Abordagem
Embora a anamnese e o exame físico frequentemente direcionem o médico para um diagnóstico funcional, muitas vezes são necessários estudos complementares. A maioria dos distúrbios sistêmicos pode ser diagnosticada com exames laboratoriais para avaliar as funções neuroendócrina e ovariana, e a maior parte das anormalidades estruturais é identificada por exames pélvicos e estudos de imagem.[12]
História
No caso de mulheres em idade reprodutiva, é necessário determinar a data de seu último período menstrual espontâneo, a contracepção utilizada e o estado gestacional.
Pergunte à paciente sobre potenciais sintomas de hipoestrogenismo, como fogachos, perturbação do sono, irritabilidade, redução da libido e secura vaginal.
A irregularidade do ciclo pode estar associada a quadros clínicos que resultam em amenorreia (por exemplo, síndrome do ovário policístico).
A dismenorreia (ou cólicas dolorosas) pode ser causada por endometriose, ou por uma obstrução do trato de saída que resulta em hematocolpos.[15]
Pode-se obter uma história remota de traumatismo cranioencefálico (pode causar hipogonadismo) ou infecção do sistema nervoso central (por exemplo, encefalite).
Cefaleia ou alterações no campo visual são sugestivas de tumor do sistema nervoso central.
A presença de galactorreia sugere uma hiperprolactinemia, a qual está mais comumente associada à amenorreia secundária.
Um estado nutricional deficiente devido a doenças sistêmicas, transtorno alimentar e/ou baixos níveis de gordura corporal podem resultar em disfunção hipotalâmica. É necessário averiguar o estado de saúde, hábitos alimentares e imagem corporal da paciente. O estresse emocional também pode prejudicar a função hipotalâmica, resultando em hipogonadismo hipogonadotrófico. A prática de atividades atléticas extremas, sobretudo em pacientes com índice de massa corporal (IMC) baixo, pode resultar em um fenômeno semelhante.[16] Variantes raras, nos genes associados ao hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático, são encontradas em mulheres com amenorreia hipotalâmica, sugerindo que elas possam contribuir para a suscetibilidade.[17]
A doença sistêmica crônica (por exemplo, doença celíaca[18]) pode apresentar-se com fadiga, mal-estar, anorexia e perda de peso.
Endometrite pós-parto, dilatação e curetagem, ou outra infecção intrauterina, podem resultar na síndrome de Asherman (um processo endometrial obliterante que resulta em amenorreia).
É importante colher a história medicamentosa completa. O uso de contraceptivos orais, progestogênios, androgênios e antipsicóticos de ação prolongada e opioides crônicos pode induzir à amenorreia.[19] O tipo de medicamento pode ajudar a identificar algum distúrbio tratado que seja a causa da amenorreia.
Uma história de procedimentos obstétricos ou cirúrgicos requer a consideração de aderências intrauterinas.
Uma história de quimioterapia ou radioterapia pélvica pode sugerir insuficiência ovariana prematura.
Uma história familiar de cessação da menstruação antes dos 40 anos pode indicar insuficiência ovariana prematura.
Exame físico
Devem ser aferidos o peso e a altura da paciente. Um IMC baixo (10% abaixo do peso corporal ideal) pode sugerir um transtorno alimentar ou a tríade da mulher atleta (amenorreia, osteoporose, transtornos alimentares).[16] Dependendo da cultura e da ancestralidade, de 30% a 80% das mulheres com síndrome do ovário policístico têm sobrepeso ou obesidade, com obesidade central (proporção cintura para quadril >0.85 ou circunferência da cintura >88 cm).[20]
No exame inicial, deve-se dar muita atenção a fatores como alopecia androgênica, alteração na tonalidade da voz, amplitude da distribuição de pelos terminais (padrão masculino), ganho de massa muscular, atrofia da mama e clitoromegalia, que sugerem hiperandrogenemia. Esses padrões podem variar em função da ascendência. Quando os sintomas progridem lentamente, é possível a ocorrência de presença da síndrome do ovário policístico ou uma hiperplasia adrenal congênita não clássica. Se progridem de forma aguda e progressiva, a paciente pode estar hospedando um tumor produtor de androgênio (ovariano ou adrenal).
Geralmente, as genitálias interna e externa estão normais. A clitoromegalia sugere hiperandrogenemia ou insuficiência adrenal. Um exame pélvico pode mostrar atrofia vaginal, que é comum com deficiência de estrogênio de longa duração. Os ovários geralmente não são palpáveis; no entanto, podem ser palpáveis em algumas pacientes com síndrome do ovário policístico ou ooforite autoimune. O colo uterino deve ser observado no exame físico. Nem sempre é possível realizar exames físicos internos, e o médico talvez precise proceder com opções de captura de imagens ou um exame sob anestesia.
O exame físico da pele pode mostrar acantose nigricans, acne e hirsutismo (síndrome do ovário policístico) ou estrias roxas (síndrome de Cushing).
Outros sinais da síndrome de Cushing incluem obesidade central, corcunda de búfalo, hematomas frequentes, fraqueza muscular proximal e hipertensão.
Investigue sinais de disfunção tireoidiana, inclusive bócio, exoftalmia, lagoftalmia, frequência cardíaca anormal ou alterações na pele.
Verifique sinais de insuficiência adrenal (doença de Addison), inclusive hipotensão ortostática, alterações no pigmento e pelos axilares ou púbicos reduzidos.
Avalie os campos visuais, se houver suspeita de tumor na hipófise.
É necessário realizar um exame físico generalizado seguindo os estágios de Tanner para avaliar o efeito do estrogênio. Embora isso esteja provavelmente associado à amenorreia primária, pode haver achados sugestivos de um estado hipoestrogênico em pacientes com disgenesia gonadal.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tumor secretor de androgênios em seção de corte do ovário direitoBMJ Case Reports 2009; doi:10.1136/bcr.11.2008.1286 [Citation ends].
Exames laboratoriais
Teste de gravidez no soro ou na urina: este é o primeiro exame realizado em toda paciente em idade fértil que apresente uma amenorreia secundária.[1]
Hormônio folículo-estimulante (FSH): em conjunto com os níveis de estradiol, as gonadotrofinas ajudam a determinar se a amenorreia é causada por insuficiência gonadal, disfunção hipotalâmica ou questões sistêmicas ou funcionais. O FSH é mais útil como teste único do que o hormônio luteinizante (LH), e o LH geralmente não está incluído nas investigações iniciais solicitadas. Depois de excluir a gravidez, o FSH é o próximo exame a ser solicitado.
Estradiol sérico: os baixos níveis sugerem insuficiência ovariana primária (em conjunto com FSH elevado) ou função hipotalâmica suprimida (FSH baixo).
Prolactina sérica: os níveis elevados de prolactina circulante (hiperprolactinemia), seja idiopática ou causada por adenoma hipofisário, resultam em hipogonadismo hipogonadotrófico. Para níveis persistentemente elevados, exames de neuroimagem são indicados para descartar uma neoplasia intracraniana.[14]
Hormônio estimulante da tireoide (TSH): é indicado para descartar o hipotireoidismo (primário). É improvável que um hipotireoidismo leve ou subclínico resulte em irregularidades menstruais.[12] Foi proposto que os níveis elevados de hormônio liberador de tireotrofina estimulam a secreção de prolactina da hipófise, suprimindo a produção de FSH.[21] O TSH suprimido sugere um hipertireoidismo, o que pode causar a oligomenorreia.
Os níveis séricos de androgênios são medidos para detectar sinais de hiperandrogenismo. Níveis de androgênios, como o sulfato de desidroepiandrosterona e a testosterona livre, serão elevados em pacientes com síndrome do ovário policístico,[22] mas podem ser significativamente maiores em pacientes com tumores produtores de androgênios.
Um cariótipo ajuda a confirmar a etiologia da insuficiência ovariana prematura em pacientes <30 anos.[23]
Exames fisiológicos e de imagem
Na impossibilidade de se obter um exame pélvico, realiza-se uma ultrassonografia transvaginal ou transabdominal. A ultrassonografia confirma se a anatomia está normal, ajuda no diagnóstico da maioria das anormalidades estruturais e pode eliminar a necessidade do teste de desafio do progestogênio. A modalidade transvaginal é preferencial, se possível, para avaliar a espessura endometrial.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ovário policístico na ultrassonografiaDo acervo do Dr M.O. Goodarzi; usado com permissão [Citation ends].
O teste do progestogênio é tradicionalmente usado para avaliar um trato de saída funcional que tenha sido adequadamente ativado por níveis normais de estrogênio circulante. Embora esse teste avalie o eixo hipotálamo-hipofisário e as estruturas reprodutoras, questiona-se se ele deve ou não ser realizado antes dos exames de imagem não invasivos ou de ensaios hormonais que possam eliminar a necessidade da supressão de progesterona. Em pacientes com níveis baixos de estradiol, um eco endometrial fino (atrofia) seria característico na ultrassonografia transvaginal. A ausência de sangramento por supressão pode ocorrer não apenas em pacientes com uma insuficiência ovariana prematura ou disfunção hipotalâmica, mas também em pacientes com a síndrome de Asherman ou a síndrome do ovário policístico (por exemplo, os níveis elevados de androgênios podem induzir à atrofia endometrial), sendo que todos os casos requerem avaliações substancialmente diferentes. Caso seja observada uma ausência de sangramento por supressão, uma forma simples de diferenciar as causas estruturais das endócrinas é preparar o útero com estrogênio por 4 a 8 semanas, seguido por um segundo teste de supressão. (Não há recomendações claras quanto ao tempo de exposição a níveis baixos de estradiol circulante; a duração especificada aqui é uma sugestão.)
A ressonância nuclear magnética (RNM) é a ferramenta mais eficaz para caracterizar anormalidades estruturais específicas, podendo dispensar a necessidade de diagnóstico cirúrgico.
Quando os níveis de prolactina estão significativamente elevados, uma RNM craniana é indicada para descartar adenoma hipofisário.[1][Figure caption and citation for the preceding image starts]: (A) Corte coronal de ressonância nuclear magnética (RNM) ponderado em T1 mostrando uma massa hipofisária com expansão da fossa hipofisária (B) Corte coronal de RNM ponderado em T1 mostrando uma massa hipofisária estendendo-se para o seio cavernoso, particularmente à direita (C) Corte sagital de RNM ponderado em T1 do tumor hipofisárioBMJ Case Reports 2009; doi:10.1136/bcr.08.2009.2193 [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Corte axial de ressonância nuclear magnética (RNM) ponderado em T2 mostrando uma lesão na fossa hipofisária (seta), com uma intensidade de sinal heterogêneo sugestiva de apoplexia recenteBMJ Case Reports 2009; doi:10.1136/bcr.09.2008.0902 [Citation ends].
A medição da densidade óssea pode ser indicada em pacientes selecionadas, como aquelas com uma hipoestrogenemia crônica. Esse exame pode ser menos útil em pacientes mais jovens que ainda não atingiram a densidade mineral óssea (DMO) máxima. O uso de contraceptivos esteroidais pode também afetar a DMO.[24]
A síndrome de Asherman pode ser diagnosticada por ultrassonografia transvaginal (pode não ter o aspecto trilaminar típico de eco endometrial observado durante a fase proliferativa normal); entretanto, a sono-histerografia ou a histerossalpingografia são comumente os primeiros exames usados para avaliar a paciente. A histeroscopia continua sendo o padrão preferencial para o diagnóstico.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Segmento uterino inferior em paciente com a síndrome de Asherman, observado na histerossalpingografiaDo acervo do Dr. Meir Jonathon Solnik [Citation ends].
Outros: leptina
A leptina é uma citocina secretada pelos adipócitos, pelo hipotálamo e pela hipófise que parece ter um impacto significativo na função neuroendócrina e reprodutiva, bem como na modulação de energia. Os níveis de leptina sérica são afetados pelo percentual de gordura corporal. Assim, as mulheres com transtornos alimentares ou desnutrição tendem a apresentar níveis mais baixos, o que é representativo de uma alteração no eixo hipotálamo-hipófise-ovariano. Assim, a reposição de leptina restaura a menstruação ovulatória em mulheres com amenorreia hipotalâmica.[25][26]
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