pacientes com diarreia persistente incluem:
História - sugere infecção com um parasita específico
Após viagem a áreas endêmicas ou em desenvolvimento
Exposição a bebês em creches (associada a Giardia e Cryptosporidium)
Homens que fazem sexo com homens ou pacientes com AIDS (associada a Giardia, Cryptosporidium, Entamoeba histolytica e vários outros parasitas)
Um surto na comunidade causado por água contaminada (associado a Giardia e Cryptosporidium)
Diarreia hemorrágica com pouca ou nenhuma quantidade de leucócitos fecais (associada a amebíase intestinal)
O exame de fezes para detecção de antígenos de Giardia e Cryptosporidium é mais sensível que o exame para detecção de ovos e parasitas e deve ser solicitado se houver suspeita de infecção por algum desses patógenos com base na história.
Os testes para C difficile detectam o próprio organismo (isto é, teste de amplificação de ácido nucleico [NAAT], como reação em cadeia da polimerase das fezes, ensaio imunoenzimático para glutamato desidrogenase [GDH] ou cultura toxigênica) ou suas principais toxinas (isto é, ensaios imunoenzimáticos das toxinas A e B, ensaio de neutralização da citotoxicidade de cultura celular) diretamente nas fezes. A testagem molecular, o método diagnóstico mais comum utilizado, não diferencia entre infecção e colonização. É altamente sensível com especificidade baixa/moderada.[71] As coproculturas são o exame mais sensível disponível, mas exigem muito trabalho, um ambiente de cultura apropriado e leva de 48 a 96 horas para que resultados sejam obtidos. Elas normalmente não são usadas na prática.[72]
No interesse de uma boa administração diagnóstica, recomenda-se que os exames para C difficile sejam limitados a pacientes com novo episódio de diarreia inexplicável (definida como 3 ou mais evacuações de fezes não formadas em 24 horas) que não tenham recebido laxantes nas últimas 48 horas; no entanto, essa recomendação é baseada em evidências de qualidade muito baixa.[71]
Se os profissionais do hospital e do laboratório concordarem quanto a esses critérios de envio de fezes, o NAAT isoladamente é recomendado, pois é o método diagnóstico mais sensível nas amostras de fezes dos pacientes que tiverem mais probabilidade de apresentar infecção por C difficile com base nos sintomas clínicos.
No entanto, se não houver critérios institucionais pré-acordados para o envio das fezes do paciente, um teste de toxina fecal como parte de um algoritmo de várias etapas é recomendado (por exemplo, GDH associado a toxina; GDH associado a toxina arbitrado por NAAT; ou NAAT associado a toxina) em vez do NAAT isolado.
A repetição do teste não deve ser realizada em até 7 dias durante o mesmo episódio de diarreia, e os pacientes assintomáticos não devem ser testados.
Diretrizes europeias para os exames para C difficile recomendam um algoritmo de duas etapas, começando com um teste altamente sensível (por exemplo, NAAT ou ensaio imunoenzimático de GDH) e, se possível, confirmação com um teste altamente específico (ensaio imunoenzimático de toxina A/B). Como alternativa, amostras podem ser examinadas com um ensaio imunoenzimático de GDH e toxina A/B.[73]
Os testes de reação em cadeia da polimerase multiplex foram desenvolvidos e usados para proporcionar uma identificação mais rápida e mais ampla de patógenos virais, bacterianos e protozoários. Atualmente, estes avanços tecnológicos são utilizados com frequência, embora ainda não estejam disponíveis em alguns cenários, apesar da capacidade de diagnosticarem infecções gastrointestinais com mais rapidez e sensibilidade do que outros exames. Apesar de os testes de reação em cadeia da polimerase Multiplex aumentarem o rendimento diagnóstico, há algumas desvantagens; a significância dos organismos detectados por estes testes nem sempre é clara no caso, por exemplo, de portadores assintomáticos de possíveis patógenos, identificação de vários organismos e sua incapacidade de discriminar entre organismos viáveis e não viáveis. Além disso, ainda é necessário realizar a microscopia para identificar alguns helmintos e protozoários intestinais em ambientes tropicais.[74] Esses exames diagnósticos não dependentes de cultura e microscopia são recomendados como adjuvante aos métodos de diagnóstico mais tradicionais.[2] Além disso, há dados limitados disponíveis sobre a relação custo-benefício do uso de painéis múltiplos gastrointestinais como a única ferramenta de diagnóstico.
Podem ser realizados testes de triagem para laxantes quando houver suspeita de uso ou uso indevido de laxantes.
Na avaliação da diarreia aguda, o peso fecal, o nível de eletrólitos e o gap osmótico raramente são examinados, ou nunca o são. A gordura fecal também não costuma ser muito útil.
Exames de sangue
Os exames diagnósticos que podem ser considerados na avaliação diagnóstica da diarreia aguda em pacientes com doença grave são os seguintes:
Hemograma completo. Pode ser útil na avaliação da gravidade da diarreia (investiga a presença de hemoconcentração, anemia e leucocitose com desvio à esquerda).
Perfil bioquímico sérico. Eletrólitos, nitrogênio ureico e creatinina (investiga a presença de hipocalemia, acidose e disfunção renal). Níveis séricos de albumina e ácido lático (investiga a presença de baixos níveis de albumina ou níveis elevados de ácido lático)
Testes de anticorpos. Pode ser considerado para doença inflamatória intestinal como adjuvante à avaliação endoscópica e radiográfica.
Estudos radiológicos
Estudos radiológicos não são necessários em todos os pacientes. Estudos incluindo radiografia abdominal, ou tomografia computadorizada (TC) do abdome e da pelve, são úteis para identificar algumas complicações da diarreia aguda, como íleo paralítico, perfuração ou megacólon.
O megacólon tóxico ou perfuração pode ser encontrado em pacientes com infecção por C difficile ou Yersinia, colite ulcerativa ou doença de Crohn.
Avaliação endoscópica
Se todos os outros testes forem negativos, a intervenção endoscópica (isto é, proctoscopia, sigmoidoscopia flexível, colonoscopia, endoscopia digestiva alta, ou videoendoscopia por cápsula) ajudará na visualização do trato gastrointestinal e na obtenção de biópsia (para histologia e cultura) e também de fluidos para análise e cultura. Em pacientes imunocomprometidos, deve-se optar pela realização de colonoscopia em vez de sigmoidoscopia.[75] A endoscopia pode ser considerada para as seguintes finalidades:
Distinguir a doença inflamatória intestinal da diarreia infecciosa.
Diagnosticar rapidamente a infecção por C difficile, pela presença de uma pseudomembrana; o uso disseminado do ensaio de imunoadsorção enzimática para detecção das toxinas A e B do C difficile, e da reação em cadeia da polimerase, reduziu o tempo para que os resultados dos testes para C difficile estejam disponíveis, reduzindo assim a necessidade de avaliação endoscópica.
Avalie infecções oportunistas, como infecção por citomegalovírus e vírus do herpes simples, bem como doença do enxerto contra o hospedeiro em pacientes imunocomprometidos e colite isquêmica: os achados variam e são inespecíficos; é necessária a confirmação com uma biópsia.
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