Etiologia

Corrimento vaginal é um sintoma comum observado pelos médicos. Pode ser fisiológico ou patológico.[9] British Association for Sexual Health and HIV (BASHH) guidelines Opens in new window

  • O corrimento fisiológico pode variar quanto à natureza, com alterações conforme a idade (fases pré-púbere, fértil ou pós-menopausa), níveis hormonais (na gestação ou ao usar contracepção hormonal) ou fatores locais, como menstruação, dispositivo intrauterino ou pós-parto.​[1][10]

  • As causas patológicas devem-se comumente a infecções: principalmente vaginose bacteriana, candidíase vulvovaginal (CVV) e tricomoníase, as quais, juntas, correspondem a 90% dos casos de vaginite.[11] As causas não infecciosas incluem a síndrome geniturinária da menopausa (SGM), vaginite inflamatória descamativa, dermatite, corpo estranho, alérgenos e higiene inadequada.[12][13][14]

Vaginose bacteriana

A vaginose bacteriana é a infecção vaginal mais comum, com uma prevalência de 21.2 milhões (29.2%) nos EUA em mulheres com idades de 14 a 49 anos.[15] Entre mulheres idosas residentes na comunidade nos EUA (62-90 anos de idade), a prevalência de vaginose bacteriana foi relatada como sendo de 38%.[16]​ A prevalência global é alta, variando de 20% a 60% entre as regiões.[17][18]​​

A vaginose bacteriana caracteriza-se por uma alteração complexa na flora vaginal, que causa uma redução dos lactobacilos normalmente dominantes.[19] Esses lactobacilos são substituídos por um aumento na concentração de outros organismos, especialmente anaeróbios, como Gardnerella vaginalis, Mycoplasma hominis, espécies de Prevotella, espécies de Porphyromonas, espécies de Bacteroides, espécies anaeróbias de Peptostreptococcus, espécies de Fusobacterium ou Atopobium vaginae.[20] Esses organismos, que quebram os peptídeos vaginais em aminas e causam o corrimento típico em pacientes com vaginose bacteriana, produzem grandes quantidades de enzimas que causam a degradação proteolítica das carboxilases.

Pacientes tratadas para vaginose bacteriana apresentam alto risco de recorrência dentro de 3 meses.[21][22]​ O tratamento de mulheres com vaginose bacteriana assintomática não é recomendado como rotina, principalmente em razão da baixa taxa de resposta e ao aumento da incidência de candidíase após a terapia.[23] Entretanto, o tratamento de mulheres assintomáticas com vaginose bacteriana resulta em uma menor taxa de infecção subsequente por Chlamydia.[23]

A infecção por vaginose bacteriana está associada à evidência objetiva de infecção aguda do trato genital superior, celulite do manguito vaginal e abscesso após histerectomia transvaginal. Também está associada ao período após interrupção voluntária da gestação, endometrite e doença inflamatória pélvica.[24][25][26]​ O tratamento de parceiros do sexo masculino das pacientes com vaginose bacteriana não aumenta a taxa de cura; portanto, não é rotineiramente recomendado.[9][27][28]

A vaginose bacteriana na gravidez é um fator de risco para ruptura prematura de membranas, nascimento pré-termo, baixo peso ao nascer e aborto espontâneo.[9][29][30]​​​​​​ A antibioticoterapia efetivamente erradica a vaginose bacteriana durante a terapia, mas não evita o nascimento pré-termo.[31][32]​​​ Atualmente, na população obstétrica geral, os dados são insuficientes para apoiar o rastreamento ou o tratamento da vaginose bacteriana para reduzir o risco de nascimento pré-termo.[9][31][32][33][34]​​​​[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fotomicrografia revelando bactérias aderentes às células epiteliais vaginais, conhecidas como células-chave (clue cells)Biblioteca de Imagens do CDC; M. Rein [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@20213e5e

Tricomoníase

O Trichomonas vaginalis (TV), um parasita protozoário flagelado, causa a tricomoníase. Ele é responsável por 4% a 35% das vaginites em mulheres sintomáticas, e é consideravelmente mais comum em mulheres negras que em mulheres brancas.[9][35]

Estima-se que a tricomoníase seja a infecção sexualmente transmissível (IST) não viral mais prevalente no mundo, afetando aproximadamente 2.1% das mulheres nos EUA.[9]​ O TV geralmente é encontrado na vagina, uretra e glândulas parauretrais das pacientes infectadas.[36][37]​​​ Ele está associado a uma alta prevalência de coinfecção com outras ISTs.

O tratamento concomitante dos parceiros sexuais é recomendado.[9][27][37]​​​[38]​​​ A tricomoníase está associada a um risco 1.5 maior de aquisição de HIV; ela também pode aumentar a excreção genital do vírus da imunodeficiência humana (HIV) nas mulheres (a qual pode ser reduzida pelo tratamento).[9][39][40][41]​​​ O rastreamento para tricomoníase é recomendado para as mulheres que vivem com HIV e pode ser considerado para aquelas que recebem atendimento em cenários de alta prevalência (por exemplo, clínicas de infecções sexualmente transmissíveis e instalações correcionais) ou com alto risco de infecção (por exemplo, múltiplos parceiros sexuais, sexo transacional, uso indevido de drogas ou história de ISTs ou de encarceramento).[9]

A tricomoníase está associada a desfechos adversos na gestação, como nascimentos pré-termo, mas o tratamento não demonstra reduzir a morbidade perinatal.[9]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Micrografia de contraste de fases em câmara úmida de corrimento vaginal revelando a presença do protozoário Trichomonas vaginalisBiblioteca de Imagens do CDC [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@381f7e5c[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Vaginite por tricomonas com corrimento purulento abundante emanando do óstio cervicalBiblioteca de Imagens do CDC [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@74e87698

Candidíase vulvovaginal

A candida causa um terço dos casos de vaginite e é uma das infecções genitais mais comuns observadas na prática clínica.[42][43]Espécies de cândida estão presentes em cerca de 20% a 50% da flora vaginal de mulheres assintomáticas saudáveis. A CVV é comum em adultas, especialmente nas mulheres no período pré-menopausa. A CVV é menos comum nas pacientes menopausadas e na perimenopausa. A prevalência anual global de CVV recorrente foi relatada em 3871 por 100,000 mulheres.[44]​ A CVV não é considerada uma IST.

A Candida albicans é a causa mais comum de CVV. A Candida glabrata e a Candida parapsilosis podem causar CVV com sintomas mais leves. A doença sintomática ocorre em razão de uma complexa interação entre a resposta inflamatória do hospedeiro e fatores de virulência dos fungos. Dois terços das mulheres que se autodiagnosticam com CVV e se autotratam não têm CVV.[45]

Os fatores de risco para CVV incluem diabetes mellitus, antibióticos de amplo espectro que inibem o crescimento da flora vaginal normal, níveis elevados de estrogênios (por exemplo, ao usar contracepção hormonal combinada, terapia hormonal para menopausa ou durante a gestação), imunossupressão (incluindo pacientes com HIV, nas quais a imunossupressão está associada a uma maior incidência e persistência da doença), e susceptibilidade genética.[9][46][47]​ A CVV não está relacionada ao número de parceiros sexuais recentes, mas pode estar relacionada a uma maior frequência de relações sexuais.[48]

A CVV pode ser classificada como não complicada ou complicada.​[9][38][49]

CVV não complicada:

  • CVV esporádica ou infrequente

  • Sintomas leves a moderados

  • É provável que seja da espécie C albicans

  • Presença em uma paciente imunocompetente

CVV complicada:

  • CVV recorrente (4 ou mais episódios de CVV sintomática em <1 ano, com 2 episódios confirmados por microscopia ou cultura quando sintomática (pelo menos um deve ser cultura)[50]

  • Inclui pacientes com CVV grave, candidíase não albicans ou diabetes não controlado, imunodeficiência ou terapia imunossupressora

  • A CVV complicada caracteriza-se por uma incidência elevada de espécies de cândida, exceto a espécie C albicans, em pacientes com HIV e pacientes com candidíase recorrente[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Esfregaço vaginal identificando Candida albicans por meio da técnica de câmara úmidaBiblioteca de Imagens do CDC; Dr. Stuart Brown [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@5c6fad3e[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Esfregaço vaginal identificando Candida albicans por meio da técnica de coloração de GramBiblioteca de Imagens do CDC; Dr. Stuart Brown [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@58b25dca

Mycoplasma genitalium

O M genitalium está associado a cervicite e doença inflamatória pélvica (DIP) em mulheres. Os sintomas incluem corrimento vaginal, disúria ou sintomas de DIP (dor abdominal e dispareunia), mas a infecção assintomática é comum.[9][51] A transmissão de M genitalium se dá por contato direto com a mucosa.

As diretrizes europeias recomendam o exame para M genitalium em mulheres com:[51]

  • sintomas e sinais de M genitalium (cervicite mucopurulenta, sangramento intermenstrual ou pós-coito, disúria sem outra etiologia conhecida, dor pélvica aguda e/ou DIP)

  • contatos sexuais contínuos de pessoas em tratamento para infecção por M genitalium.

Antes da interrupção da gravidez, o exame pode ser considerado.[51]

As diretrizes dos EUA recomendam que mulheres com cervicite recorrente sejam submetidas a um exame para M genitalium e que o exame seja considerado entre as mulheres com DIP.[9]

As diretrizes europeias e norte-americanas recomendam que:[9][51]

  • parceiros sexuais atuais de pacientes positivos para M. genitalium devem ser submetidos a exame

  • todos os exames positivos para M genitalium devem ser acompanhados por testes de resistência a macrolídeos, quando disponíveis.

Causas infecciosas menos comuns

As outras causas infecciosas menos comuns de vaginite incluem infecção por clamídia, infecção por gonorreia, vírus do herpes simples, infecção por estreptococos,​ esquistossomose genital (relatada na África), e infecção por Entamoeba gingivalis (associada ao uso de dispositivos intrauterinos).[52][53][54][55][56][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Micrografia de monocamadas de célula McCoy revelando corpos de inclusão intracelular de Chlamydia trachomatis; com aumento de 50xCDC; Dr. E. Arum, Dr. N. Jacobs [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@b71a9fa[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Micrografia de leucócitos polimorfonucleares e diplococos (extracelulares) em esfregaço cervicalBiblioteca de Imagens do CDC; Joe Miller [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@208ee218[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Cervicite e corrimento vaginal em decorrência de gonorreiaBiblioteca de Imagens do CDC [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@309af69f[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Cervicite em decorrência do vírus do herpes simples; observa-se inflamação erosiva acompanhada de purulência paracervicalCDC; Dr. Paul Wiesner [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@73503ffe

Causas não infecciosas

Incluem dermatite alérgica ou de contato (por exemplo, látex, esperma, uso de duchas, corantes), irritantes químicos (por exemplo, sabonetes, absorventes higiênicos internos e externos, preservativos), higiene inadequada, SGM (deficiência de estrogênio), corpo estranho (por exemplo, absorventes higiênicos internos, pessários, anéis hormonais combinados), líquen plano erosivo, vaginite atrófica pós-puerperal, vaginite inflamatória descamativa (vaginite crônica e intratável associada a corrimento purulento e abundante), irradiação pélvica, síndrome de Behçet (inflamação da vasculatura; os sintomas incluem feridas e articulações dolorosas e edemaciadas), doença do enxerto contra o hospedeiro e câncer do trato genital.[52][57][58]

Uma complicação da slingoplastia intravaginal pode incluir um corrimento vaginal purulento e fétido por erosão da malha.[59] Em abril de 2019, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA proibiu a venda e a distribuição de telas cirúrgicas destinadas ao reparo transvaginal do prolapso do compartimento anterior (cistocele).[60] Em outubro de 2022, a FDA publicou uma declaração afirmando que esses dispositivos não têm um perfil de risco-benefício favorável.[61]​ O uso de malha/adesivo cirúrgico para o prolapso uroginecológico, onde a malha é inserida através da parede vaginal, é atualmente restrito no Reino Unido, enquanto se realiza uma revisão independente. Em julho de 2018, o NHS England informou que o uso de malhas cirúrgicas inseridas por via vaginal para prolapso dos órgãos pélvicos devem ser adiados se for clinicamente seguro fazê-lo.[62][63][64][65]

Outras causas menos comuns de corrimento vaginal relatadas na literatura incluem mioma prolapsado e fístula vaginal.[66][67]

Pediátrica

Comparada com a vagina de uma mulher em idade reprodutiva, a vagina de uma paciente pré-puberal é:

  • de pH neutro, sem anticorpos para protegê-la de infecções

  • mais curta e mais próxima do reto

  • exposta a níveis de estrogênio muito mais baixos

Por essas razões, essa faixa etária apresenta um maior risco de vulvovaginite (que representa aproximadamente 60% a 70% de todas as queixas ginecológicas na população pediátrica).​[66][67][68][69]​​​​ O corrimento vaginal nessa faixa etária geralmente não é causado por infecções, e quase nunca por neoplasias malignas.[70]

As causas de corrimento vaginal em meninas jovens incluem corpo estranho (45%), abuso sexual (18%) e diagnóstico desconhecido (36%).[71][72]​​ As outras causas compreendem vaginites inespecíficas (irritação por espumas de banho, sabonetes com perfume, roupas apertadas, uso de papel higiênico de trás para a frente, uso inadequado de papel higiênico após o desfralde), vaginite estreptocócica (acompanha ou após uma faringite estreptocócica sintomática) e alterações fisiológicas (hormônios endógenos 6-12 meses antes da menarca).

As causas infecciosas em pacientes pediátricas podem incluir oxiúros, transmissão da infecção do canal vaginal da mãe até um ano após o parto, estreptococos beta-hemolíticos do grupo A, Haemophilus influenzae e alguns bacilos Gram-negativos. Um diagnóstico de Neisseria gonorrhoeae ou Chlamydia trachomatis indica abuso sexual.[73]​ Um corrimento com sangue requer encaminhamento para vaginoscopia.

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