Abordagem

A hemoptise foi definida como um espectro que varia de uma pequena quantidade de escarro com presença de sangue até sangramento maciço, com consequências que oferecem risco de vida em decorrência da obstrução das vias aéreas e da instabilidade hemodinâmica.[43] Embora arbitrárias e variáveis na literatura, as definições a seguir permitem que a hemoptise seja clinicamente caracterizada pelo volume de sangue expectorado:

  • Hemoptise leve: <30 mL ao longo de 24 horas

  • Hemoptise franca ou moderada: ≥30 mL e <600 mL ao longo de 24 horas

  • Hemoptise maciça: 600 mL ou mais ao longo de 24 horas.

Em termos de fisiopatologia, é intuitivo considerar que uma hemoptise com volume >150 mL ofereça risco de vida, pois esse volume de sangue poderia inundar completamente as vias aéreas (ou seja, preencher o espaço morto anatômico até o nível das unidades de trocas gasosas pulmonares). É importante distinguir entre hemoptise e hemoptise maciça, pois o diagnóstico diferencial é menos amplo para a última, além de a urgência terapêutica ser maior.

A avaliação diagnóstica inicial deve ter por objetivo:

  • Diferenciar entre hematêmese (o vômito de sangue), pseudo-hemoptise (a tosse de sangue de uma fonte que não seja o trato respiratório inferior) e hemoptise

  • Identificar o local do sangramento

  • Definir o diagnóstico diferencial.

Anamnese e exame físico

Uma história e um exame físico detalhados podem ajudar a descartar hematêmese ou pseudo-hemoptise, além de poderem fornecer indícios quanto ao local e à causa da hemoptise.

Pseudo-hemoptise pode ocorrer quando a hematêmese é aspirada para os pulmões ou quando o sangramento da nasofaringe, dos seios nasais ou da cavidade oral estimula o reflexo de tosse.[6] Outras causas raras de pseudo-hemoptise incluem pneumonia decorrente de Serratia marcescens que produz um escarro pigmentado vermelho ou pigmentação do escarro decorrente do uso de rifampicina.[44]

Caracteristicamente, a hemoptise tende a ser indicada por escarro espumoso vermelho vivo, que é alcalino e com saturação de oxigênio (SaO₂) similar à saturação arterial periférica. O sangue de origem gastrointestinal tende a ser mais escuro, pode conter partículas de alimento misturadas, é ácido, e tem uma SaO₂ similar à encontrada no sangue venoso.[6][7] A exceção é quando o sangramento ativo no trato gastrointestinal sobrepuja o ambiente ácido do estômago ou quando ocorre sangramento arterial em um local extrapulmonar.

As características principais da história incluem os pontos a seguir.

  • Uma história de tuberculose não tratada, câncer pulmonar ou câncer metastático extrapulmonar e uma perda de peso significativa aumentam o risco de hemoptise.

  • Uma história de tabagismo ou de exposição ao asbesto ou sílica confere um aumento do risco para câncer pulmonar.

  • Uma história de produção crônica de escarro mucopurulento com doença pulmonar crônica é sugestiva de bronquiectasia.

  • Uma história de esforço físico, de ortopneia ou de dispneia paroxística noturna sugere a presença de insuficiência cardíaca congestiva ou estenose mitral.

  • Dispneia e dor torácica pleurítica pode indicar embolia pulmonar.

  • História medicamentosa detalhada: o uso de terapia de anticoagulação pode indicar coagulopatia. Uma história de trombose venosa profunda, de embolia pulmonar ou de estado hipercoagulável com anticoagulação inadequada sugere a possibilidade de embolia pulmonar como fonte da hemoptise.

  • Histórico de viagens a uma área endêmica: pode apontar para potenciais fontes endêmicas de infecção pulmonar, como: histoplasmose nos vales do Centro-Oeste dos EUA; coccidioidomicose no sudoeste dos EUA; paragonimíase na Ásia Oriental; ou esquistossomose nos trópicos da América do Sul, África e Extremo Oriente.

Achados físicos são incomuns, mas podem ajudar a estabelecer a causa da hemoptise.

  • A presença de equimoses e/ou petéquias sugere doenças hematológicas.

  • A presença de baqueteamento digital pode estar associada a carcinoma broncogênico de células não pequenas, bronquiectasia e abscesso pulmonar crônico.

  • Um sibilo unilateral pode ser ouvido em casos de adenoma brônquico ou de carcinomas endobrônquicos que bloqueiam o fluxo aéreo laminar.

  • A presença de ruflar diastólico, com estalido de abertura, hiperfonese de B1 e hiperfonese da segunda bulha no foco pulmonar (P2) no exame precordial sugere a presença de estenose mitral.

  • Outros achados sistêmicos como artralgias, sinovite e/ou deformidade do nariz são indícios para causas reumatológicas, como granulomatose com poliangiite (anteriormente granulomatose de Wegener).

Radiografia torácica e tomografia computadorizada do tórax

Depois de anamnese e exame físico cuidadosos, deve ser realizada uma radiografia torácica. Foi demonstrado que isso localiza o local de sangramento em 47% dos pacientes.[45] Também pode fornecer indícios de qualquer entidade específica que possa ser responsável pela hemoptise, incluindo tuberculose, malignidade, bronquiectasia, aspergiloma e abscesso pulmonar.

A aspiração de sangue para dentro do pulmão contralateral pode fazer com que a radiografia torácica seja enganosa na determinação do lado do sangramento.[46] Além disso, algumas causas de hemoptise podem não produzir alterações em uma radiografia torácica; estas incluem bronquite, bronquiectasia leve, pequenas áreas de infecção, angioma, infarto, fístula aortopulmonar ou uma lesão endobrônquica que não seja suficientemente grande para causar oclusão brônquica.[7][47]

Tomografia computadorizada do tórax

Se o diagnóstico permanecer obscuro, a tomografia computadorizada (TC) do tórax é indicada. Os pacientes com hemoptise moderada ou recorrente, com alto risco de câncer pulmonar (>40 anos de idade e história de tabagismo >30 maços-ano) ou hemoptise maciça também podem se beneficiar de uma TC do tórax se puder ser realizada de maneira segura.[48][49] O American College of Radiology recomenda o uso da TC do tórax com contraste para realce ideal da circulação arterial sistêmica mais comumente implicada na hemoptise.[50]

Um aparelho para TC de fonte dupla permite a aquisição rápida de duas fontes de radiografia em dois níveis de energia diferentes (modo de energia dupla) simultaneamente, o que permite a aquisição de dois conjuntos de dados de informações diversas. Quando combinada com a angiografia com divisão de tempo, permite a avaliação simultânea das artérias pulmonares e sistêmicas (brônquicas) para localizar a fonte de hemoptise, incluindo fístula broncopulmonar.[51][52]

Se houver suspeita de embolia pulmonar decorrente de dispneia aguda com ou sem dor torácica pleurítica, uma angiotomografia torácica ou um exame de ventilação/perfusão (V/Q) serão indicados.[53]

A TC do tórax também é útil para delinear a anatomia vascular antes da embolização arterial terapêutica.[48]

Broncoscopia

Se a história, o exame e a imagem torácica não identificarem uma causa clara para a hemoptise, a broncoscopia é indicada. O carcinoma broncogênico é encontrado em 9.6% dos pacientes com hemoptise com radiografia torácica normal.[54]

O broncoscópio flexível é o instrumento de escolha para a avaliação da hemoptise não maciça, pois a broncoscopia flexível (BF) pode ser realizada em um cenário ambulatorial ou à beira do leito sob sedação moderada. A BF permite a visualização subsegmentar das vias aéreas, incluindo os orifícios do lobo superior.[14] Para identificar o local de sangramento, a BF é o método mais preciso durante o sangramento ativo, com uma taxa de sucesso de 86%, além de ser amplamente reconhecida como o estudo de escolha.[55][56][57] Ela também pode ser usada como uma ferramenta terapêutica para bloquear o local de sangramento e para introduzir ferramentas mecânicas ou térmicas para tratá-lo.[29] Embora a identificação do segmento broncopulmonar com sangramento possa não ser alcançada em todos os pacientes, o rendimento diagnóstico pode ser aumentado por meio do exame e lavagem diagnóstica de todos os orifícios brônquicos. Por vezes, um tumor com sangramento pode ser identificado nos brônquios subsegmentares. Todas as anormalidades devem ser apropriadamente biopsiadas, escovadas ou lavadas para a coleta de espécimes adequados, quando possível. O broncoscopista deve dedicar atenção especial e documentar capilares vasculares, inflamação brônquica e anormalidades sutis da mucosa.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Mucosa endobrônquica hipervascularDo acervo pessoal do Dr. Erik Folch [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@686c048d

Os estudos disponíveis mostram uma taxa de sucesso mais elevada quando a broncoscopia é realizada precocemente.[55][58][59] A identificação do local do sangramento permite que o clínico se concentre no tratamento adequado. O broncoscópio flexível pode ser usado para evacuar coágulos das vias aéreas, obter amostra para diagnóstico e fornecer terapia local baseada em calor ou frio.

Não há consenso sobre o uso de um broncoscópio rígido em vez de um flexível na hemoptise maciça. A escolha é feita principalmente com base na experiência do operador e no cenário clínico. As vantagens do broncoscópio rígido (controle das vias aéreas, lúmen mais amplo, oportunidade de usar instrumentos maiores e capacidade de sucção) podem ser contrabalançadas pelas suas desvantagens (necessidade de sala de cirurgia disponível, anestesia geral e alcance reduzido nas vias aéreas distais).[5][28]

A broncoscopia urgente em um paciente instável facilita a introdução de um cateter com ponta balão no brônquio com sangramento para o tamponamento do local hemorrágico, protegendo assim o pulmão sem sangramento da aspiração.[60]

A broncoscopia flexível e a broncoscopia rígida são consideradas técnicas complementares por muitos especialistas.[5][14][29][61]

Outras técnicas de imagem

A arteriografia brônquica pode ser usada como uma intervenção diagnóstica e terapêutica se disponível. Essa técnica envolve a injeção de um corante de radiocontraste dentro da aorta torácica para visualizar e localizar as artérias sistêmicas principais que irrigam o pulmão, com frequência guiada pela localização da origem do sangramento por meio da broncoscopia. Depois que os vasos nutridores forem localizados, a arteriografia brônquica seletiva pode ser realizada e os vasos anormais, identificados. As anormalidades podem incluir dilatação, tortuosidade, hipervascularidade e extravasamento do contraste. Assim que a fonte do sangramento for identificada, um agente embolizante (por exemplo, partículas de álcool polivinil, Gelfoam®, microesferas de dextran ou espirais metálicas) pode ser injetado. Uma arteriografia pós-embolização é realizada para garantir o bloqueio completo do vaso em sangramento. As taxas de sucesso relatadas com arteriografia brônquica variam de 70% a 99%, com uma taxa de recorrência de até 57%.[31]

As complicações neurológicas de paraparesia ou paraplegia são complicações potenciais da arteriografia brônquica, ocorrendo em 0.6% a 4.4% dos procedimentos, uma vez que a artéria espinhal anterior se origina da circulação arterial brônquica em cerca de 5% da população.[31][62][63]​​​

A angiografia foi comparada com a broncoscopia flexível (BF) para o diagnóstico do local de sangramento na hemoptise.[59] A BF pareceu ter um maior rendimento diagnóstico (particularmente quando realizada precocemente), mas a angiografia foi capaz de identificar o local do sangramento em 2 de 8 pacientes com broncoscopias não diagnósticas.[59]

Angiotomografia

Útil para identificar doenças das vias aéreas e parenquimatosa, e anomalias da anatomia vascular. Em pacientes com hemoptise, foi mostrado que fornece novas informações diagnósticas em 47%, para esclarecer anormalidades em 15% e para localizar o local do sangramento em 88%.[46] Com o uso da reconstrução do modelo iterativo e da tecnologia prospectivo com atividade gatilho sincronizada com ECG na angiotomografia com múltiplos detectores, a anatomia brônquica pode ser descrita em pacientes com hemoptise.[64] Em pacientes com hemoptise de fonte desconhecida e com radiografia torácica normal, essa tecnologia de TC pode ajudar a identificar a possível fonte de sangramento. A reconstrução tridimensional renderizada do volume permite uma viagem virtual até as vias aéreas e facilita o procedimento broncoscópico.[65] O papel dessa tecnologia na investigação de pacientes com hemoptise ainda não está claro. Do ponto de vista prático, a angiotomografia deve ser a TC de escolha para a investigação inicial de pacientes com hemoptise e em caso de uma radiografia torácica não diagnóstica e suspeita clínica de doença tromboembólica pulmonar. Se o tromboembolismo pulmonar for descartado, as informações obtidas na angiotomografia geralmente são adequadas para mapear o caminho para a broncoscopia e para a embolização subsequente da artéria brônquica, caso seja necessária. Na maioria dos casos, a identificação de uma fonte de hemoptise na artéria brônquica é mais útil para orientar a terapia, o que geralmente significa embolização do vaso.

A broncoscopia virtual e a angiotomografia, apesar da alta qualidade das imagens, ainda necessitam de angiografia brônquica convencional para fins terapêuticos.

Avaliação laboratorial

A avaliação laboratorial deve se concentrar na suspeita diagnóstica.

  • O hemograma completo pode ajudar a identificar infecção, sangramento crônico ou um distúrbio hematológico (por exemplo, leucemia).

  • Estudos da coagulação podem sugerir coagulopatias tratáveis que facilitam a ocorrência de hemoptise.

  • A gasometria arterial é indicada, particularmente quando a hemoptise é grave ou há preocupação com a insuficiência respiratória.

  • Uremia deve ser considerada como um fator que contribui para a hemoptise pelo efeito adverso da uremia sobre a agregação plaquetária.

  • A urinálise pode ajudar a identificar uma síndrome pulmonar-renal ou vasculite. Se houver suspeita clínica de síndrome pulmonar-renal, um teste de anticorpo antimembrana basal glomerular, um teste de anticorpo anticitoplasma de neutrófilo e/ou uma biópsia renal devem ser considerados.

  • Estudos de escarro e soro devem ser obtidos se houver suspeita de causa infecciosa. Se houver suspeita de infecção pulmonar granulomatosa ou cavitária, deve-se obter coleta de escarro para culturas de bacilos ácido-álcool resistentes e de fungos. Se houver suspeita de infecção fúngica endêmica (por exemplo, histoplasmose, blastomicose, coccidioidomicose), devem ser obtidas sorologias fúngicas.[66]

ECG e ecocardiografia

Se houver suspeita de uma causa cardíaca para a hemoptise, um ECG e uma ecocardiografia podem ajudar a identificar a presença de hipertensão pulmonar, insuficiência ventricular esquerda, endocardite, estenose mitral ou cardiopatia isquêmica.


Como realizar uma demonstração animada do ECG
Como realizar uma demonstração animada do ECG

Como registrar um ECG. Demonstra a colocação de eletrodos no tórax e nos membros.


Preditores de mortalidade

Dados retrospectivos indicam que ventilação mecânica no momento do encaminhamento, câncer, aspergilose, alcoolismo crônico, envolvimento da artéria pulmonar e infiltrados que envolvam dois quadrantes ou mais no momento da hospitalização são preditores independentes de aumento da mortalidade entre pacientes hospitalizados com hemoptise.[67]

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