Abordagem

As indicações iniciais para o diagnóstico correto podem ser derivadas da história e do exame físico. Exames diagnósticos adicionais (por exemplo, biópsia de pele, culturas de tecidos e imunofluorescência) geralmente, mas nem sempre, são necessários para se obter um diagnóstico definitivo.

História

Informações clínicas obtidas pela história e exame físico são o primeiro passo para a classificação dos pacientes em grupos, especificamente etiologias genéticas, adquiridas ou autoimunes. No entanto, é raro observar algumas formas de doença bolhosa adquirida no período neonatal pela transmissão de anticorpos da mãe. História materna de doença imunobolhosa é útil nesses casos.

Fatores relevantes na história incluem:

  • Idade de início (por exemplo, a infecção pelo vírus da varicela-zóster [VVZ] afeta predominantemente crianças; formas leves da epidermólise bolhosa [EB] simples podem não se manifestar até a idade adulta)

  • Duração da erupção (por exemplo, infecção atípica por enterovírus pode causar uma erupção vesicular disseminada, que desaparece após alguns dias ou uma semana, enquanto a epidermólise bolhosa adquirida é um processo progressivo)

  • Evolução das lesões com o tempo (por exemplo, a maioria dos casos de infecção pelo herpes-zóster [HZV] remite sem sequelas, mas, com a idade avançada e o nível de imunocomprometimento, complicações, incluindo neuralgia pós-herpética, cicatrização, infecção bacteriana secundária e pneumonite, ocorrem com mais frequência e maior gravidade)

  • História prévia das condições (por exemplo, doenças bolhosas autoimunes e herpes simples)

  • Ingestão de novos medicamentos dias ou semanas antes do início da erupção, indicando erupção bolhosa por medicamento (por exemplo, erupção medicamentosa fixa que resulta na formação de bolhas, penfigoide bolhoso, eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica)

  • Contato com pessoas que estão ou estiveram indispostas recentemente (sobretudo considerando-se doença viral)

  • História familiar ou materna de erupção semelhante (por exemplo, penfigoide gestacional)

  • História pregressa da condição (por exemplo, herpes simples pode ser reativada espontaneamente ou por estímulos, como febre, estresse, luz ultravioleta ou imunossupressão).[7]

Sintomas associados importantes incluem:

  • Prurido (sintoma comum da dermatite herpetiforme, dermatite alérgica de contato)

  • Dor (sintoma de infecção por HZV).

Doenças recorrentes podem apresentar uma história de fatores desencadeantes específicos:

  • Uma história de trauma repetitivo está associada à epidermólise bolhosa

  • Uma história de exposição a alérgenos ou certos produtos está associada à dermatite de contato.

Uma revisão detalhada dos sistemas, incluindo oral, ocular, geniturinário, gastrointestinal e respiratório, ajuda a determinar se o processo envolve comprometimento de órgãos internos ou é estritamente cutâneo. O comprometimento sistêmico está associado às seguintes doenças.[1]

  • EB: sistema oral, ocular, geniturinário, gastrointestinal e respiratório.

  • Epidermólise bolhosa adquirida (EBA): cegueira e estenoses esofágicas.

  • Dermatite herpetiforme: distúrbios da tireoide e incidência elevada de neoplasias malignas, especificamente de linfomas do intestino delgado.

  • Penfigoide de membranas mucosas: cegueira e estenose da mucosa laríngea e faríngea.

  • Incontinência pigmentar: achados oftalmológicos ocorrem em 20% a 35% dos pacientes; complicações neurológicas ocorrem em 30% dos pacientes e frequentemente se manifestam dentro do período neonatal. Complicações neurológicas são a principal causa de morbidade e mortalidade nos pacientes afetados.[42]

  • Deficiência de niacina: fotossensibilidade, fotofobia, rouquidão, estomatite e opacidade corneana.[20][43]

  • Varíola símia: febre, linfadenopatia, cefaleia, dorsalgia e mialgia podem aparecer antes ou depois da erupção cutânea, ou não aparecer.[44][45][46]​​​​

Exame físico

O diagnóstico será feito com base no exame físico de toda a pele, inclusive do cabelo e das unhas, bem como das mucosas oral, conjuntival e genital, e em uma avaliação geral da condição do paciente.[20] É importante observar se as vesículas aparecem na pele aparentemente normal ou se estão associadas a eritema, urticária ou erosões.

O tamanho, localização, distribuição e caráter das vesículas devem ser caracterizados por tipo:

  • Única (por exemplo, vesícula de fricção, bolhas diabéticas)

  • Múltiplas (por exemplo, locais de pressão, como as mãos, punhos, escápula, sacro, joelhos, tornozelos e calcanhar na bolha do coma)

  • Generalizadas (por exemplo, epidermólise bolhosa, necrólise epidérmica tóxica)

  • Agrupadas (por exemplo, escabiose com comprometimento dos espaços interdigitais da mão, axila, cintura, tornozelos, aspectos flexores dos punhos, escroto e pênis nos homens e aréola nas mulheres)

  • Lineares (por exemplo, dermatite por Rhus).

Pacientes com epidermólise bolhosa juncional podem manifestar desnudação extensa, que geralmente preserva as mãos. Tecido de granulação periorificial pronunciado é outro achado característico.

Pistas para etiologia viral

  • Na infecção pelo vírus do herpes simples e vírus da varicela-zóster, há desenvolvimento de pequenas vesículas agrupadas, frequentemente sobre uma base eritematosa. Na pele, vesículas agrupadas evoluem para pústulas agrupadas que rompem e resultam em úlceras crostosas. Nas superfícies da mucosa, as vesículas se rompem facilmente e são substituídas por placas ou úlceras amarelo-acinzentadas. As lesões geralmente são dolorosas e podem provocar prurido ou ardência.

  • Na doença de mão, pé e boca, a localização das vesículas pode ser a pista mais útil para o diagnóstico. As lesões começam como pequenas vesículas na palma das mãos ou na sola dos pés acompanhadas de pequenas pápulas eritematosas que logo evoluem para pequenas vesículas acinzentadas lineares ou ovais.[8]

  • Na varíola símia, as lesões progridem simultaneamente através de quatro estágios - macular, papular, vesicular e pustular - antes de formarem crostas e desaparecerem.[14][15]​ As lesões geralmente têm de 5 a 10 mm de diâmetro, podem ser distintas ou confluentes e podem ser poucas em número ou vários milhares.[12][44]​ O quadro clínico, no entanto, tem sido atípico nos surtos recentes.

Pistas para etiologia fúngica

  • Dermatofitose é uma variante superficial de infecção fúngica envolvendo pele, cabelo, unhas e membranas mucosas. Quando envolve a pele, a infecção comumente é causada pelos fungos da tinha (Microsporum, Trichophyton e Epidermophyton).

  • A tinha cutânea em pele sem pelos se manifesta como lesões eritematosas anulares que aumentam lentamente, com clareamento central. De maior relevância é a infecção dermatofítica com Trichophyton mentagrophytes, que pode causar tinea pedis bolhosa. Essa forma de infecção dermatófita (tinea) se manifesta com bolhas multiloculares envolvendo a pele fina do arco plantar e ao longo das laterais dos pés e do calcanhar.

Pistas para etiologia bacteriana

  • Vesículas superficiais que aparecem rápido, se tornam nebulosas, depois se rompem e se manifestam com uma crosta seropurulenta que é fina costumam ser observadas no impetigo bolhoso. As bolhas flácidas são observadas mais comumente no rosto, nádegas, tronco, períneo e membros.[47] Isso contrasta com a variante não bolhosa, caracterizada por uma crosta espessa aderente.

  • Na síndrome da pele escaldada estafilocócica, a idade do paciente é útil, pois a doença ocorre quase que exclusivamente em neonatos e crianças pequenas. O desenvolvimento de vesículas é precedido de uma erupção macular escarlatiniforme, sensibilidade da pele e edema. As vesículas são flácidas e se rompem facilmente, deixando uma superfície reluzente vermelha. Embora raras, vesículas e bolhas (principalmente nas palmas das mãos e solas dos pés) são achados cutâneos estritamente associados à sífilis congênita.[32]

Deve-se tentar avaliar o nível da separação da lesão:

  • As vesículas por fricção se formam com uma abertura na epiderme superior e a cavidade é preenchida com transudato

  • Geralmente as vesículas superficiais se manifestam como erosões crostosas

  • As vesículas intraepidérmicas são flácidas e podem se expandir sob pressão (sinal de Asboe-Hansen)

  • Vesículas na zona central da membrana basal ou na intralâmina lúcida são tensas, mas desaparecem sem cicatrização

  • Vesículas na sublâmina densa são tensas e formam cicatrizes e milia.

Exames laboratoriais

Se o diagnóstico não estiver claro com as características clínicas, será necessário realizar exames de laboratório ou outros exames. Swabs para cultura viral e bacteriana podem ajudar na investigação do exantema vesicobolhoso agudo, e uma biópsia de pele pode ser necessária para o diagnóstico da doença crônica e aguda.

A biópsia de pele frequentemente será a etapa mais importante para fazer o diagnóstico em pacientes com doença bolhosa. A biópsia fornece informações sobre a localização da vesícula, em termos de áreas subcorneana, suprabasal e subepidérmica da pele.

No exame histopatológico de rotina, normalmente é feita a biópsia de uma vesícula fresca (<24 horas) em toda sua extensão com a técnica de vazador e colocada em formalina para coloração com hematoxilina e eosina (H&E).

Se o processo de formação de vesículas ocorre sobre uma base inflamatória ou em placa urticariforme, a biópsia pode ser realizada nessa área quando não houver presença de vesículas ativas. Algumas doenças bolhosas têm uma etapa inflamatória inicial, como o penfigoide bolhoso (estágio urticariforme), e uma biópsia dessas áreas pode fornecer informações diagnósticas úteis.

A coloração de Gram é adequada para bactérias, enquanto a melhor forma de examinar os elementos fúngicos é a coloração com ácido periódico de Schiff ou a coloração de metenamina nitrato de prata de Grocott-Gomori. A coloração também pode ser realizada em seções de rotina com hematoxilina e eosina, quando há suspeita de etiologia infecciosa.

O esfregaço de Tzanck pode ser útil em caso de suspeita de infecção por herpes-vírus. A base da vesícula é raspada com um bisturi, e o material celular é dividido em lâminas microscópicas. Após secar naturalmente, as lâminas recebem coloração e são examinadas para observar as alterações citopatológicas típicas associadas à infecção por herpes-vírus, células gigantes multinucleadas e células acantolíticas.[48]

Estudos de imunofluorescência

O diagnóstico de doenças bolhosas autoimunes requer a detecção de autoanticorpos ligados ao tecido e circulantes na pele e nas membranas mucosas.[29][49][50] O depósito de imunorreagentes no tecido é detectado pela imunofluorescência direta (IFD), e autoanticorpos séricos circulantes são detectados por imunofluorescência indireta (IFI).

Em alguns casos, os estudos de IFD e IFI são realizados ao mesmo tempo que a biópsia de pele com hematoxilina e eosina se houver suspeita clínica de doença autoimune. Eles também podem ser realizados subsequentemente quando os achados histológicos sugerirem uma doença bolhosa autoimune. A IFD é considerada o padrão ouro para a detecção de autoanticorpos.

  • Estudos de imunofluorescência fornecem informações relacionadas à localização dos autoanticorpos na pele e o local da clivagem produzida por uma doença bolhosa. Por exemplo, autoanticorpos ligados ao espaços intercelulares epidérmicos são característicos de pênfigo vulgar e pênfigo foliáceo, enquanto autoanticorpos contra a zona da membrana basal (junção dermoepidérmica) são típicos de penfigoide bolhoso, penfigoide gestacional, penfigoide de membrana mucosa, doença por imunoglobulina A (IgA) linear, EBA e lúpus eritematoso bolhoso.

  • Informações adicionais para obter um diagnóstico mais preciso podem ser obtidas usando um microscópio eletrônico e microscopia imunoeletrônica.[51] No entanto, isso é raramente observado na prática clínica.

  • A biópsia para IFD deve ser obtida a partir da pele perilesional (isto é, pele envolvida que ainda não começou a apresentar vesículas, a menos de 1 cm da pele com vesículas). A biópsia deve ser colocada em soro fisiológico e levada diretamente ao laboratório, se for no local, ou congelada imediatamente e armazenada a uma temperatura abaixo de -70 °C (-94 °F), ou colocada em um meio especial de transporte, como a solução de Michel.[29]

  • A IFI é usada como uma ferramenta de rastreamento para autoanticorpos circulantes em doenças bolhosas autoimunes. A microscopia por IFI detecta anticorpos séricos circulantes usando cortes de congelamento de tecidos normais, incluindo pele humana, esôfago de macaco e bexiga de rato e de macaco. Não é tão sensível como a IFD.

  • No pênfigo, o esôfago de porquinho da índia ou de macaco são os substratos não humanos mais sensíveis. No penfigoide, a pele humana que foi incubada em solução de cloreto de sódio a 1 M para induzir a separação da junção dermoepidérmica, é ideal. A preparação no penfigoide permite a diferenciação entre autoanticorpos séricos que se ligam ao teto e os que se ligam ao assoalho da vesícula, refletindo as diferentes especificidades do autoanticorpo.

Ensaio sorológico

A especificidade molecular de autoanticorpos circulantes pode ser caracterizada por ensaios sorológicos, incluindo immunoblotting, imunoprecipitação e ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA).[29] As técnicas de imunoprecipitação e immunoblotting são estudos adjuvantes particularmente úteis para detectar autoanticorpos característicos no pênfigo paraneoplásico e no penfigoide bolhoso. O ensaio ELISA é útil para diagnosticar pênfigo e monitorar os níveis séricos de anticorpos durante a evolução da doença.

Técnicas de biologia molecular devem ser usadas para fazer diagnósticos precisos de qualquer formação bolhosa congênita. Por exemplo, testes sorológicos não treponêmicos (Venereal Disease Research Laboratory ou reagina plasmática rápida) são usados em crianças com suspeita de sífilis.

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