Etiologia
A ptose é uma causa importante e geralmente pouco reconhecida de perda da visão. A condição pode ser uma manifestação de algumas doenças locais e sistêmicas que requerem avaliação adicional. Compreender a causa ajuda a definir a avaliação adicional necessária e aumenta a utilidade do teste diagnóstico.[4][5][6]
Infecciosa ou inflamatória
A presença de diminuição da visão, proptose ocular (deslocamento do globo ocular em relação à órbita ocular) e dor significativa sugere um processo infeccioso ou inflamatório.
O calázio é uma causa muito comum de ptose, causado pela inflamação focal de uma glândula meibomiana obstruída. A presença de lesões pode estar associada a dor e a eritema local ou difuso.
O terçol (hordéolo) se manifesta de maneira semelhante ao calázio e representa uma infecção aguda das secreções nas glândulas sebáceas palpebrais.
Uveíte é o termo utilizado para definir a inflamação da íris, coroide e corpo ciliar, por causas traumáticas, infecciosas, autoimunes ou neoplásicas.[7] A ptose é uma resposta secundária à dor ocular, à fotofobia e ao edema palpebral. A uveíte não tem relação direta com o início da ptose.No entanto, os pacientes podem se apresentar com ptose como um mecanismo compensatório relacionado à fotofobia. Pode haver presença de edema e eritema leves na região periorbital. É necessário realizar uma avaliação oftalmológica de urgência para o diagnóstico e o tratamento apropriados.
A blefarocalase é uma variante familiar rara de edema angioneurótico que ocorre durante a adolescência ou o início da vida adulta. Ela se caracteriza por episódios recorrentes de edema palpebral inflamatório. Após vários episódios, a pele palpebral apresenta uma aparência de papel crepom. A ptose verdadeira pode coexistir secundariamente à atenuação da aponeurose do músculo levantador.[8]
A presença de cefaleia, perda da visão e paralisia do terceiro nervo sugere arterite de células gigantes (temporal). É necessário realizar uma avaliação oftalmológica de urgência para evitar a perda permanente da visão.
A celulite pré-septal é uma inflamação das estruturas da região anterior do septo orbital. Ela é um processo infeccioso, local ou difuso, relativamente comum dos tecidos periorbitais resultante de trauma superficial, calázios e terçóis (hordéolos) ou de uma infecção no seio nasal adjacente. A acuidade visual e o movimento extraocular não são afetados.
A celulite orbitária se caracteriza anatomicamente por envolvimento infeccioso dos tecidos posteriores ao septo orbital. A celulite orbitária é uma urgência oftalmológica com implicações que ameaçam a visão em razão de infecção no seio nasal adjacente, trauma recente, cirurgia facial ou estado imunocomprometido.
A síndrome inflamatória orbital é um processo inflamatório dos tecidos moles orbitais que acomete crianças e adultos. O subtipo é especificado pela natureza do comprometimento, como dacrioadenite (mais comum) ou miosite. Etiologias infecciosas, autoimunes e neoplásicas sistêmicas muitas vezes são implicadas, enquanto que alguns casos apresentam origem idiopática.
Autoimune
A ptose pode ser resultado de uma doença autoimune subjacente, como miastenia gravis, esclerose múltipla (EM) ou doença ocular tireoidiana.
A miastenia gravis é uma condição imunológica caracterizada pelo bloqueio da transmissão neuromuscular que resulta em fraqueza local ou difusa. A ptose é o sinal mais comum. Uma fraqueza generalizada associada a disfonia, disfagia e dispneia sugere um forte comprometimento respiratório e das vias aéreas, achados que requerem uma avaliação de urgência. O diagnóstico baseia-se na história clínica, em testes de provocação, testes sorológicos ou estudos de eletromiografia.[9][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Pálpebras caídas (ptose) em paciente do sexo feminino, de 69 anos, em decorrência de miastenia gravis (MG). A MG é uma doença neuromuscular autoimune rara que causa fraqueza e fadiga nos músculos voluntários do corpo, a qual inclui os músculos que controlam o movimento dos olhos e das pálpebrasDr P Marazzi/Science Photo Library; usado com permissão [Citation ends].
A EM raramente está associada à ptose isolada, pois o diagnóstico requer o reconhecimento de sinais e sintomas neurológicos ao longo do tempo, bem como a identificação de lesões que acometem diferentes áreas do sistema nervoso central.Os sintomas oftalmológicos, quando ocorrem, refletem comprometimento do nervo óptico ou da substância branca do tronco encefálico.Diminuição da visão, dor ocular à movimentação dos olhos e alteração da motilidade ocular são sinais e sintomas comuns de EM.
A doença ocular tireoidiana (doença de Graves) é um distúrbio inflamatório autoimune com possíveis complicações que ameaçam a visão. Ela é a causa mais comum de retração palpebral e de proptose unilateral e bilateral. A doença orbitária não necessariamente acompanha a doença tireoidiana, e os pacientes podem ser hipertireoideos, hipotireoideos ou eutireoideos. A presença de estrabismo e diplopia secundários à miopatia extraocular restritiva é comum. As mulheres são mais acometidas que os homens, em uma distribuição etária bimodal (meia-idade e idosos). A presença de redução da acuidade visual, anormalidades no campo visual e defeitos pupilares aferentes relativos sugere neuropatia óptica compressiva, condição que requer avaliação urgente por um oftalmologista ou cirurgião oculoplástico.[10]
Iatrogênica
As causas iatrogênicas da ptose incluem cirurgias prévias nos olhos ou nas pálpebras.
As cirurgias oculares ou palpebrais prévias podem causar desinserção e deiscência da aponeurose do músculo levantador de seus ligamentos tarsais.
Implantes cirúrgicos podem restringir a ação dos músculos extraoculares ou causar mau posicionamento do globo ocular.
Alguns pacientes podem desenvolver ptose pelo uso de implantes de peso de ouro palpebral para lagoftalmia paralítica, ou de fivela escleral para correção de descolamento da retina.
Dependendo da natureza do implante, as medidas da fenda palpebral (ponto mais amplo entre a pálpebra superior e inferior no olhar primário), da distância margem-reflexo (distância entre a margem palpebral superior e o reflexo corneano no olhar primário) e da função do músculo levantador (excursão da pálpebra superior desde o olhar para cima até o olhar para baixo com o músculo frontal imobilizado) podem ser variáveis.
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Medição da fenda interpalpebral verticalDo acervo de Dr. Allen Putterman [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Posição da pálpebra superior ao olhar para baixoDo acervo de Dr. Allen Putterman [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Posição da pálpebra superior ao olhar para cimaDo acervo de Dr. Allen Putterman [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Medição da distância margem-reflexoDo acervo de Dr. Allen Putterman [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ptose em paciente do sexo masculino, de 89 anos, após uma injeção de botox para corrigir visão dupla (diplopia)Dr P Marazzi/Science Photo Library; usado com permissão [Citation ends].
Mecânica
A ptose mecânica envolve uma lesão de massa (tumor ou corpo estranho) que determina a posição e a motilidade palpebral.
O mau posicionamento do globo ocular refere-se a qualquer processo que altere a posição anatômica normal do globo ocular dentro da órbita, incluindo alterações de volume do globo ocular. Alterações nessa relação resultam em mau posicionamento palpebral.
Tumores palpebrais causam uma forma mecânica de ptose. O local e o tamanho da lesão determinam a gravidade do mau posicionamento palpebral. Lesões benignas e malignas sintomáticas geralmente são tratadas com excisão cirúrgica e reconstrução palpebral. Lesões de tamanho significativo, que resultam em ruptura da arquitetura palpebral, ou que envolvem os cantos medial e lateral, têm maior probabilidade de invadir a órbita e as estruturas adjacentes. Todas as lesões palpebrais neoplásicas são encaminhadas para cirurgiões com experiência em reconstrução palpebral para evitar complicações oculares.
Os tumores orbitais causam formas neurogênicas e mecânicas de ptose e alteram a arquitetura orbital, resultando em pseudoptose. O tipo e o local da lesão determinam as manifestações clínicas. Determinados tumores causam perda da visão profunda, proptose, estrabismo e dor. Outros são assintomáticos. Todas as lesões orbitais requerem avaliação por oftalmologista ou cirurgião oculoplástico.
Neurogênica
As causas neurogênicas de ptose devem levantar suspeita para a presença de doenças que ameaçam a visão e implicam risco de vida.
O blefaroespasmo essencial benigno (BEB) é uma distonia facial bilateral que acomete os músculos orbicular oculares, corrugador e prócero. Os pacientes apresentam-se com piscamentos, espasmos ou fechamentos palpebrais involuntários e progressivos. Benign Essential Blepharospasm Research Foundation Opens in new window Os sintomas geralmente pioram durante a realização de tarefas visuais (por exemplo, ao ler ou dirigir), o que torna os pacientes funcionalmente cegos.
A oftalmoplegia externa crônica progressiva (OECP) é uma condição hereditária que se manifesta por paresia e ptose simétrica e progressiva dos músculos extraoculares. Os pacientes não costumam se queixar de diplopia, apesar do estrabismo óbvio. Achados sistêmicos com potencial risco de vida, como defeitos da condução cardíaca na síndrome de Kearns-Sayre, podem coexistir.[11]
A paralisia do terceiro nervo (oculomotor) é uma disfunção de início agudo da motilidade palpebral e extraocular que resulta em ptose e estrabismo. Pode haver comprometimento parcial ou completo. A maioria dos casos tem origem isquêmica, refletindo comorbidades, como hipertensão, diabetes mellitus e arteriosclerose. Anormalidades pupilares (por exemplo, pupila dilatada com pouca resposta à luz) sugerem processos aneurismáticos, neoplásicos e de compressão de nervo.[12][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Paralisia de nervo oculomotor. Rosto de uma mulher de 36 anos com paralisia de terceiro nervo após cirurgia para tratar uma hemorragia subaracnoide. Um aneurisma sacular, uma dilação localizada comum de uma artéria intracraniana, causou a hemorragia subaracnoide. A paralisia do terceiro nervo é uma disfunção do terceiro nervo craniano, o nervo oculomotor, que controla o movimento dos olhos. Ela causa incapacidade de mover o olho, visão dupla, pupila fixa e não reativa e pálpebra caída (ptose, observada aqui, olho direito).Dr P Marazzi/Science Photo Library; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Paralisia de nervo oculomotor. Rosto de uma mulher de 36 anos com paralisia de terceiro nervo após cirurgia para tratar uma hemorragia subaracnoide. Um aneurisma sacular, uma dilação localizada comum de uma artéria intracraniana, causou a hemorragia subaracnoide. A paralisia do terceiro nervo é uma disfunção do terceiro nervo craniano, o nervo oculomotor, que controla o movimento dos olhos. Ela causa incapacidade de mover o olho, visão dupla, pupila fixa e não reativa e pálpebra caída (ptose, observada aqui, olho direito).Dr P Marazzi/Science Photo Library; usado com permissão [Citation ends].
A síndrome de Horner é uma lesão na via simpática que resulta em ptose, miose e graus variáveis de anidrose. O comprometimento do músculo tarsal inferior (análogo ao músculo tarsal superior da pálpebra superior) resulta em elevação da pálpebra inferior, com diminuição ainda maior na fenda interpalpebral vertical e pseudoenoftalmia. Nesses casos, recomenda-se avaliação para detectar a presença de neoplasia maligna oculta, dissecção vascular ou aneurisma.[13]
Um AVC resulta em uma constelação de achados neurológicos determinados pelo local da isquemia ou hemorragia. Observações clínicas e medições podem ser difíceis de interpretar e muitas vezes são inconsistentes. A ptose pode ser proeminente após um AVC que envolve a circulação vertebrobasilar. O manejo de lesões e edemas isquêmicos resultantes é fundamental.
Traumático
A ptose traumática resulta de trauma direto no músculo levantador, na sua aponeurose ou no músculo tarsal superior.
O trauma no músculo levantador pode resultar em transecção parcial e completa da aponeurose do músculo levantador. A ptose resulta da ruptura dos ligamentos ósseos e tecidos moles ou do mau posicionamento do globo ocular. A inspeção do globo ocular é obrigatória, e exames de imagem do crânio e da órbita podem ser necessários com a avaliação oftalmológica. A função palpebral depende da extensão da lesão incorrida.
Um corpo estranho na pálpebra pode refletir trauma ou intervenção cirúrgica prévia. A laceração palpebral é evidenciada pela história clínica e pelo exame físico. Pode ser difícil avaliar a função do músculo levantador devido ao edema de tecidos moles. É importante identificar as características das feridas (por exemplo, prolapso da gordura orbital). É necessário fazer um encaminhamento cirúrgico de urgência para avaliação e reparo da ferida primária.
As fraturas orbitais e faciais podem estar associadas a trauma nas estruturas orbitais e intracranianas e nos seios paranasais adjacentes. A cirurgia para redução e correção é indicada para enoftalmia e ptose significativas, diplopia ou encarceramento de tecidos moles e músculos extraoculares. O uso de próteses pode ser indicado para pacientes com microftalmia congênita, ou para pacientes enucleados (submetidos à remoção total do globo ocular) e eviscerados (submetidos à remoção parcial do globo ocular com esclera e musculatura ocular intacta).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Paciente do sexo masculino que sofre de ptose pós-traumática adquirida, provavelmente causada por uma lesão na pálpebraBarraquer, Barcelona - ISM/Science Photo Library; usado com permissão [Citation ends].
Relacionada à idade ou congênita
A frouxidão dos tecidos moles periorbitais e orbitais relacionada à idade muitas vezes é a causa das formas aponeuróticas e involucionais de ptose. A patologia palpebral com alterações nos retratores palpebrais e tecidos moles de suporte representa a vasta maioria das doenças que causam ptose e pseudoptose.
Alterações involucionais (relacionadas à idade) na pele da fronte resultam em ptose do supercílio, cefaleia, dor no supercílio e sulcos transversais proeminentes na fronte com contratura crônica. A gordura orbital prolapsa para frente secundariamente à atenuação do septo orbital.
A dermatocálase (redundância e flacidez muscular na região palpebral) afeta mais comumente os idosos e muitas vezes coexiste com a ptose palpebral verdadeira. Os pacientes podem se apresentar com sintomas semelhantes de dor no supercílio, cílios no campo visual e perda de campo visual superior. A prega palpebral superior pode estar obscurecida.
A ptose miogênica congênita resulta da disgenesia do músculo levantador, com origem desde o nascimento. As fibras musculares são substituídas por tecido fibroadiposo, o que reduz a capacidade de o músculo contrair-se efetivamente.[14] Crianças com ptose miogênica congênita podem sofrer de ambliopia, especialmente em casos de assimetria bilateral. Formas adquiridas (raras) podem ser uma manifestação de doença local ou difusa.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ptose miogênica congênita bilateral assimétricaMid Essex Hospital Services NHS Trust/Science Photo Library; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ptose em menino de 6 anos. Normalmente a ptose decorre de fraqueza do músculo levantador da pálpebra superior, aqui no olho esquerdo (à direita). Este paciente tem essa condição desde o nascimento, e já fez três cirurgias com o objetivo de corrigi-laMid Essex Hospital Services NHS Trust/Science Photo Library; usado com permissão [Citation ends].
A blefarofimose é uma síndrome palpebral congênita, autossômica dominante, que apresenta ptose grave, telecanto e epicanto inverso.
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