Abordagem

História

História da queixa inicial

  • A identificação de uma história concomitante de infecção, menstruação, atividade sexual recente ou exercícios evitará uma investigação extensiva. Geralmente, a hematúria devida a exercícios intensos se resolve em poucas horas.[22]

  • A presença de disúria, urgência, polaciúria e pressão ou dor suprapúbica pode indicar infecção do trato urinário (ITU), cistite ou prostatite. Vômitos, calafrios e dor lombar podem ocorrer na pielonefrite.

  • Dor no flanco, que pode irradiar para a virilha ou os testículos, pode indicar nefrolitíase.

  • Pode ocorrer dor suprapúbica, perineal ou sacral na prostatite aguda.

  • Sintomas de obstrução do fluxo urinário, como dificuldade em urinar, alterações no volume de urina, noctúria e gotejamento no final podem indicar hipertrofia prostática benigna (HPB).

  • Sintomas constitucionais como perda de peso, inapetência, febre e mal-estar podem ocorrer em pacientes com câncer urotelial (antes denominado carcinoma de células transicionais).

  • Faringite, edema, erupção cutânea, artralgia, urina escura e oligúria podem ocorrer na glomerulonefrite aguda.

História médica pregressa

  • Infecção por estreptococos recente (pode desencadear glomerulonefrite)

  • Podem ocorrer ITUs recorrentes em pacientes com anormalidades anatômicas no trato urinário (por exemplo, divertículo vesical, nefrolitíase) ou anormalidades funcionais do trato urinário (por exemplo, refluxo vesicoureteral).

  • Nefrolitíase: após a primeira nefrolitíase, o risco de recorrência é de 40% por 5 anos e 75% por 20 anos[23]

  • O lúpus eritematoso sistêmico (LES) pode ser complicado pela nefrite lúpica

  • Instrumentação recente do trato urinário.

História familiar

  • Doença renal policística

  • Doenças glomerulares

  • Carcinoma de células renais: história familiar de câncer renal aumenta o risco em 2.8 a 4.3 vezes[24]

  • Câncer de próstata: um grande estudo de controle de caso mostrou um risco 2 vezes mais elevado de câncer de próstata em homens com história familiar em um único parente de primeiro grau, um risco 5 vezes maior em caso de dois parentes afetados e um risco relativo de 10.9 em caso de três parentes de primeiro grau com câncer de próstata[25]

  • Anemia falciforme

  • Distúrbios da coagulação (a hipercoagulabilidade aumenta o risco de trombose venosa renal)

  • Síndrome de Alport.

História de medicamentos

  • O uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) pode causar necrose papilar.

  • O uso de anticoagulantes não deve impedir a investigação de HM.[1] A anticoagulação não predispõe os pacientes à hematúria, e a doença do trato urinário está presente na maioria dos pacientes anticoagulados com hematúria.[26]

  • Um estudo de caso-controle constatou que a exposição a determinados antibióticos (sulfas, cefalosporina, fluoroquinolona, nitrofurantoína e penicilina de amplo espectro) nos 3-12 meses anteriores aumentou a probabilidade de nefrolitíase.[27]

História social

  • Exposições ocupacionais, exceto as que são conhecidas por nefrotoxinas ambientais, podem causar HM.[28]

Fatores de risco para câncer do trato urinário

  • Idade: incomum antes dos 35 anos de idade;[29][30][31] o risco aumenta com o avanço da idade a partir dos 35 anos.[1][14][30] A incidência abaixo dos 40 anos é de 1% a 2.4%.[32]

  • Tabagismo

  • Medicamentos: quimioterapia com ciclofosfamida ou ifosfamida; ácido aristolóquico em algumas preparações fitoterápicas para perda de peso[8]

  • História médica pregressa: exposição à radiação

  • Exposição ocupacional: corantes, benzenos, aminas aromáticas.

Obesidade e hipertensão são fatores de risco para carcinoma de células renais.[12]

Exame

O exame físico precisa incluir uma pesquisa por doenças diretamente relacionadas ao trato urinário, bem como outras doenças sistêmicas.[33] Por exemplo, a pressão arterial pode ser elevada em decorrência de doenças do trato superior glomerular, e petéquias, hematomas ou linfadenopatia podem sinalizar doenças hemorrágicas ou cânceres de células sanguíneas.

Exame do abdome e dos órgãos genitais externos também pode revelar uma fonte para HM. Nos homens, um exame de toque retal irá identificar hiperplasia prostática benigna (HPB), podendo revelar um câncer de próstata em potencial.

Assim como uma história detalhada, o exame físico pode eliminar a necessidade de uma extensa avaliação se uma fonte óbvia for identificada.

Exames laboratoriais básicos

Os exames laboratoriais iniciais devem avaliar doenças sistêmicas em cenários clínicos apropriados e incluem estudos de coagulação, velocidade de hemossedimentação, creatinina e proteína C-reativa. Uma cultura de urina confirmará a infecção do trato urinário (ITU), caso haja suspeita. O exame do antígeno prostático específico auxilia na identificação da próstata como fonte para a HM.

Microscopia de urina

Antes de qualquer investigação, a presença de hematúria deve ser confirmada pela microscopia de urina.[1][8] O teste da tira reagente (dipstick) de urina é altamente sensível ao sangue, mas não tem especificidade.[8][34]

Falso-positivos ocorrem em decorrência de iodopovidona, mioglobina, hemoglobina livre, soluções de hipoclorito, agentes oxidantes e altos níveis de ácido ascórbico.[4] Há um consenso de que ≥3 eritrócitos por campo de grande aumento em dois de três espécimes urinários centrifugados indica hematúria microscópica.[18] Uma nova microscopia deve ser considerada em pacientes cuja tira reagente para exame de urina é positiva para sangue, mas cuja microscopia de urina é negativa, levando em consideração a preferência do paciente e o risco de neoplasia maligna.[1]

A microscopia deve examinar amostra de urina de jato médio recém-eliminada, imediatamente após o teste da tira reagente (dipstick) se ele for realizado.[1][34] O tempo até a análise da amostra afeta a integridade dos eritrócitos: a contagem de eritrócitos cai de 5% a 9% após 5 horas e de 29% a 35% após 7 horas.[35]

A microscopia confirma a HM, mas também pode direcionar para investigação adicional por meio da identificação de eritrócitos e cilindros eritrocitários dismórficos, o que sugere uma fonte de sangramento no trato superior glomerular.[1][34]

Proteína na urina

A presença concomitante de proteinúria e HM é altamente sugestiva de uma fonte no trato superior glomerular.[1][4][20]​​​​​[36]​​[37] Uma relação proteína/creatinina na urina ≥0.3 ou uma relação albumina/proteína total na urina ≥0.59 sugere doença parenquimatosa renal.[8][19] Esta última proporção tem uma sensibilidade de 97% para distinguir sangramento glomerular de não glomerular. Uma consulta com um nefrologista é justificada, e as decisões quanto à biópsia renal devem ser orientadas por esse especialista, pois, na maioria dos pacientes com HM, a biópsia renal não altera as decisões de manejo.[4][38] Além disso, a biópsia renal é desnecessária se proteinúria não coexistir com hematúria.[8]

Estratificação de risco

As diretrizes da American Urological Association recomendam classificar os pacientes em 3 categorias de risco: baixo, médio e alto.[1]

Os pacientes de baixo risco atendem a todos os seguintes critérios:

  • Mulheres <50 anos, homens <40 anos

  • Nunca fumou ou <10 maços-ano

  • 3-10 eritrócitos por campo de grande aumento em uma única microscopia de urina

  • Nenhum fator de risco para câncer urotelial (os fatores de risco incluem: micro-hematúria persistente, hematúria visível).

Os pacientes de risco intermediário atendem a um dos seguintes critérios:

  • Mulheres 50-59 anos, homens 40-59 anos

  • História de tabagismo de 10-30 maços-ano

  • 11-25 eritrócitos por campo de grande aumento em uma única microscopia de urina

  • Pacientes de baixo risco sem avaliação prévia e 3-10 eritrócitos por campo de grande aumento em nova microscopia de urina

  • Fatores de risco adicionais para câncer urotelial (os fatores de risco adicionais incluem: sintomas irritantes do trato urinário inferior, radioterapia pélvica prévia, quimioterapia prévia com ciclofosfamida/ifosfamida, história familiar de câncer urotelial, história familiar de síndrome de Lynch, exposição ocupacional a aminas aromáticas ou químicos de benzeno, corpo estranho crônico permanente no trato urinário).

Os pacientes de alto risco são definidos como:

  • Mulheres e homens ≥60 anos

  • história de tabagismo de >30 maços-ano

  • >25 eritrócitos por campo de grande aumento em uma única microscopia de urina

  • História de hematúria visível.

Exames por imagem

As diretrizes da American Urological Association recomendam exames de imagem adicionais de acordo com o risco de câncer urológico.[1]

Para pacientes de baixo risco, a microscopia de urina pode ser repetida após 6 meses, ou o trato urinário pode ser investigado com ultrassonografia renal e cistoscopia. Se a HM persistir no novo exame, o paciente passa a ser classificado como de risco intermediário ou alto. Deve-se oferecer ultrassonografia renal e cistoscopia aos pacientes de risco intermediário. Aos pacientes de alto risco, deve-se oferecer exame de imagem renal axial, de preferência com urografia por tomografia computadorizada (TC) multifásica, e cistoscopia.

A repetição da urinálise em até 12 meses deve ser considerada para pacientes cuja investigação tem resultado negativo. Uma nova urinálise positiva deve justificar a tomada de decisão compartilhada em relação a repetir a avaliação ou observar.[1]

Ultrassonografia

A investigação inicial com ultrassonografia para pacientes com risco intermediário de neoplasia maligna é recomendada para reduzir a exposição à radiação ionizante em uma população com baixa incidência de carcinoma urotelial ou de células renais.[1] Um modelo estimou 575 cânceres induzidos por radiação em um estudo de coorte realizado com 100,000 pacientes ≥35 anos investigados com urografia por TC para hematúria.[39]

A ultrassonografia renal e vesical tem sensibilidade de 85.7% e valor preditivo negativo de 99.9% para detectar carcinoma de células renais, e uma sensibilidade de 14.3% e valor preditivo negativo de 99.7% para detectar carcinoma urotelial do trato superior em pacientes com hematúria.[40]

O American College of Radiology recomenda que a ultrassonografia dos rins, da bexiga e do retroperitônio seja a investigação de primeira linha para pacientes com hematúria provavelmente causada por doença parenquimatosa. A ultrassonografia pode avaliar o comprimento dos rins, a ecogenicidade e a espessura cortical e parenquimatosa, fornecendo informações úteis sobre a evolução da doença. A ecogenicidade na ultrassonografia está relacionada a alterações histológicas da glomerulonefrite.[41]

Urografia por tomografia computadorizada (TC) multifásica

A urografia por tomografia computadorizada (TC) multifásica, com e sem contraste, tem a maior sensibilidade e especificidade para detectar lesões no parênquima renal e no trato urinário superior, com a maioria dos estudos apresentando valores de 90% ou mais.[1] Seu uso substituiu o urograma intravenoso (UIV).

Há quatro fases diferentes da urografia por TC multifásica:

  • Pré-realce, antes de administrar o contraste intravenoso, para estabelecer a densidade do tecido e identificar cálculos e hematomas

  • Arterial, para identificar áreas de neovascularidade

  • Corticomedular, para avaliar alterações no parênquima renal

  • Excretora, para avaliar o sistema coletor, ureteres e bexiga.[1]

Técnicas de imagem alternativas

A urografia por ressonância nuclear magnética (RNM) é uma alternativa à urografia por TC multifásica para pacientes com insuficiência renal, alergia ao contraste iodado, gravidez ou outras contraindicações à urografia por TC. Comparada à TC, a urografia por RNM é menos específica para calcificações ou cálculos pequenos.[41]

Caso a urografia por TC ou RNM não esteja disponível, a TC sem contraste ou a ultrassonografia renal pode ser combinada com a pielografia retrógrada para avaliar o córtex renal e o urotélio, respectivamente.[1] A TC sem contraste é a investigação de primeira escolha para suspeita de nefrolitíase.

Cistoscopia

A cistoscopia é recomendada como padrão na avaliação de pacientes com risco médio ou alto para neoplasia maligna.[1] Quando uma neoplasia maligna urológica é detectada durante a avaliação da HM, normalmente é câncer de bexiga.

A cistoscopia tem sensibilidade de 98% para o diagnóstico de câncer de bexiga.[42]

A cistoscopia também pode identificar outras causas do trato urinário inferior da HM, por exemplo, estenose uretral, divertículo vesical ou uretral e hipertrofia prostática benigna.

cistoscopia virtual por TC

Um exame não invasivo promissor na avaliação da hematúria. Em pequenos estudos prospectivos e retrospectivos, a cistoscopia virtual por TC demonstrou alta sensibilidade para a detecção de tumores na bexiga.[43][44] A cistoscopia virtual por TC também pode ser usada para detectar litíase vesical, divertículos e papilomas.

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