Etiologia

A trombocitopenia pode ser congênita ou adquirida. Pode ser devida a distúrbios medulares, depuração plaquetária elevada, sequestro plaquetário, pseudotrombocitopenia ou causas dilucionais.[5] Mais de um mecanismo pode contribuir para a trombocitopenia.

Distúrbios medulares

A medula óssea é o local onde as plaquetas são produzidas. Os megacariócitos liberam pró-plaquetas das suas superfícies membranares.[6] Depois de serem formadas pela medula óssea, as plaquetas migram para a circulação periférica. As doenças que afetam a medula óssea incluem:

Neoplasia maligna

  • A produção de plaquetas pode ser interrompida por um processo maligno, como leucemia, linfoma, mieloma ou doença metastática. O mieloma múltiplo pode se manifestar com pancitopenia.[7]

Infecções virais

  • Pode causar supressão da medula óssea, inclusive mononucleose infecciosa, vírus da imunodeficiência humana/síndrome de imunodeficiência adquirida (HIV/AIDS), citomegalovírus, parvovírus.

  • A causa da trombocitopenia em pacientes com infecção pelo vírus da dengue não é completamente compreendida, mas acredita-se que envolva tanto a supressão da medula óssea quanto o aumento da depuração plaquetária.[8][9]

  • A trombocitopenia grave é uma característica rara da infecção pelo vírus da Zika.[10]

Drogas/toxinas

  • A quimioterapia e o consumo excessivo de álcool podem afetar a medula.

Tuberculose miliar

  • Pode causar granulomas caseosos na medula, com consequente pancitopenia.

Fibrose da medula óssea

  • Pode ser observada em pacientes com condições autoimunes ou inflamatórias. Pode causar pancitopenia, embora alguns indivíduos com fibrose medular possam apresentar leucocitose ou trombocitose.

  • Alguns indivíduos com fibrose medular desenvolvem trombocitopenia imune grave, a qual pode responder a tratamentos para trombocitopenia imune.

Deficiências nutricionais

  • A deficiência de vitamina B12 ou folato prejudica a síntese do DNA e causa alterações megaloblásticas nos megacariócitos. A contagem plaquetária diminui.

Anemia aplásica

  • A falência medular e os baixos números de megacariócitos resultam em plaquetopenia.

Hemoglobinúria paroxística noturna (HPN)

  • Os pacientes apresentam um defeito de célula-tronco clonal que causa defeitos de maturação em megacariócitos.

  • Esse defeito encontra-se no gene fosfatidilinositol glicano de classe A (PIG-A), um gene ligado ao cromossomo X que codifica uma proteína envolvida com a âncora de fosfatidilinositol.

Depuração plaquetária elevada

A destruição das plaquetas na corrente sanguínea pode ser mais rápida que sua produção. As causas incluem:

Trombocitopenia imune (ITP)

  • Uma doença comum e um diagnóstico de exclusão.

  • Em pacientes com destruição imunológica de plaquetas, anticorpos antiplaquetários se ligam às plaquetas e são depurados via receptores Fc em macrófagos no sistema reticuloendotelial. Esse processo ocorre principalmente no baço.

  • Há evidências de que pacientes com PTI também podem apresentar baixa produção de plaquetas. No entanto, as biópsias de medula óssea geralmente revelam um número excessivamente alto de megacariócitos.[11]

  • É normal haver um esfregaço periférico completamente normal, com exceção de uma plaquetopenia. Pode ocorrer anemia hipocrômica microcítica por deficiência de ferro devida a sangramento excessivo.

Medicação

  • Muitos medicamentos causam trombocitopenia.[12] Medicamentos causadores comuns incluem a heparina, antibióticos, especialmente penicilinas e medicamentos que contêm enxofre, quinina, e medicamentos antiepilépticos, como ácido valproico e carbamazepina.

  • Os medicamentos podem causar aumento da depuração plaquetária, em decorrência da interação do medicamento com as próprias plaquetas ou da alteração da conformação dos epítopos nas plaquetas, causando destruição mediada por anticorpos.[12]

  • A trombocitopenia induzida por heparina (TIH) decorre de uma tendência trombótica paradoxal, na qual a contagem plaquetária diminui secundariamente ao dano endotelial.[13][14]

Coagulação intravascular disseminada (CIVD)

  • A CIVD é associada a endotoxinas, complicações obstétricas como placenta abrupta, picadas de cobra, malignidades (por exemplo, leucemia promielocítica aguda) ou trauma tecidual (por exemplo, cirurgia).

  • O consumo de plaquetas e os fatores de coagulação causam sangramento e formação de pequenos microtrombos. Estes podem causar doença oclusiva da microcirculação e isquemia digital.

  • Os sintomas podem incluir epistaxe, sangramento gengival, tosse, dispneia, febre e confusão. O exame físico pode revelar petéquias, equimose, gangrena, taquicardia, hipotensão, atrito pleural e sangramento gastrointestinal ou geniturinário.

  • Os resultados laboratoriais revelam aumento do tempo de protrombina (TP) e do tempo de tromboplastina parcial (TTP) ativada e níveis reduzidos de fibrinogênio.

  • Geralmente, a contagem plaquetária se elevará se houver um tratamento bem-sucedido da patologia subjacente.

Púrpura trombocitopênica trombótica (PTT)

  • Em crianças, essa doença se manifesta como a síndrome hemolítico-urêmica (SHU). Uma cepa produtora de toxina Shiga da Escherichia coli causa aglomeração de plaquetas na microcirculação.

  • Em adultos, a deficiência de ADAMTS13 (uma desintegrina e metaloproteinase com um motivo de trombospondina tipo 1, membro 13) ou a presença de imunoglobulina contra ADAMTS13 podem ocasionar a incapacidade de clivar fatores de von Willebrand de alto peso molecular; as plaquetas então se aglutinam na microcirculação.[15]

  • Consequentemente, ocorre a pêntade de trombocitopenia, anemia hemolítica microangiopática, febre, anormalidades renais e anormalidades neurológicas.

  • Os níveis dos fatores de coagulação, TP, TTP ativada e níveis de fibrinogênio permanecem normais. Por outro lado, na CIVD, o TP e TTP ativada estão aumentados, e o nível de fibrinogênio está abaixo do normal.

  • Certos medicamentos podem causar um estado semelhante à PTT, particularmente a ciclosporina, tacrolimo, clopidogrel e quinina.

Trauma intravascular

  • A derivação cardiopulmonar pode causar reduções de 50% na contagem plaquetária.

Síndrome de hemólise, enzimas hepáticas elevadas e plaquetopenia (HELLP)

  • Pode ocorrer em gestantes com pré-eclâmpsia ou eclâmpsia.

  • Tipicamente diagnosticamente no terceiro trimestre.

Sepse

  • A elevação da temperatura para 38.3 °C (101 °F) pode causar o desarranjo das citocinas, resultando em uma trombocitopenia pronunciada.

Vacinações

  • A vacina tríplice viral foi relatada como uma causa de trombocitopenia.

Doenças reumáticas

  • O lúpus eritematoso sistêmico (LES), a artrite reumatoide ou a sarcoidose podem causar destruição periférica de plaquetas via trombocitopenia imune secundária.

  • São tipicamente identificadas como trombocitopenia autoimune associada à síndrome reumática, em oposição a PTI pura.[4]

Síndrome antifosfolipídica

  • Os pacientes com anticoagulante lúpico (um anticorpo direcionado contra a cardiolipina ou outros epítopos das plaquetas) podem apresentar trombocitopenia e um estado protrombótico paradoxal.

Trombocitopenia cíclica

  • Sangramento episódico a cada 21 a 35 dias; pode estar associado à menstruação.

Sequestro

Cirrose

  • A esplenomegalia pode ocorrer em consequência de doença hepática (tipicamente cirrose) com hipertensão portal.

Doença do armazenamento lisossomal

  • A doença de Gaucher causa trombocitopenia através de 2 mecanismos: esplenomegalia com macrófagos carregados de glicocerebrosídeos que preenchem o baço, juntamente com células de Gaucher na medula que causam uma diminuição na produção de plaquetas.

Malária

  • Os pacientes podem apresentar esplenomegalia acompanhada de trombocitopenia.

Esplenomegalia associada a neoplasia hematológica

  • O linfoma esplênico ou baço aumentado causado por hematopoese extramedular, como observado em neoplasias mieloproliferativas de fase avançada de medula óssea, pode se apresentar com trombocitopenia conforme as plaquetas são sequestradas no baço aumentado.

Pseudotrombocitopenia

Alguns pacientes apresentam trombocitopenia como um artefato de laboratório; anticorpos dependentes do ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) na circulação resultam em pseudotrombocitopenia em <0.1% da população.[16][17] Esses indivíduos não apresentam história de sangramento e apresentam contagens normais de componentes sanguíneos. No entanto, as plaquetas se aglutinam quando a coleta de sangue é feita com tubos de vidro contendo EDTA. A contagem plaquetária na análise laboratorial é considerada como abaixo do normal, pois os aglomerados não são reconhecidos como plaquetas pelos modernos contadores de células sanguíneas. Nessa circunstância, é importante tomar uma das seguintes medidas:

  • Realizar esfregaço de sangue periférico por punção digital

  • Coletar o sangue em um tipo diferente de tubo, como tubos revestidos com heparina ou citrato, que são as opções mais comuns

  • Realizar a contagem manualmente em uma amostra diluída sem anticoagulantes.

Dilucional

Depois de uma transfusão de sangue, ocorre uma diluição do número normal de plaquetas em um maior volume de eritrócitos. Isso pode ocorrer após receber apenas 1 ou 2 unidades de sangue. A contagem plaquetária pode diminuir pela metade após administração de 2 unidades de eritrócitos a um paciente anêmico. Tipicamente, para cada 6 unidades de sangue administradas, uma unidade de plaquetas exógenas deverá ser transfundida para manter a contagem plaquetária próxima dos valores normais. A intensidade do sangramento nesses pacientes geralmente está correlacionada com o grau da trombocitopenia.

Genética

Distúrbios relacionados a MYH9, incluindo anomalia de May-Hegglin

  • Transmissão autossômica dominante.

  • O esfregaço de sangue periférico demonstra corpúsculos de Döhle (inclusões de leucócitos azul acinzentadas) nos neutrófilos.

  • As plaquetas podem parecer grandes.

  • Mutações do gene MYH9 são observadas nesses pacientes.

Síndrome de Bernard-Soulier

  • Doença hemorrágica autossômica recessiva.

  • As plaquetas são grandes e há baixos níveis de glicoproteína Ib/IX na superfície plaquetária.

Síndrome de Wiskott-Aldrich

  • Entidade infantil rara.

  • Um distúrbio ligado ao cromossomo X caracterizado por plaquetas pequenas, com trombocitopenia, juntamente com eczema e um estado imunocomprometido.

  • Essas crianças apresentam mutações do gene da proteína da síndrome de Wiskott-Aldrich (WASP; localizado no braço curto do cromossomo X).

Doença de Gaucher

  • É uma doença do armazenamento lisossomal causada por uma deficiência hereditária de beta glucocerebrosidase.

  • Causa trombocitopenia através de 2 mecanismos: esplenomegalia com macrófagos carregados de glicocerebrosídeos que preenchem o baço, juntamente com células de Gaucher na medula que causam uma diminuição na produção de plaquetas.

Distúrbio plaquetário hereditário com mutação em RUNX1 na linha germinativa.

  • Síndrome autossômica dominante caracterizada por trombocitopenia e predisposição a neoplasias mieloides.

  • Tendência ao sangramento de leve a moderada.

  • Morfologia plaquetária normal, mas evidência de disfunção plaquetária (estudos de agregação plaquetária comprometidos com colágeno e adrenalina; deficiência de pool de armazenamento de grânulos densos).

Trombocitopenia por mutação da linha germinativa em ANKRD26

  • Síndrome autossômica dominante caracterizada por trombocitopenia e predisposição a neoplasias mieloides.

  • Trombocitopenia moderada com morfologia plaquetária normal.

  • Estudos normais de agregação plaquetária.

Trombocitopenia devido a mutação germinativa em ETV6

  • Síndrome autossômica dominante caracterizada por trombocitopenia e predisposição a malignidade (leucemia/linfoma linfoide B mais comumente pediátrico).

  • Tendência ao sangramento de leve a moderada.

  • Morfologia plaquetária normal e estudos normais de agregação plaquetária.

Outra

Esta categoria inclui diversos mecanismos de trombocitopenias.

Endócrina

  • Algumas endocrinopatias inflamatórias, como a tireoidite de Hashimoto, podem ser caracterizadas por trombocitopenia. O mecanismo da trombocitopenia não está claro, mas pode ser semelhante ao da PTI.

Trombocitopenia gestacional

  • Ocorre em 4.4% a 11.6% das gestantes.[18]

  • O volume do plasma se expande na gravidez e, portanto, a contagem plaquetária pode ser reduzida em decorrência do efeito dilucional.

  • Acredita-se ainda que a placenta libera fatores que promovem a redução da sobrevida de plaquetas e a depuração acelerada.[18][19]

Pacientes em estado crítico

  • A trombocitopenia é muito comum nesses pacientes e é mal compreendida. É provável que seja multifatorial em decorrência da grave disfunção do órgão, inclusive com desenvolvimento de coagulopatia intravascular.[20]

  • A trombocitopenia em pacientes com coronavírus, inclusive COVID-19, é frequente e está associada a aumento do risco de doença grave e mortalidade.[21]

  • Muitos pacientes criticamente enfermos satisfazem pelo menos alguns critérios da síndrome hemofagocítica (também conhecida como linfo-histiocitose hemofagocítica ou síndrome de ativação de macrófagos). A anemia e a trombocitopenia estão presentes em >80% desses pacientes.[22]

  • Os pacientes são frequentemente tratados com vários medicamentos que podem causar trombocitopenia.

  • Os pacientes podem desenvolver púrpura pós-transfusional (plaquetopenia 7-10 dias após a transfusão).

  • Aqueles com cateteres múltiplos apresentam grande potencial para deposição de plaquetas e desenvolvimento de coágulo.

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