Etiologia
Náuseas e vômitos são sintomas comuns nas crianças. A etiologia desses sintomas é, frequentemente, dependente da idade, com um amplo espectro de causas gastrointestinais, não gastrointestinais e ambientais.
Gastroenterite
A gastroenterite é uma causa muito comum de náuseas, vômitos, diarreias e dores abdominais. Em todo o mundo, 3 a 5 bilhões de casos de gastroenterite aguda ocorrem a cada ano em crianças <5 anos, resultando em 1.5 a 2.5 milhões de óbitos.[5][6] Para pacientes pediátricos nos EUA, cerca de 1% dos casos requerem hospitalização, frequentemente em decorrência de desidratação.[7] Portanto, quando possível, deve-se dar ênfase inicial à provisão de reidratação oral para desidratação leve a moderada, e fluidoterapia intravenosa para casos mais graves. No Reino Unido, a cada ano, aproximadamente 10% das crianças com menos de 5 anos chegam aos serviços de saúde com gastroenterite.[8]
Gastroenterite viral: infecção altamente contagiosa que pode se apresentar com uma epidemia em uma região em particular e representa de 50% a 70% dos casos de gastroenterite aguda. Na maioria dos casos, a infecção é autolimitada e remite sozinha, necessitando apenas de medidas de suporte. Os agentes virais causadores mais comuns são norovírus, rotavírus, adenovírus entérico (tipos 40 e 41), astrovírus, coronavírus e alguns picornavírus.[9]
Gastroenterite bacteriana: infecção que geralmente produz sintomas mais graves e prolongados. Acredita-se que cerca de 15% a 20% dos episódios de gastroenterite aguda sejam causados por infecções bacterianas nos EUA, porém estudos de fezes foram positivos em apenas 1.5% a 5.6% dos casos.[9][10]As bactérias causadoras mais comuns são Salmonella, Shigella, Campylobacter, Escherichia coli, Vibrio, Yersinia e Clostridium difficile.[9]
Gastroenterite parasitária: infecções parasitárias geralmente são mais prolongadas e representam cerca de 10% a 15% dos casos de gastroenterite aguda.[9] A giardíase, uma infecção entérica causada pelo protozoário parasita Giardia lamblia, é a infecção parasitária mais comum e pode ser disseminada por ingestão de água ou alimento contaminado, ou por contaminação de pessoa para pessoa por via fecal-oral. Outros agentes parasitários incluem Amoebas, Cryptosporidium, Isospora, Cyclospora e Microsporidium.
Neurológica
As causas neurológicas de náuseas e vômitos são sempre preocupantes e, com frequência, exigem avaliação e tratamento imediatos.
Meningite: uma emergência médica. Frequentemente, a etiologia é viral (por exemplo, enterovírus, arbovírus, herpes-vírus, vírus da gripe [influenza] e, possivelmente, vírus da caxumba[11]); mas ela também pode ser bacteriana (por exemplo, streptococcus do grupo B, E coli, Listeria monocytogenes, Haemophilus influenzae do tipo b, Streptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis).[12]
Síndromes neurológicas funcionais: enxaqueca, cinetose/enjoo de viagem e vertigem são muito comuns. Enxaquecas pediátricas frequentemente causam náuseas e vômitos. A prevalência de enxaqueca aumenta com a idade e foi estimada como sendo de 8% a 23% entre as idades de 10 e 20 anos.[13]
Tumores cerebrais: a segunda causa mais comum de malignidade em crianças, com uma taxa de mortalidade que varia de <10% a >90%, dependendo da lesão.[14] Sua etiologia é variável, mas podem ser associados a doenças como neurofibromatose ou polipose adenomatosa familiar.[15]
Hipertensão intracraniana: precisa ser diagnosticada e tratada rapidamente, e pode ser causada por tumor cerebral, pseudotumor cerebral (hipertensão intracraniana benigna), hidrocefalia, infecção, disfunção hepática ou mau funcionamento da derivação ventriculoperitoneal.[16]
Concussão (lesão cerebral traumática leve): causa comum em adolescentes e atletas; aproximadamente 2.5 das concussões ocorrem a cada 10,000 exposições atléticas.[17][18] É frequentemente associada a traumatismo contuso decorrente de atividades atléticas, como ciclismo, futebol americano, basquete, brincadeiras em parques infantis e futebol. Náuseas e vômitos são os segundos sintomas mais comuns, após a cefaleia. Se não identificada, podem se haver sequelas neurológicas em longo prazo.[19]
Gastroenterológica: obstrutiva
A obstrução gastrointestinal é uma causa comum e muito preocupante de náuseas e vômitos em crianças. A etiologia é, principalmente, dependente da idade, mas também pode ser decorrente de cirurgia abdominal preexistente.
Estenose pilórica: a incidência é de cerca de 2 a cada 1000 nascidos vivos, com os meninos apresentando um risco 4 a 5 vezes maior em comparação com as meninas.[20][21] Geralmente se apresenta entre 2 e 12 semanas de idade.[20][22][23] É comum uma história familiar na qual um dos pais apresenta a afecção.[24][25]
Atresia do intestino delgado: geralmente associada a polidrâmnios e diagnosticada no pré-natal. A apresentação ocorre logo após o nascimento com distensão abdominal e vômitos.
Má rotação intestinal: uma série de distúrbios rotacionais e de fixação que podem ocorrer durante o desenvolvimento embrionário. Sua incidência é de 1 em cada 6000 nascidos vivos e é considerada uma emergência cirúrgica. Pode causar volvo de intestino médio com alto risco de necrose intestinal.[26]
Intussuscepção: a causa mais comum de obstrução intestinal em crianças com idade entre 6 e 36 meses, com uma incidência de 36 casos a cada 100,000 lactentes por ano nos EUA.[27] É sempre considerada uma emergência. Embora seja, em geral, de etiologia idiopática, as doenças virais já foram associadas ao desencadeamento de um episódio agudo.[28]
Síndrome da artéria mesentérica superior: uma causa incomum de obstrução do intestino delgado. Nessa condição, ocorre uma compressão funcional da terceira porção do duodeno pela artéria mesentérica superior e pela aorta. É geralmente associada a compleição magra, a uma história recente e acentuada de perda de peso ou a uma história de cirurgia da coluna.[29]
Gastroenterológica: funcional
Doença do refluxo gastroesofágico: a regurgitação simples ocorre em quase 50% dos bebês. Em 90% deles, os sintomas limitam-se às regurgitações orais e remitem, na maioria dos casos, quando eles atingem a idade de 1 ano.[30]
Vômitos cíclicos: definidos como um padrão de vômitos intermitentes e, com frequência, paroxísticos, que se alternam com períodos assintomáticos e sem vômitos. Esse é um diagnóstico de exclusão, que só pode ser feito depois de descartadas causas inflamatórias, metabólicas e neoplásicas. Frequente, é observado em crianças, especialmente adolescentes e do sexo feminino, com uma prevalência estimada de 2% em crianças em idade escolar.[31] A princípio, os episódios podem ser confundidos com uma gastroenterite viral prolongada. A suspeita surge quando o padrão estereotípico se estabelece.[32]
Disautonomia (por exemplo, síndrome da taquicardia ortostática postural): embora as síndromes disautonômicas primárias sejam extremamente raras, a presença de náuseas e vômitos nessas síndromes é comum em adolescentes; mais de 87% dos pacientes pediátricos com intolerância ortostática relatam sintomas gastrointestinais.[33]
Gastroparesia: definida como esvaziamento gástrico retardado e associada a náuseas e vômitos. É uma causa incomum de vômitos em crianças. Ocorre frequentemente após uma infecção viral (ou seja, gastroparesia pós-viral), mas pode ser observada em associação com distúrbios mitocondriais, neuromusculares e autoimunes.
Doença de Hirschsprung: uma condição congênita, que afeta segmentos distais do cólon, causada pela ausência de células ganglionares nos plexos submucoso e mioentérico. Isso cria uma obstrução funcional. Ocorre em 1 a cada 5000 nascidos vivos e, geralmente, é associada a episódios frequentes de enterocolite.[34]
Constipação: prevalência de 0.7% a 29.6% em crianças no mundo todo.[35][36] Em casos raros, pode causar sintomas sugestivos de obstrução intestinal, principalmente na presença de impactação acentuada das fezes no reto. Contudo, é melhor reconhecida como uma obstrução mecânica ‘verdadeira’, em oposição à ‘funcional’, apesar da relativa semelhança dos sintomas.
Dispepsia funcional: presença de dor ou desconforto epigástrico associado a saciedade precoce, náuseas e vômitos. Ocorre sem doença inflamatória ou metabólica e sem malignidade que possa explicar os sintomas. Os sintomas podem ser explicados, em parte, por anormalidades na motilidade antroduodenal, no esvaziamento gástrico, na sensação gástrica e na acomodação.
Gastroenterológica: inflamatória
Úlcera péptica: comum em determinadas populações pediátricas. Helicobacter pylori é uma causa frequente e, muitas vezes, está associada a história familiar de infecção, condição socioeconômica baixa ou reclusão. Também é comum em situações de doenças agudas (por exemplo, pacientes em unidades de terapia intensiva).
Apendicite aguda: geralmente causada por uma obstrução (por exemplo, hiperplasia linfoide, fecalito) do lúmen do apêndice.
Pancreatite aguda: as causas mais comuns nas crianças incluem mutações em genes codificadores de proteases, anormalidades congênitas que afetam o pâncreas, cálculos biliares e medicamentos (por exemplo, ácido valproico, glicocorticoides).[37]
Hepatite A: infecção causada pelo vírus da hepatite A, um vírus de ácido ribonucleico (RNA), transmitido por contato próximo com uma pessoa infectada (incluindo contato fecal-oral) ou com água ou alimentos contaminados.
Gastroenterológica: alérgica
Alergias alimentares: a incidência de alergias alimentares é de aproximadamente 10% na idade de 1 ano, caindo para 3% a 4% por volta dos 2 anos.[38] Algumas crianças apresentam sintomas persistentes com queixas respiratórias e dermatológicas associadas. Os alimentos mais frequentemente envolvidos são leite/laticínios (lactose), trigo, soja, amendoim, ovos e frutos do mar.
Esofagite eosinofílica: definida como a presença de >15 eosinófilos por campo de grande aumento em uma biópsia esofágica com presença de disfunção esofágica.[39] A prevalência aumentou ao longo do tempo.[40] As alergias alimentares parecem desempenhar um papel fundamental na patogênese da doença; no entanto, sua etiologia não está claramente definida.
Gastroenterológica: neoplasias malignas
Linfoma do intestino delgado: fatores predisponentes, como condição socioeconômica baixa, estrutura sanitária deficiente e fatores genéticos têm sido associados ao desenvolvimento de doenças imunoproliferativas do intestino delgado. A doença celíaca e a enterite ulcerativa estão mais relacionadas ao linfoma de células T associado à enteropatia.[41]
Metabólica/endócrina
Cetoacidose diabética: mais comum em crianças <5 anos e em meninas; é, mais frequentemente, o sintoma inicial do diabetes do tipo 1 (versus tipo 2).[42]
Insuficiência adrenal: rara em crianças. Náuseas e vômitos são sintomas manifestos comuns. A insuficiência adrenal já foi associada a síndromes como a hiperplasia adrenal congênita, a síndrome do triplo A (acalasia, alacrimia e insuficiência adrenal), insuficiência adrenal autoimune e distúrbios paroxísticos.
Erros inatos do metabolismo: distúrbios incomuns que geralmente se manifestam logo após o nascimento e podem ser devastadores se não forem identificados. Os distúrbios do metabolismo de proteínas incluem a aminoacidúria, as acidemias orgânicas e os distúrbios do ciclo da ureia, e são associados a baixa aceitação alimentar, vômitos e letargia. Também podem estar associados a descompensação metabólica, incluindo acidose, hiperamonemia ou hipoglicemia. Se não tratada, a doença progride com comprometimento neurológico e pode levar ao óbito. Os distúrbios do metabolismo de carboidratos incluem a galactosemia, a frutosinemia e algumas doenças de depósito de glicogênio, e podem resultar em baixa aceitação alimentar, vômitos, disfunção hepática e hipoglicemia.[43]
Urológicas/ginecológicas e renais
Náuseas e vômitos são sintomas frequentes de doenças renais, urológicas e ginecológicas.
Torção gonadal: as torções testiculares e ovarianas são consideradas emergências cirúrgicas. A torção testicular é mais comum entre 12 e 18 anos, mas também pode ocorrer em crianças pequenas e neonatos.[44] Pode ser decorrente de trauma. A torção ovariana geralmente ocorre um pouco antes da menarca, mas também pode ocorrer em meninas mais jovens. Aproximadamente 25% das pacientes têm ovários normais; porém, é mais comum que a condição esteja associada a cistos ovarianos ou massas benignas.[45]
Infecção do trato urinário (ITU): a prevalência estimada em crianças é de aproximadamente 7%.[46] Ocorre com mais frequência em mulheres. Sua causa mais comum é a infecção bacteriana. Os fatores de risco incluem constipação crônica, disfunções vesicais (por exemplo, bexiga neurogênica) e refluxo vesicoureteral.
Síndrome hemolítico-urêmica: causa comum de insuficiência renal em crianças, geralmente associada a infecção por E coli O157:H7 e Shigella. Causas genéticas e relacionadas a medicamentos também existem. A mortalidade pode alcançar 5% e a insuficiência renal crônica pode ocorrer em 20% dos pacientes.[47]
Nefrolitíase: a incidência em crianças está aumentando. É mais frequentemente observada em meninos brancos e a maioria dos pacientes têm 13 anos ou menos.[48] Os fatores de risco incluem fatores ambientais, condições metabólicas e distúrbios sistêmicos, assim como anomalias estruturais dos rins, ureteres ou bexiga, e história de ITU. É composta, na maioria das vezes, por oxalato e fosfato de cálcio.[49]
Obstrução da junção ureteropélvica: uma obstrução do fluxo urinário desde a pelve renal até o ureter proximal, frequentemente diagnosticada no período pré-natal. As causas incluem anomalias congênitas, cirurgia prévia ou distúrbios que provocam inflamação do trato urinário superior.
Psiquiátrico
Transtornos alimentares: a prevalência ao longo da vida de bulimia nervosa foi estimada em cerca de 0.9% a 3% e de anorexia nervosa em 0.5% a 2%. Transtornos alimentares apresentam uma mortalidade associada de 2% a 6%, com aumento do risco em adolescentes.[50] Estão geralmente associados à depressão e a outras comorbidades psiquiátricas.
Síndrome de ruminação: definida como a presença de regurgitações orais repetidas de pequenas quantidades de alimento proveniente do estômago, o qual, com frequência, é engolido novamente. Ocorre geralmente durante ou imediatamente após as refeições do paciente. Pode ser encontrada em aproximadamente 5% da população pediátrica[51] e está frequentemente associada a transtornos psiquiátricos, como a bulimia nervosa. Sua ocorrência é mais comum nas crianças com atraso no desenvolvimento, mas também pode ser observada naquelas com inteligência normal.[52]
Transtorno factício (abuso clínico): deve-se suspeitar quando os sintomas parecem produzidos ou são desproporcionais ao exame. É frequente que a investigação diagnóstica de rotina não explique a natureza dos sintomas. Náuseas e vômitos são comuns nesse distúrbio. Ocorre, frequentemente, em crianças <5 anos. O responsável é, muitas vezes, um dos pais ou cuidadores da criança. Pode ser devastadora se não reconhecida precocemente.[53]
Ambiental
Ingestão de produtos tóxicos: a ingestão de produtos tóxicos na infância é um problema importante em muitos países; no entanto, sua epidemiologia e o espectro de doença são menos caracterizados internacionalmente que nos Estados Unidos. Cerca de 2.1 milhões de ingestões de produtos tóxicos foram relatadas pelos centros de controle de intoxicações nos Estados Unidos em 2018.[54] Isso ocorre frequentemente em casa, com crianças <6 anos. Os agentes mais nocivos incluem monóxido de carbono, ferro, paracetamol, hidrocarbonetos, medicamentos cardiovasculares e antidepressivos. Diversas substâncias tóxicas podem induzir o vômito. O xarope de ipeca geralmente provoca vômitos, mas também pode induzir miopatia. Outros exemplos incluem outros medicamentos, cianeto, solventes orgânicos, metais pesados, plantas ou cogumelos tóxicos, solventes para limpeza, metanol e etilenoglicol.
Efeitos adversos de medicamentos: os mais comuns são os quimioterápicos (induzem a estimulação da área postrema do hipotálamo e podem produzir sintomas intensos), analgésicos opioides (devido a seu efeito de redução da motilidade gastrointestinal) e medicamentos anticolinérgicos, como os antidepressivos e os antiespasmódicos (novamente, devido a seu efeito de redução da motilidade gastrointestinal). Os anti-inflamatórios não esteroidais podem provocar náuseas e vômitos secundários a inflamação gastrointestinal. Outros medicamentos incluem os anestésicos e os antibióticos.
Síndrome da hiperêmese por cannabis: uma causa rara de vômitos intratáveis, associada ao uso da cannabis. Outros sintomas incluem compulsão por banhos, dor abdominal e polidipsia. Os vômitos geralmente cessam com a interrupção do uso da droga.[55]
Respiratórios/otorrinolaringológicos
Otite média: definida como a presença de líquido e inflamação na orelha média. É muito comum na população pediátrica, com 1 a cada 4 crianças apresentando no mínimo 1 episódio de otite média aguda até aos 10 anos de idade.[56] Os patógenos mais comumente associados à otite média aguda são bactérias, como S pneumoniae, H influenza e Moraxella catarrhalis; no entanto, vírus também já foram implicados.
Pneumonia: uma causa muito comum de morbidade em crianças. É mais frequente em meninos <5 anos, principalmente associada a uma condição socioeconômica baixa. Tanto vírus (por exemplo, vírus da gripe [influenza]) quanto bactérias (por exemplo, S pneumonia, Mycoplasma pneumoniae) já foram implicados.
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