Abordagem
Em geral a proteinúria é diagnosticada incidentalmente durante um teste rotineiro de tira reagente de amostras de urina. Em outras ocasiões, um grau de suspeita apropriado é necessário para justificar um pedido de urinálise para a mensuração da proteína. É importante distinguir as etiologias benignas e autolimitadas das doenças mais significativas. Embora a lista de diagnósticos diferenciais para a proteinúria inclua quase todas as etiologias de doença renal, vários princípios devem ser considerados durante a avaliação da proteinúria:
em geral, as doenças que afetam estruturas pré-glomerulares (por exemplo, vasculite de vasos médios, insuficiência cardíaca), anormalidades estruturais macroscópicas (por exemplo, doença renal cística, obstrução do trato urinário), infecção do trato urinário inferior, isquemia e toxicidade medicamentosa resultam em proteinúria mínima ou leve
as etiologias de proteinúria significativa tipicamente incluem as doenças glomerulares e as discrasias plasmocitárias
a presença de hematúria com proteinúria manifesta sugere glomerulonefrite.
Embora existam exceções, é útil trabalhar dentro desse quadro.
A proteinúria isolada tipicamente apresenta poucos sinais e sintomas. A proteinúria na faixa nefrótica pode, ocasionalmente, resultar em urina espumosa, embora a excreção normal de proteína também possa produzir espuma quando a urina estiver altamente concentrada. A proteinúria na faixa nefrótica pode causar edema, derrame pleural e ascite, ocasionando inchaço, dispneia e distensão abdominal. Os pacientes com proteinúria na faixa nefrótica persistente podem perder peso e se tornarem mais suscetíveis a infecções.
História
A obtenção de uma história detalhada é essencial ao investigar a causa da proteinúria.
História de sintomas
Os sintomas transitórios incluem febre, exercício extenuante recente, disúria, urgência, frequência, urina turva ou malcheirosa e/ou trauma. Pode se desenvolver junto com a proteinúria transitória (causada por febre, esforço físico intenso, infecção do trato urinário, hemorragia urológica, proteinúria ortostática).
Os sintomas de proteinúria persistente variam de acordo com a causa:
Inchaço: pode ser um sintoma de doença de lesão mínima, glomeruloesclerose segmentar e focal, nefropatia membranosa, glomerulonefrite membranoproliferativa, nefropatia por IgA, lúpus eritematoso sistêmico (LES), glomerulonefrite pós-infecciosa, amiloidose, doenças de depósito de cadeias leves e pesadas, glomerulopatias imunotactoide e fibrilar, nefropatia cilíndrica por cadeias leves, síndrome hemolítico-urêmica (SHU), ou púrpura trombocitopênica trombótica (PTT).
Hematúria macroscópica: pode estar presente em pacientes com nefropatia por IgA, doença antimembrana basal glomerular (anti-GBM; síndrome de Goodpasture), doença renal cística ou nefropatia por ácido aristolóquico.
Dor: pode ser um sintoma de doença renal cística, obstrução do trato urinário, vasculite de vasos pequenos e médios, intoxicação por metal pesado, trombose venosa renal e rabdomiólise. Pacientes com doença de Fabry podem relatar sensação de queimação das mãos com exercício e calor.
Hábitos intestinais alterados: podem ser um sintoma de hipercalciúria (constipação) e SHU (diarreia).
Convulsões: podem ser sintomas de PTT e de LES.
Poliúria: pode ser um sintoma de hipercalciúria, de doença de Dent e de obstrução do trato urinário.
Sintomas oculares: podem estar presentes em pacientes com doença de Fabry, nefropatia diabética, hipertensão e doença renal cística.
Sintomas respiratórios: podem estar associados a vasculite de pequenos e médios vasos, nefropatia por IgA e crise renal esclerodérmica.
História médica pregressa
É importante perguntar sobre a história médica prévia. Alguns exemplos incluem:
Diabetes e retinopatia
Infecção respiratória do trato superior
Distúrbios gastrointestinais: doença de Crohn, doença celíaca, alteração da motilidade gastrointestinal, diarreia
Hipertensão
Neoplasia maligna: linfoma (e transplante de células-tronco), mieloma múltiplo
Doenças infecciosas: inclusive infecção por estafilococos ou estreptococos, HIV, hepatite B, hepatite C, sífilis, endocardite, infecção recente por Escherichia coli
Distúrbios hematológicos: crioglobulinemia, microangiopatia trombótica, gamopatia monoclonal, anemia, história prévia de SHU/PTT, transplante prévio de medula óssea
Renal: insuficiência renal de progressão rápida, lesão nefrotóxica recente (como hipotensão, ventilação mecânica e isquemia), nefrolitíase, insuficiência renal aguda, insuficiência renal crônica, nefrocalcinose, nefronoftise da infância
Endócrina: resistência insulínica/diabetes, dislipidemia, obesidade
Autoimune/inflamatória: LES, febre familiar do Mediterrâneo, sarcoidose, doença de Sjogren, esclerodermia
Oftalmológica: distúrbios oculares, uveíte
Musculoesquelética: artrite, raquitismo
Uroginecológica: hipertrofia prostática benigna, retenção urinária, neoplasia maligna ginecológica
Neurológica: acidente vascular cerebral, neuropatia, cefaleia
Cardiovascular: doença arteria coronariana e periférica, insuficiência cardíaca congestiva
Trauma: lesão recente por esmagamento, imobilidade prolongada
Outras: hipohidrose, gestação, pós-parto, distúrbios em múltiplos órgãos
História familiar
Síndrome hemolítico-urêmica/púrpura trombocitopênica trombótica (SHU/PTT) atípicas
Síndrome de Fanconi
Doença de Dent.
História ocupacional/social
A exposição industrial/ambiental a pinturas antigas é uma fonte comum de intoxicação por metais pesados (chumbo).
A exposição a metais pesados pode estar associada à síndrome de Fanconi.
Os pacientes com doença anti-GBM (síndrome de Goodpasture) e glomeruloesclerose nodular idiopática geralmente apresentam história de tabagismo.
História medicamentosa
Os medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), a interferona e o lítio podem estar associados à doença de lesão mínima.
Os bifosfonatos podem estar associados à glomeruloesclerose segmentar e focal.[47][48]
Os AINEs, o ouro e a penicilamina podem estar associados a nefropatia membranosa.[49]
Os AINEs, os aminoglicosídeos, a anfotericina B, o ácido zoledrônico, as preparações intestinais com fosfato oral e o contraste intravenoso podem estar associados à lesão tubular aguda.
Os AINEs, os antibióticos, o alopurinol e os inibidores da bomba de prótons podem estar associados a nefrite intersticial.
Medicamentos como o tenofovir podem estar associados à síndrome de Fanconi.
O ácido aristolóquico e outros medicamentos para a perda de peso podem estar associados à nefropatia por ácido aristolóquico (antigamente chamada de nefropatia da erva Chinesa).[50] Medicamentos para perda de peso com ácido aristolóquico também podem estar associados à doença túbulo-intersticial.
A ciclosporina, o clopidogrel, a gencitabina e o bevacizumabe (inibidor do fator de crescimento endotelial vascular) podem estar associados à SHU ou à PTT.
A prednisona pode estar associada à crise renal esclerodérmica.[51]
As estatinas podem estar associadas à rabdomiólise.
O bevacizumabe está associado à hipertensão e à proteinúria de alto grau.[52]
História de uso de substâncias ilícitas
O uso de heroína pode estar associado à glomeruloesclerose segmentar e focal.[53]
Bebidas alcoólicas ilícitas/adulteradas podem ser fontes de intoxicação por metais pesados (chumbo).
Outros fatores a considerar
Idade
A proteinúria em crianças e adolescentes deve-se comumente a proteinúria ortostática e à doença de lesão mínima.[56]
A doença de lesão mínima e a nefropatia membranosa são comuns também em pacientes de idade avançada.[57][58][59]
Etnia
Exame físico
Sinais de proteinúria transitória (causada por febre, esforço físico intenso, infecção do trato urinário, hemorragia urológica, proteinúria ortostática) estão presentes.
Eles podem incluir temperatura elevada >38.0 °C (100.4 °F), dor nos flancos (se pielonefrite), sensibilidade da bexiga à palpação e/ou hematúria macroscópica.
Não há achados específicos para excesso de esforço físico intenso ou para proteinúria ortostática.
Os sinais de proteinúria persistente variam de acordo com a causa.
A febre pode ser um sinal de nefrite intersticial, doença de Fabry, síndrome hemolítico-urêmica (SHU) ou púrpura trombocitopênica trombótica (PTT).
A sobrecarga de volume (na forma de derrame pleural, ascite ou edema periférico) pode ser um sinal de doença de lesão mínima, glomeruloesclerose segmentar e focal, nefropatia membranosa, glomerulonefrite membranoproliferativa, nefropatia por imunoglobulina A (IgA), lúpus eritematoso sistêmico (LES), glomerulonefrite pós-infecciosa, amiloidose, doenças de depósito de cadeias leves e pesadas, glomerulopatias imunotactoide e fibrilar, nefropatia cilíndrica por cadeias leves, SHU ou PTT.
A hipertensão pode causar proteinúria ou pode ser um sinal de outras causas, incluindo SHU, PTT, crise renal esclerodérmica, doença glomerular, nefropatia por IgA, LES, glomerulonefrite pós-infecciosa, amiloidose, doença de depósito de cadeias leves e pesadas, glomerulopatias imunotactoide e fibrilar, nefropatia por cilindros de cadeias leves, síndrome metabólica e doença de Fabry.
Fraqueza neurológica pode ser um sinal de hipercalciúria, intoxicação por metais pesados, LES, neuropatia diabética ou vasculite de pequenos e médios vasos.
Um estado mental alterado pode ser um sinal de hipercalciúria, PTT, vasculite de pequenos e médios vasos, intoxicação por metais pesados ou LES.
Um índice de massa corporal (IMC) elevado pode ser um sinal de síndrome metabólica, doença de Fabry ou glomeruloesclerose segmentar e focal.
As erupções cutâneas podem ser um sinal de glomerulonefrite membranoproliferativa, crioglobulinemia, nefrite intersticial, SHU, PTT, vasculite de pequenos e médios vasos, intoxicação por metais pesados, síndrome de Fanconi ou LES. Geralmente, a vasculite causa uma erupção cutânea purpúrea. Os pacientes com LES podem apresentar um exantema facial em formato de borboleta ou discoide de manchas eritematosas.
A quem testar
Pacientes com proteinúria persistente na tira reagente para exame de urina
Pacientes com doença renal crônica
Pacientes com hipertensão
Requerem rastreamento para albuminúria moderada no momento do diagnóstico e anualmente para os grupos de alto risco (por exemplo, diabetes mellitus, função renal reduzida).[65]
Pacientes com diabetes mellitus do tipo 1
Necessitam de rastreamento anual com a proporção entre albumina e creatinina urinárias a partir de 5 anos após o diagnóstico.[66]
Pacientes com diabetes mellitus do tipo 2
Necessitam de rastreamento anual com a proporção entre albumina e creatinina urinárias.[66]
O rastreamento deve fazer parte da avaliação dos pacientes com síndrome metabólica, edema, lesão renal aguda, hematúria ou doença sistêmica (por exemplo, cirrose, infecção por vírus da imunodeficiência humana [HIV], vasculite). e pacientes que estejam tomando medicamentos que possam afetar a função renal.[23]
As sociedades profissionais não recomendam testar rotineiramente a população geral.
A frequência do acompanhamento da medição da proteína varia com base no cenário clínico. Diretrizes formais recomendam o acompanhamento anual nos pacientes com diabetes mellitus e nos pacientes de alto risco com hipertensão.[65][66] Apesar de não existirem recomendações específicas para os pacientes com função renal anormal, em geral os pacientes são reavaliados e a excreção de proteínas é mensurada novamente de 3 a 4 vezes por ano. Um paciente específico pode requerer um monitoramento mais ou menos frequente, a depender das circunstâncias.
Como testar
Exames iniciais
Todos os pacientes devem ter aferidas sua relação albumina/creatinina em uma amostra de urina, sua creatinina sérica e sua estimativa da taxa de filtração glomerular.
Uma relação albumina/creatinina de >30 mg/g (3 mg/mmol) confirmada é considerada clinicamente importante. Uma relação albumina/creatinina em amostra de urina entre 30 mg/g (3 mg/mmol) e 700 mg/g (70 mg/mmol) deve ser repetida em uma amostra de primeira micção do dia. Se a relação albumina/creatinina for >700 mg/g (70 mg/mmol) o teste não precisa ser repetido.[23] Esse teste é mais sensível para a detecção de baixos níveis de albuminúria que a razão proteína/creatinina.[23]
A albuminúria é classificada da seguinte maneira:[3]
A1 (albuminúria normal a leve)
Taxa de excreção da albumina: <30 mg/24 horas
RAC: <30 mg/g
A2 (albuminúria moderada)
Taxa de excreção da albumina: 30-300 mg/24 horas
RAC: 30-300 mg/g
A3 (albuminúria grave)
Taxa de excreção da albumina: >300 mg/24 horas
RAC: >300 mg/g
A investigação da proteinúria é similar para as proteinúrias glomerular, tubular e por excesso de fluxo (overflow). Os resultados da anamnese e exame físico abrangentes direcionarão a avaliação laboratorial adicional. A menos que a história clínica indique fortemente uma proteinúria tubular, tipicamente se avalia primeiro a proteinúria glomerular.
Relação proteína/creatinina na amostra
Quando a relação albumina/creatinina é de 70 mg/mmol ou mais, a relação proteína/creatinina pode ser usada como alternativa para a relação albumina/creatinina.[23]
Tira reagente para exame de urina
Positiva para proteína
Pode detectar hematúria, piúria, nitritos e glicose
Não recomendada para o rastreamento de populações em risco de proteinúria (por exemplo, pacientes com diabetes ou doença renal crônica)[67]
Se a proteinúria estiver presente em 2 amostras de urina com intervalo de 1 a 2 semanas, faça o acompanhamento com testes quantitativos.[3]
urina de 24 horas
Uma creatinina sérica alternativa e taxa de filtração glomerular (TFG) estimada, embora seja mais incômodo para o paciente
Pode apresentar clearance de creatinina normal ou reduzido
Nos pacientes com TFG >60 mL/minuto/1.73 m², a fórmula Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) pode subestimar a verdadeira função renal. Para esses pacientes, pode ser mais preciso coletar a urina de 24 horas para a aferição do clearance de creatinina.
Testes para doenças metabólicas ou cardiovasculares
Glicemia de jejum ≥7.0 mmol/L (≥126 mg/dL), HbA1c ≥48 mmol/mol ou glicose plasmática a 2 horas ≥11.1 mmol/L (200 mg/dL) durante um teste oral de tolerância à glicose indica diabetes mellitus[68]
Triglicerídeos elevados ≥1.7 mmol/L (≥150 mg/dL) ou HDL reduzida <1.03 mmol/L (<40 mg/dL) (homens) ou <1.3 mmol/L (<50 mg/dL) (mulheres) indicam síndrome metabólica[69]
Pressão arterial: PA sistólica ≥130 mmHg ou PA diastólica ≥85 mmHg indicam síndrome metabólica[69]
Ecocardiografia: pode apresentar evidências de disfunção do ventrículo esquerdo.
Exames para proteinúria manifesta
Hemograma completo com diferencial: pode mostrar anemia na doença renal crônica
Sorologias para HIV, hepatite B e hepatite C: nos casos de suspeita de infecção
Fator antinuclear e anticorpos anti-DNA de fita dupla: se houver suspeita clínica de lúpus eritematoso sistêmico (LES)
CH50, C3 e C4: se houver suspeita clínica de LES, glomerulonefrite pós-infecciosa, crioglobulinemia/hepatite C ou glomerulonefrite membranoproliferativa níveis baixos de CH50, C3 e C4 no LES
Anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA): se houver suspeita de vasculite associada a ANCA
Eletroforese de proteínas urináriaa e do soro com imunofixação/mensuração de cadeias leves livres no soro: pode detectar uma paraproteína se houver discrasia plasmocitária
Fator reumatoide: se houver suspeita clínica de crioglobulinemia ou hepatite C
Crioglobulinas: se houver suspeita clínica de hepatite C ou vasculite crioglobulinêmica
Anticorpo antimembrana basal glomerular (anti-GBM): se houver suspeita clínica de doença anti-GBM (síndrome de Goodpasture)
Ultrassonografia renal: pode identificar anormalidades estruturais ou obstrução no trato urinário
Biópsia renal: pode ser necessária para determinar o prognóstico e a decisão de tratamento e para estabelecer o diagnóstico caso ele não esteja prontamente aparente pela história e pela testagem sorológica.
Exames para suspeita de proteinúria tubular
Rastreamento de metais pesados: se houver suspeita de intoxicação por metais pesados
Avaliação de glicosúria, fosfatúria e acidose tubular renal: se houver suspeita de síndrome de Fanconi. As 3 estão presentes no contexto de proteinúria tubular
Albumina urinária/beta-2-microglobulina: uma razão de aproximadamente 1:13 é consistente com proteinúria tubular.
Se houver suspeita de proteinúria ortostática, a relação entre proteína e creatinina em uma amostra da primeira urina da manhã deve ser comparada com a relação de uma amostra aleatória coletada em outro horário do dia. A ausência de proteinúria na amostra da manhã e a sua presença na amostra coletada posteriormente (em outro horário do dia) confirma a proteinúria ortostática.
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