Abordagem

A cardiomiopatia é diagnosticada pelo levantamento da história clínica precisa, incluindo a história familiar (de 3 gerações), e exame clínico, seguidos por investigações apropriadas. Os achados laboratoriais variam dependendo da etiologia específica. Um ECG de 12 derivações e uma ecocardiografia detectam a maioria das cardiomiopatias. Avaliações adicionais podem incluir testes de ECG mais complexos, imagens adicionais (por exemplo, radiografia torácica, RNM cardíaca, TC cardíaca), cateterismo cardíaco, biópsia endomiocárdica e teste genético.[5]​ Esses exames costumam ser inespecíficos, apontando apenas para as consequências fisiopatológicas da cardiomiopatia, não para a etiologia específica. Uma combinação de todas essas modalidades é normalmente necessária para determinar a etiologia, pois nenhum teste disponível é geralmente específico o suficiente para levar à determinação da causa.

História

A história clínica é um componente crítico no diagnóstico de cardiomiopatias. Deve ser dada ênfase aos fatores de risco para causas específicas. Afecções clínicas, história familiar e exposição a bebidas alcoólicas e medicamentos podem constituir fatores predisponentes para o desenvolvimento de cardiomiopatias.

História da doença atual

  • Os sintomas mais comuns associados à cardiomiopatia são dispneia, desconforto torácico, palpitações e síncope.

  • Pacientes com sintomas cardíacos preocupantes, como dor torácica por esforço, síncope, palpitações prolongadas, ortopneia, dispneia paroxística noturna e aqueles com história familiar de cardiomiopatia ou morte cardíaca prematura devem ser encaminhados para investigação especializada.[5]

História médica

  • História de doença arterial coronariana (DAC) e subsequente isquemia cardíaca devem ser excluídas.

  • A história de quaisquer causas de cardiomiopatias secundárias deve ser levantada, incluindo causas infiltrantes, de depósito, tóxicas, endomiocárdicas, inflamatórias, endócrinas, cardiofaciais e neuromusculares/neurológicas; deficiências nutricionais, doenças autoimunes ou do colágeno, desequilíbrio eletrolítico e exposição a agentes quimioterápicos.[1]

História familiar

  • História familiar de morte cardíaca prematura ou arritmia pode indicar risco de cardiomiopatia primária. Perguntas específicas podem elucidar causas hereditárias de cardiomiopatia secundária, incluindo doenças infiltrantes (amiloidose autossômica dominante familiar, doença de Gaucher, Hunter, Hurler), doenças de depósito (Fabry, depósito de glicogênio, Niemann-Pick), síndrome de Noonan, lentiginose, ataxia de Friedreich, distrofia muscular de Duchenne/Becker, distrofia muscular de Emery-Dreifuss, distrofia miotônica, neurofibromatose e esclerose tuberosa.[1]

Exame físico

Não existem achados de exames físicos específicos consistentes com uma causa particular; o exame físico tem como objetivo buscar sinais de disfunção cardíaca. Um impulso apical proeminente sustentado à palpação pode sugerir hipertrofia ventricular esquerda. Um impulso cardíaco palpável de forma difusa com deslocamento apical pode ser observado com dilatação ventricular. A ausculta do coração pode revelar sopros, bulha cardíaca (B4) em galope (ouvida em tipos de cardiomiopatias que envolvem pressão ventricular esquerda aumentada) ou B3 em galope (ouvida quando há volume ventricular esquerdo aumentado).


Galope de terceira bulha cardíaca
Galope de terceira bulha cardíaca

Sons de ausculta: galope de terceira bulha cardíaca



Galope de quarta bulha cardíaca
Galope de quarta bulha cardíaca

Sons de ausculta: galope de quarta bulha cardíaca


A ausculta dos pulmões pode demonstrar estertores, indicando congestão pulmonar. Em determinadas cardiomiopatias, pode haver também edema de membros inferiores e nos pés, bem como estase jugular. O encaminhamento para especialista é indicado se alguma das seguintes características estiver presente: um sopro sistólico de ejeção (na obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, como observado na cardiomiopatia hipertrófica, isso aumenta de intensidade com a manobra de Valsalva e é diminuído pelo agachamento); edema periférico e/ou pulmonar; pressão venosa jugular elevada; um pulso irregular.[5]

Exames iniciais

Um eletrocardiograma (ECG), embora comumente inespecífico, pode mostrar anormalidades que apontam para uma etiologia individual. Um ECG normal tem, aproximadamente, 98% de valor preditivo negativo quando há suspeita de disfunção sistólica.[75]

Os exames laboratoriais iniciais devem incluir exames de sangue basais, como hemograma completo, perfil metabólico e função tireoidiana em todos os pacientes para descartar fatores de exacerbação ou colaboradores. Um peptídeo natriurético do tipo B fornece dados de apoio em pacientes com dispneia. Os pacientes com dor torácica requerem a medição de marcadores cardíacos, incluindo troponinas ou creatina quinase fração miocárdica (CK-MB). Recomenda-se também uma radiografia torácica.

Ecocardiografia, outros exames de imagem e cateterismo cardíaco

A ecocardiografia é uma ferramenta diagnóstica não invasiva extremamente útil.[10]​ Uma ecocardiografia ajuda a distinguir as cardiomiopatias quanto à fisiopatologia. Pode diferenciar entre cardiomiopatias hipertróficas, restritivas ou dilatadas na maioria dos casos. Pode sugerir um diagnóstico de displasia arritmogênica do ventrículo direito/displasia ou de coração de atleta. A British Society of Echocardiography delineou recomendações para a avaliação e o diagnóstico da cardiomiopatia dilatada por ecocardiograma.[76]

A RNM cardíaca é um método útil para descobrir a etiologia da cardiomiopatia por fornecer excelente contraste e resolução espacial do coração. Além disso, é não invasiva, está prontamente disponível e não depende de operador. A RNM pode ser usada para avaliar volumes diastólicos finais ventriculares, presença de trombos intracardíacos, volume sistólico, fração de ejeção e patologia valvar. A TC cardíaca é particularmente útil para avaliar possível doença arterial coronariana concomitante.[10]

O cateterismo cardíaco pode ser realizado se os resultados da ecocardiografia forem ambíguos. As pressões ventriculares e atriais são medidas, o que permite calcular os gradientes de pressão nas valvas cardíacas e na via de saída do ventrículo esquerdo. O cateterismo do coração permite a realização de ventriculografia. A fração de ejeção, o tamanho ventricular, a contratilidade da parede e o tamanho da via de saída do ventrículo esquerdo podem ser estimados, e a presença de regurgitação valvar pode ser avaliada. Adicionalmente, uma angiografia coronariana pode ser realizada para avaliar doença arterial coronariana como causa de isquemia.

É muito importante distinguir a cardiomiopatia restritiva da pericardite constritiva, pois a pericardiectomia é indicada para pericardite constritiva. Alguns exames, como ecocardiografia, RNM cardíaca e cateterismo cardíaco, são úteis para distinguir entre essas duas doenças.[77]

Biópsia endomiocárdica

Em circunstâncias muito raras, é necessária uma biópsia endomiocárdica para ajudar a diferenciar os processos patológicos e orientar a terapia. Ela pode ser útil no diagnóstico de determinados tipos de cardiomiopatia (por exemplo, infiltrante), em particular quando há início recente de insuficiência cardíaca grave.​[47]

Exames especializados

Os exames podem ser direcionados à exclusão de possíveis causas de cardiomiopatia.

  • Muitos novos genes são relatados como causadores de cardiomiopatia, e a avaliação genética da cardiomiopatia está se tornando mais viável devido à crescente disponibilidade de tecnologias de sequenciamento do gene de alto rendimento.[78] O teste genético pode ser indicado para identificar anormalidades em pacientes com distúrbios do sistema de condução, doenças do armazenamento lisossomal ou síndrome de Noonan. Distúrbios mitocondriais podem resultar de mutações no DNA mitocondrial ou no DNA nuclear. Assim, o padrão de herança varia dependendo do local da mutação.[79]

  • As sorologias (por exemplo, Lyme, vírus da imunodeficiência humana [HIV], parvovírus) podem indicar uma causa de miocardite.

  • Testes da função hepática e perfil de coagulação: podem indicar disfunção na cardiomiopatia relacionada ao álcool ou hemocromatose.

  • Estudos eletrofisiológicos podem ser necessários para os distúrbios do sistema de condução ou a síndrome de Brugada. Um teste de provocação com medicamentos usando um bloqueador de canal de sódio pode revelar achados eletrocardiográficos nessas síndromes.

  • Testes de tolerância ao exercício, monitoramento ambulatorial ou ECG de alta resolução podem ajudar a diagnosticar a cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito/displasia.

  • O perfil de ferro sérico pode indicar sobrecarga (hemocromatose) ou deficiência (anemia) sistêmica de ferro. Os níveis de vitaminas ou selênio podem ser baixos em deficiências sistêmicas.

  • Os níveis de alfagalactosidase A são baixos na doença de Fabry. Esses níveis podem ser normais nas mulheres acometidas em razão do padrão de herança da doença ligada ao sexo. Portanto, a testagem genética pode ser necessária nas mulheres, se houver suspeita clínica da doença de Fabry.

  • Exames endócrinos são necessários para suspeita de diabetes mellitus (glicemia de jejum e/ou hemoglobina glicada [HbA1c] elevada); disfunção tireoidiana (hormônio estimulante da tireoide e níveis de hormônios tireoidianos anormais); ou acromegalia (fator de crescimento semelhante à insulina-1 elevado e ausência de supressão da glicose de níveis de hormônio do crescimento).

  • Os níveis séricos de fator antinuclear geralmente são positivos no lúpus eritematoso sistêmico.

  • Uma investigação de tiamina é indicada quando há suspeita de deficiência (beribéri úmido).

  • A biópsia muscular pode ser usada para o diagnóstico de doenças mitocondriais.

  • Eletroforese de proteínas séricas (EFPS) ou biópsia tecidual (por exemplo, retal) pode ser indicada para amiloidose suspeita.

  • Teste de função pulmonar, biópsia pulmonar ou de linfonodo (granulomas não caseosos) e medição de enzima conversora de angiotensina (alta) podem dar suporte ao diagnóstico de sarcoide.

  • As modalidades de cintilografia (tomografia por emissão de pósitrons [PET]; tomografia computadorizada por emissão de fóton único [SPECT]) podem ser consideradas para a avaliação de cardiomiopatias infiltrantes específicas.[61]

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