Abordagem
A deficiência de magnésio é uma condição em que há uma redução da quantidade total de magnésio no corpo. Apenas 1% do magnésio corporal total está localizado no fluido extracelular; por isso, o magnésio sérico não é um bom indicador da quantidade e da disponibilidade totais de magnésio no corpo. Uma concentração de magnésio sérico <0.75 mmol/L (<1.5 mEq/L) é denominada hipomagnesemia.[1]
Os pacientes com anormalidades na homeostase do magnésio tipicamente encontram-se em um dos três grupos:
Pacientes com deficiência de magnésio (baixa quantidade total de magnésio corporal) e uma hipomagnesemia resultante (baixa concentração de magnésio sérico)
Pacientes com hipomagnesemia (baixa concentração de magnésio sérico) na ausência de deficiência de magnésio (isto é, quantidade total de magnésio no corpo normal)
Pacientes com deficiência de magnésio (baixa quantidade total de magnésio corporal), mas sem evidência de hipomagnesemia (isto é, concentração de magnésio sérico normal).
Deve-se suspeitar de deficiência de magnésio em pacientes com uma doença crônica relevante que cause anormalidades na homeostase do magnésio, sintomas de deficiência de magnésio ou anormalidades eletrolíticas persistentes associadas, como hipocalcemia ou hipocalemia.[4][44] No entanto, frequentemente esta só pode ser detectada por exame de sangue.
Características clínicas de deficiência de magnésio e/ou hipomagnesemia
A maioria dos pacientes com deficiência de magnésio leve e/ou hipomagnesemia é assintomática. Embora os sintomas costumem aparecer quando o magnésio sérico diminui abaixo de 0.5 mmol/L (1 mEq/L), não há uma correlação direta entre o magnésio sérico e a intensidade dos sintomas.
Os sintomas são inespecíficos e incluem:
Irritabilidade neuromuscular parecida com a desenvolvida na hipocalcemia, manifestada por reflexos plantares extensores, sinais de Chvostek e Trousseau positivos e, em casos graves, tetania; deve-se considerar hipoparatireoidismo se esses sinais estiverem presentes
Características cardiovasculares como batimentos cardíacos rápidos, pressão arterial aumentada, taquicardia e/ou arritmias ventriculares[14]
Sintomas do sistema nervoso central (SNC) como vertigem, ataxia, depressão e atividade convulsiva.
Descobrindo a causa
Desnutrição
A inspeção geral pode revelar sinais de desnutrição generalizada, incluindo perda da gordura subcutânea, apatia e letargia, palidez, despigmentação, abdome aumentado, escápula alada, pele escamosa e edema em ambos os pés. Possível privação de alimentos, síndrome de má absorção, negligência, transtorno alimentar com consumo baixo de magnésio na dieta ou diminuição da ingestão de alimentos devido a uma evolução pós-operatória prolongada devem ser considerados.
Sinais de deficiências minerais e vitamínicas específicas também podem ser observados e sugerem uma ingestão reduzida ou uma síndrome de má absorção.
Aumento da proeminência da vasculatura cutânea superficial, neuropatia periférica, alterações da dentição normal e halitose sugerem abuso de álcool.
Deve-se considerar uma má absorção de magnésio se houver história sugestiva de doença celíaca ou síndrome do intestino curto. Ambas as doenças também podem apresentar sintomas e sinais de deficiência de vitaminas ou diarreia crônica associadas. Erupção cutânea consistente com dermatite herpetiforme sugere doença celíaca. História de ressecção intestinal extensa, lesão por radiação abdominal ou gastrosquise sugerem síndrome do intestino curto.
Gestação
Deve gerar a suspeita de que possa ser a causa da deficiência de magnésio em função do aumento na demanda de magnésio e à volemia. Deve-se considerar e excluir pré-eclâmpsia. Convulsões em uma gestante devem levantar a suspeita de eclâmpsia.
Depleção de volume
Diarreia pode causar perda de magnésio gastrointestinal. Causas a serem consideradas incluem gastroenterite, doença inflamatória intestinal e doença de Whipple. O tenesmo deve levantar a suspeita de doença inflamatória intestinal. Deve-se obter um histórico de viagens recentes para avaliar a diarreia do viajante. Deve-se investigar se há história de abuso de laxativos.
Desconforto abdominal com distensão pode indicar gastroenterite ou abuso de laxativos. Sensibilidade sem distensão pode indicar doença inflamatória intestinal ou pancreatite (que tipicamente produz sensibilidade epigástrica). Os pacientes com pancreatite aguda apresentam história de dor epigástrica, febre, taquicardia com história anterior de colelitíase ou alta ingestão de bebidas alcoólicas. Os pacientes com pancreatite crônica geralmente apresentam história de abuso de álcool com dor abdominal epigástrica irradiando para o dorso, esteatorreia, desnutrição e diabetes mellitus associado.
O início agudo de poliúria, polidipsia, fraqueza, perda de peso, náuseas, vômitos ou dor abdominal deve levantar a suspeita de cetoacidose diabética. História de afecção clínica aguda ou insulinoterapia insatisfatória associadas também pode estar presente.
A maioria dos pacientes com doença renal não apresenta sintomas de anormalidades relacionadas ao magnésio. No entanto, os pacientes na fase de recuperação de necrose tubular aguda desenvolvem uma diurese que pode causar deficiência de magnésio e/ou hipomagnesemia. História de hipotensão, depleção de fluidos ou exposição a agentes nefrotóxicos pode estar presente. Pode haver história de acidose tubular renal ou de alívio recente de uma uropatia obstrutiva causando diurese pós-obstrutiva.
Sinais de hipervolemia
Os sinais de hipervolemia incluem estase jugular e edema periférico e podem indicar hiperaldosteronismo, cirrose ou uropatia obstrutiva.
Hipervolemia, poliúria e polidipsia em associação com parestesia, cefaleia e fraqueza muscular podem indicar hiperaldosteronismo.
Icterícia, ascite, hepatomegalia ou fígado pequeno sugerem doença hepática. O paciente pode apresentar história conhecida de cirrose.
Pode haver história de administração excessiva de fluidoterapia intravenosa.
Perda de peso
História de apetite aumentado, perda de peso, intolerância ao calor e queda de cabelo deve levantar a suspeita de hipertireoidismo. O exame físico pode revelar tremor, bócio e exoftalmia leves.
Deve-se considerar a síndrome do osso faminto se o paciente tiver sido recentemente submetido a uma paratireoidectomia como tratamento de um hiperparatireoidismo ou a uma tireoidectomia para tratar um hipertireoidismo. A síndrome do osso faminto é geralmente assintomática, mas pode manifestar-se através de dor óssea.
A perda renal primária de magnésio é rara, mas deve ser considerada se houver história familiar positiva para os sintomas de poliúria, polidipsia e/ou depleção de volume. Retardo de crescimento associado a cãibras intensas envolvendo os braços e as pernas deve levantar a suspeita de síndrome de Gitelman. Retardo de crescimento e desenvolvimento associados, com ou sem surdez sensorioneural, devem levantar a suspeita de síndrome de Bartter.
Investigações iniciais
Magnésio sérico
A avaliação do nível de magnésio sérico pode ser rotineiramente conduzida em laboratórios clínicos.[45] No entanto, não há um exame laboratorial preciso, rápido e simples para estabelecer a concentração total de magnésio no corpo em humanos.[2] A hipomagnesemia é normalmente definida como um nível de magnésio sérico <0.75 mmol/L (<1.5 mEq/L).[1]
Um nível de magnésio sérico baixo pode ser decorrente de uma deficiência de magnésio subjacente, de redistribuição do magnésio ou de perdas agudas leves que causam a depleção do magnésio circulante, sem afetar as reservas de magnésio. Um nível de magnésio sérico normal não exclui deficiência de magnésio.
Determinação de magnésio intracelular: a avaliação do conteúdo de magnésio intracelular total e livre pode ser útil para determinar a possibilidade de deficiência de magnésio nos tecidos e deve ser considerada. Como a determinação é trabalhosa e leva tempo, e está propensa a ser mal interpretada, dependendo do procedimento usado, esse tipo de determinação não é comumente realizado, pois requer ambiente laboratorial especializado.
Cálcio, potássio e sódio séricos
Anormalidades na homeostase de magnésio podem coexistir com outras anormalidades eletrolíticas. Deve-se considerar como causas de hipocalcemia ou hipocalemia refratária a deficiência de magnésio e a hipomagnesemia.
Os sintomas de hipomagnesemia e hipocalcemia são parecidos, e as duas anormalidades podem coexistir. O cálcio compete com o magnésio na reabsorção na alça de Henle e um aumento na carga de cálcio filtrado pode prejudicar a reabsorção de magnésio. A hipomagnesemia, por outro lado, causa resistência ao paratormônio (PTH) e um decréscimo de sua secreção, ambos os quais resultam em hipocalcemia.
A hipocalemia é comumente observada em pacientes com hipomagnesemia, em parte porque os distúrbios subjacentes associados podem produzir ambos os distúrbios. No entanto, há também evidências de que a hipomagnesemia pode causar um aumento da perda renal de potássio.
A hipernatremia pode estar presente se o hiperaldosteronismo for a causa. O aumento no nível de aldosterona aumenta a retenção de sódio pelos rins. Isso causa uma expansão do volume intravascular que prejudica o transporte passivo de magnésio, resultando em perda renal de magnésio.
Magnésio urinário
Indicado para identificar a perda de magnésio renal ou como um exame para a deficiência de magnésio em pacientes com magnésio sérico normal.
A depleção de magnésio em pacientes com magnésio sérico normal deve ser considerada em pacientes com hipocalcemia ou hipocalemia inexplicáveis e história consistente com perda de magnésio.[41] Ainda não está claro qual é o melhor exame para diagnosticar essa síndrome.
A redução da excreção urinária de magnésio em 24 horas, ou a excreção diminuída após a infusão de uma carga de magnésio, pode indicar perdas de magnésio extrarrenais. No entanto, esses parâmetros não são específicos.[45]
Tentativa terapêutica de suplementação de magnésio
Isso deve ser considerado em pacientes com hipocalcemia refratária, inexplicável ou hipocalemia.[41] A suplementação de magnésio pode promover a resolução da hipocalemia ou hipocalcemia.[41]
eletrocardiograma (ECG)
É necessário realizar um ECG em todos os pacientes para se pesquisar alterações características associadas com hipomagnesemia. Essas incluem alargamento do complexo QRS, prolongamento do intervalo QT, pico ou diminuição das ondas T e intervalo PR prolongado.[41] Pode-se detectar também uma taquicardia sinusal, extrassístoles ventriculares ou taquicardias ventriculares (especialmente torsades de pointes).
Investigações subsequentes e identificação da causa
Os seguintes procedimentos podem apontar possíveis diagnósticos.
Um ensaio de descontinuação dos medicamentos desencadeantes pode resultar em resolução dos sintomas e da hipomagnesemia.
Uma entrevista diagnóstica pode ajudar a identificar dependência alcoólica. O nível de álcool (respiração e sangue) pode estar elevado.
Exame e cultura das fezes são necessários se as características clínicas sugerirem diarreia infecciosa não viral. O organismo subjacente pode ser detectado na infecção bacteriana, e parasitas ou ovos podem ser detectados nas infecções parasitárias.
A ureia e creatinina séricas podem estar elevadas em pacientes com doença renal. A razão ureia:creatinina ≥10, com uma excreção fracionada de sódio e cloreto >2%, sugere necrose tubular aguda (NTA). A urinálise para sedimento urinário revela células epiteliais tubulares, cilindros de células epiteliais ou cilindros de coloração acastanhada na NTA.
Deve-se realizar uma urinálise em pacientes gestantes. Proteinúria >300 mg por 24 horas (sugerida pela proteinúria 1+ na tira reagente), em associação com hipertensão, é diagnóstico de pré-eclâmpsia.
Os pacientes com cetoacidose diabética suspeita precisam avaliar sódio, potássio, magnésio, cálcio e glicose séricos. Magnésio, sódio e cálcio séricos estão diminuídos. O potássio sérico está elevado, mas geralmente há depleção do potássio corporal total. A glicose plasmática está elevada e há presença de cetonúria. A gasometria arterial revela acidose metabólica com o pH variando de 7 a 7.3 e o nível de bicarbonato variando de 10 a 15 mmol/L (10 a 15 mEq/L).
O ferro e as vitaminas A, B1, B2, B6, B12, C, D e E séricos podem estar diminuídos nas síndromes de má absorção. A razão normalizada internacional (INR) elevada sugere deficiência de vitamina K. Um teste de imunoglobulina A-transglutaminase tecidual (IgA-tTG) deve ser realizado se houver suspeita de doença celíaca. Uma biópsia do intestino delgado pode ser realizada se os resultados desse exame forem duvidosos. Colonoscopia e endoscopia digestiva altas devem ser realizadas para definir a anatomia, o comprimento e a saúde intestinal das alças remanescentes em pacientes com síndrome do intestino curto.
A elevação de aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT) com uma razão ALT:AST ≥1 indica dano hepatocelular em pacientes com cirrose. A fosfatase alcalina e a gama-glutamiltransferase (gama-GT) se apresentam elevadas em pacientes cirróticos com colestase. Pode-se considerar uma ultrassonografia abdominal para avaliar o dano hepático e a circulação portal. Uma biópsia hepática também pode ser útil.
A amilase sérica e a lipase apresentam-se elevadas na pancreatite aguda. Use o teste da lipase sérica preferencialmente em vez da amilase sérica.[46] A lipase e a amilase séricas têm sensibilidade e especificidade parecidas, mas os níveis de lipase continuam elevados por mais tempo (até 14 dias após o início dos sintomas vs. 5 dias para a amilase), fornecendo uma maior probabilidade de se realizar o diagnóstico nos pacientes com uma apresentação tardia.[47]
Pode-se realizar uma tomografia computadorizada (TC) abdominal, revelando sinais característicos, se houver suspeita de pancreatite crônica. Pode-se considerar testes diretos da função pancreática, e estes mostram uma função diminuída na pancreatite crônica.
A velocidade de hemossedimentação elevada pode indicar doença inflamatória intestinal. O exame de sangue oculto nas fezes é frequentemente positivo, e os leucócitos fecais também estão presentes. Deve-se considerar uma colonoscopia que pode revelar as anormalidades características e o padrão de distribuição da causa subjacente.
Exames para causas mais raras são realizados apenas se as características clínicas sugerirem o diagnóstico. Tais exames podem incluir os seguintes procedimentos.
Deverá ser realizada uma endoscopia digestiva alta, com ou sem biópsia de intestino delgado, para diagnosticar doença de Whipple.
Nível elevado de aldosterona sérica indica hiperaldosteronismo. Baixa atividade sérica da renina indica doença primária, enquanto atividade elevada indica doença secundária. A TC ou ressonância nuclear magnética (RNM) das glândulas adrenais pode detectar um macroadenoma.
Nível de paratormônio (PTH) diminuído ou indetectável na presença de hipocalcemia indica hipoparatireoidismo. Deve-se considerar o nível de vitamina D se houver suspeita do diagnóstico alternativo de deficiência de vitamina D.
A diminuição no nível do hormônio estimulante da tireoide (TSH) com nível elevado de T4 livre sérico indica hipertireoidismo. A ingestão de iodo radioativo também deve ser pesquisada; este estará elevado na doença de Graves, normal no bócio multinodular tóxico e diminuído na tireoidite aguda ou subaguda. Anticorpos de receptores do TSH positivos são diagnósticos da doença de Graves, mas são raramente necessários para o diagnóstico.
A diminuição do fosfato sérico em combinação com níveis baixos de magnésio e cálcio pode indicar síndrome do osso faminto. Uma biópsia óssea revela remineralização óssea extensa.
A diminuição do bicarbonato sérico com aumento do cloreto sérico sugerem acidose tubular renal (ATR). O potássio sérico está diminuído na ATR distal clássica e proximal, mas aumentado na ATR distal hipercalêmica.
O teste genético revela as mutações desencadeantes subjacentes da perda de magnésio renal primária.
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